sábado, 26 de dezembro de 2020

Eu Vi o Paul McCartney no Metrô...



Ninguém deu bola. Estava ali sentado lendo, e se espremeu como todo mundo na hora da saída. Deve estar curtindo um pouco a vida depois daquela loucura de beatlemania. Voltou a ter um cotidiano normal. É uma pessoa comum, agora. Mas será mesmo? Ou ele ainda é o Paul McCartney que faz parte da história da música mundial? Na saída da estação o vi se afastar tranquilo com a sua bolsa a tiracolo e o seu jornal. Coincidência ou não, “Drive My Car” tocava num desses carros pretos enormes, ocupando espaço, fazendo barulho, e poluindo a cidade.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Mais um Dia de Verão...


A brisa que passa, na beira da praia, no rastro da onda do mar

Deixando um lastro, de luz solar

É um atropelo, do que está para chegar

O destempero, que vem acomodar

Dentro do quarto, no escuro da tela, eu quem te vejo dormir

A visão mais bela, daqui da janela, é sempre você a sorrir

Futuro sem trela, numa esparrela

Todo o prazer vem daqui

Vamos mergulhar na escuridão do mar

Fazer amor até o dia raiar

Em teu calor e sem saber nadar

Chegar tão fundo até o sol brilhar

A vida que resta, a tarde da sesta, é mais um dia de verão

A sua mão destra, a rede na aresta, o rés desnível do chão

Biquíni aperta, eu quem não presta

Você chamando a atenção

Todas as férias, com alguma féria, então será sempre assim

Na casa fresca, de segunda a sexta, dentro do meu pixaim

Com ânimo dobre, você quem resolve

Por mim nunca mais vai ter fim

Vamos mergulhar na escuridão do mar

Fazer amor até o dia raiar

Em teu calor e sem saber nadar

Chegar tão fundo até o sol brilhar

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Nelson e Otto...

             Esses dois sujeitos mal-ajambrados caminhavam numa rua do centro baforando os seus mata-ratos importados do Paraguai, quando uma viatura apinhada de policias com braços e armas de fora se aproximou. Uma voz gritou: “Polícia!” Nelson comentou entredentes para Otto: “Como se a gente não soubesse.” O policial ao sair do carro disse para os dois – Documentos! - Nelson se preparava para pegar a carteira no bolso detrás da calça, quando ouviu a pilhéria do amigo – Só temos instrumentos… – o policial se virou para os dois irritados.

 – O que foi que disse cidadão? – Eu disse que está aqui. Otto respondeu enquanto o amigo suava frio. O homem perguntou: “Vindo de onde indo para onde?”, “Atrasados para uma entrevista de emprego, doutor.”, “Tem certeza de que estão procurando trabalho?” o policial franzia o cenho enquanto conferia os documentos. De repente os outros policiais acenaram para que o colega se fosse. Devia ter surgido alguma ocorrência. O soldado devolveu os documentos e disse: “Se adiantem cidadãos!”

Os dois chegaram ao rabo da fila que dava volta no quarteirão. Homens e mulheres com expressões cansadas e olhares sonolentos. Nelson disse para o amigo: “Mas Otto, como aquele policial pôde me chamar de cidadão se o meu auxílio é tão pouco?”, “É mesmo, como é que pode?” o amigo respondeu enquanto mais gente parava atrás deles. O senhor que vendia cafezinho cochilava com a TV ligada. Uma mulher próxima abria a boca num bocejo.

Na televisão um político dava entrevista num desses jornais que pegam o trabalhador ao sair da cama. Ele dizia: “O homem da rua sabe do que eu estou falando!” Nelson tentava acender a guimba quando disse – Otto, será que quando fala sobre o “homem da rua” ele está se referindo à gente? - “Creio que sim, Nelson. Creio que sim.”, “Otto, o que você prefere, ser um homem da rua, ou um cidadão?” Otto como um personagem de novela coçou o queixo antes de responder: “Nelson, com sinceridade. Eu acho que prefiro ser chamado de cidadão. É mais moderno!”

As vagas oferecidas não passavam de setenta, mas havia um mar de pessoas encostado naquelas paredes. Foi quando apareceu um morador de rua. Ele carregava sua sacola nas costas, e era uma espécie de “homem do saco” com o qual as mãos atemorizavam as crianças antigamente. Usava barbas longas e estava todo sujo. Parou à frente da fila na altura em que os dois amigos estavam e disse – Vocês só querem trabalhar com a caneta… Na pedreira tem vaga! - parte dos desempregados desabou numa gargalhada contagiante. Nelson comentou com o amigo – Otto, olha como é o humor do povo brasileiro! Mesmo na desgraça ele faz piada! Olha a veia cômica do brasileiro!”, Otto perguntou: “Mas então Nelson, o que você prefere: homem da rua? Homem do povo? Ou Cidadão?” Nelson pensou um pouco e respondeu - Eu fico com homem do povo. Sei lá, soa mais original!

Um helicóptero de noticiário da manhã sobrevoava o lugar onde estavam como que para fazer alguma matéria. Desceu de um carro o homem de óculos; celular numa das mãos, e uma revista Piauí na outra. Ele se dirigiu a eles - Os senhores podem me informar que fila é esta aqui? - Nelson mais escrachado respondeu: “Só se o senhor emprestar a revista para passar o tempo!” O homem entregou a publicação mensal sem pestanejar. “É uma fila de emprego para faxineiros de uma cadeia de lojas.” O sujeito falou no aparelho espreitando a aeronave: “É uma fila de emprego.” Eles ouviram a voz do outro lado – Os populares disseram isso? - Sim! ele respondeu e partiu.

Agora Nelson e Otto estavam vidrados na revista. “Então Otto, nós somos cidadãos, homens da rua, homens do povo, ou populares?”, Otto respondeu: “Eu acho que nós somos isso tudo, Nelson!” O amigo disse: “É por isso que te admiro, Otto! Você representa a inteligência brasileira!”, “É, mas agora para que ela seja mantida necessito de um café.” Nelson contou as moedas e viu que a quantia estava certa para a passagem da volta. Então leu uma frase na revista, se virou para Otto e disse: “Imagine-se num barco num rio com árvores de tangerina e céu de goiabada!” Otto lendo a revista respondeu por sobre os seus ombros: “E bebendo tubaína!”. Nelson ao perceber que o amigo descobrira o plágio disse: “Otto, ainda serei um frasista como você!”. Nesse momento um funcionário da empresa apareceu - “Vamos organizar a fila!”, “Amém!”, disse uma voz sufocada por uma máscara.

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Emanuel e Isabela...


Emanuel era um cachopo de Abrantes…

Era um puto diferente dos restantes!

Enquanto todos só falavam de internet e outros bichos

Emanuel sempre dizia: por aí, mas nem por isso!

Emanuel escrevia, e lia poesia

E discutia sobre tudo, mesmo, até filosofia

Emanuel era um cachopo de Abrantes…

Dos antigos dos que existiam antes!

Emanuel era um tipo muito louco diferente

E sabia lidar, lidava com toda a gente

Da Doutor Manuel, da ESTA, da Solano

Emanuel era DJ, e tocava piano

Emanuel era um cachopo de Abrantes…

Bastante sossegado, e contagiante

E ele se apaixonou pela linda Isabela

E disse a ela: rapariga tu és bela!

Comparou a sua beleza com os jardins da fortaleza

Usava um vocabulário, abissal, da profundeza

Emanuel era um cachopo de Abrantes…

Com uma miúda apaixonante!

Emanuel mostrou a ela como o tempo se divide

Eles assistiam séries e caminhavam ao ar livre

Gostavam de jogar, mas amavam a cultura

Inclinados ao teatro, ao cinema, e a leitura

Emanuel e Isabela de Abrantes…

Coração lapidado em diamante!

Emanuel e Isabela com planos para o futuro

Um casal de miúdos e um sentimento puro

Ninguém duvidava que eles fossem ficar juntos

E hoje por onde passam continuam sendo assunto

Emanuel e Isabela de Abrantes

Emanuel e Isabela de Abrantes


Imagem: CM Abrantes

sábado, 26 de setembro de 2020

Mídia-Golpista e Globo-Lixo!

Eu estava neste boteco da Rua Montevidéu na Penha às sete horas da manhã tomando uma Brahma quando ele chegou com o dedo em riste. — Os petistas inventaram a “Mídia-Golpista”, e agora os bolsonaristas a “Globo- Lixo”. Os dois grupos pelo mesmo motivo: denúncias de corrupção. O Lula populista se beneficiou do Bolsa Família; que aliás era um dinheiro irrisório. E agora o Bolsonaro se beneficia do Auxílio Emergencial. Ele que não queria ajudar na pandemia acabou sendo beneficiando por ela. Bolsonaro ia dar duzentos; quando alguém disse que era muito pouco. Ele aceitou contrariado. E o povo acredita que o “capitão” — expulso do exército — num gesto de benevolência saca a grana do próprio bolso. Como se o Brasil (“negacionista”) fosse o único país do mundo com medidas emergenciais; e como se ninguém pagasse imposto ao comprar uma mariola… Tomara que depois dessa paixão o amor acabe; e assim como aconteceu com o Collor e a Dilma (que caíram por infrações menores que as que ele comete, nunca é demais lembrar) tudo termine em impeachment. O homem pagou a Coca-Cola, pegou a bíblia de cima do balcão, e disse: “Agora tenho de ir para o culto irmão. Na paz do senhor!”, eu respondi — Na paz do senhor! E voltei a assistir a Globo.

sábado, 12 de setembro de 2020

Eu Nasci em Mil Novecentos e Setenta e Sete!

Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
É por isso que não me entrego a esse mundo da internet…
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
É por isso que eu leio livros inteiros
E ainda ouço álbuns completos
Eu sei o que é uma câmera Rolleiflex
Fui eu quem descobriu o Basic e o disquete
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
Foi por isso que eu não nasci adulto,
eu tive infância
Eu que nem sempre sou velho, 
também já fui criança
O meu pensamento pertence a outro tempo
O meu raciocínio é mais cadenciado,
E não mais lento!
Eu não vivo em busca de passatempo
O meu tempo passa em busca de conhecimento
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
Por isso que dou valor a coisas que você desconhece
E ignoro outras com as quais toda a gente se diverte
Eu não sinto saudades da época em que eu nasci
Mas sou muito grato ao tempo em que eu cresci
E você que não aprendeu a ler
E você que não aprendeu a escrever
Ainda vem me dizer em sua postagem como eu devo viver
Faça-me o favor!
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
É por isso que eu valorizo coisas que você desconhece
Mas quem nasceu na minha época às vezes se esquece
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
Dou tempo ao tempo
E a cada tempo o tempo que ele merece
Porque eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

José Terra e o Senhor Smithers

Infelizmente José Terra Periquito era um homem feio. Ele se parecia com o senhor Smithers de Os Simpsons. Semelhança esta que provocava risos em alunos de faculdades onde ia dar palestras. “Ele se parece com o senhor Smithers.” Precisava constatar se a semelhança era real. Fez uma busca no Google e se deu conta da triste coincidência. Os olhos esbugalhados encovados em órbitas de olheiras profundas e a careca saliente não deixavam dúvidas. Interpelou um amigo e confidente. Fernando Henrique Manhoso foi sucinto em sua resposta: “Parece sim.” Depois de exibir a figura de Smithers pôs o aparelho de volta ao bolso e não esqueceu do assunto.
Com o pensamento científico decidiu aceitar o infortúnio da aparência. Aquele era mais um dos sorteios da natureza. Nem todos possuíam a sorte de ser um privilegiado ao qual a estampa servisse para cartazes de Hollywood. Em seu carro ouvia alto a polêmica música da banda Ira! que dizia não querer mais ver aquela gente feia em São Paulo. Isso dava a ele a sensação de não ser um deles. Mas sabia que era como a maior parte dos simples mortais brasileiros que ou se habituavam ao seu destino ou passariam a vida toda sonhando com procedimentos estéticos em clínicas clandestinas de fundo de quintal que invariavelmente terminavam em morte. Não era o seu caso. Já havia dado provas de ser resiliente em muitos aspectos da sua existência. No debate político partidário o seu tom de voz pausada e o seu manejo para negociações haviam conquistado a confiança de aliados e correligionários.
Sempre que José Terra tinha algum pesadelo, ele cria ser um aviso e temia que o dia não corresse bem. Em seu carro ouvia escondido músicas que os amigos da mesma geração e classe que ele não entenderiam. Naquele dia, por exemplo, ao adentrar a rua engarrafada onde a filha morava cantava o rap dos Racionais que dizia: “Tem dia que é melhor não acordar que dá tudo errado.” O dia transcorria modorrento com uma garoa fina. Aquilo era um mau presságio assim como em sua concepção o famoso fog londrino. Na fila de carros José Terra suspirava e lembrava do sonho. Em sua quimera onírica da noite, um japonês dentro de um carro preto tirava os óculos escuros do rosto. e dava diversas piscadelas em sua direção. Sonhou com isso à noite inteira. Sempre a mesma cena a se repetir como num loop ou um samples do rap que curtia às escondidas.
Pensou que o congestionamento se desse por uma operação de combate ao Coronavírus, “Se eu fosse o ministro da saúde nada disso estaria acontecendo! Mas puseram um imbecil na presidência da república!” Ao perceber a aproximação de um dos guardas abaixou o som. Tirou a música dos Racionais e pôs novamente o Tchaikovsky. Ele sempre fazia isso. Quando alguém se aproximava, José Terra sacava a música clássica ou um clássico da MPB como Chico Buarque. Nada daqueles raps e rocks malucos que ouvia. Ele sorriu para o guarda que passou direto ao largo do seu carro.
 O seu automóvel já estava parado ali há um quarto de hora sem conseguir se aproximar da casa da filhota como ele chama a filha. “Meu Deus como é difícil ser tupiniquim, dai-me paciência senhor!” José dizia ao abaixar a cabeça apertando o volante do carro. Quando entrou uma mensagem no celular: “Pai, o senhor já está vindo?” Ele respondeu: “Engarrafamento na sua rua.” – “Ah, meu Deus!” a filha devolveu. José Terra resolveu telefonar. A filhinha atendeu. “Vem logo pai.”, “O que aconteceu?” “Vem logo”. Não disse mais nada e ela desligou o telefone. Não devia ser um problema de foro íntimo e sim uma jurupoca em seus negócios. “Vou andando.” Ele decidiu. O atraso do país José.
José Terra desceu do carro na esperança de que alguém o reconhecesse e fosse facilitada a sua passagem. Enquanto se dirigia ao tumulto viu muitos carros da polícia próximo ao muro da casa de sua filha. “Algum vizinho deve ter feito asneira”, pensou. Ele se aproximou como quem se exibe para ser visto. Novamente lembrou os Racionais. “Quem não é visto não é lembrado.” Ninguém na pequena multidão que se formava reconheceu a sua caroça, como diria um integrante da plebe rude. Ele lembrava da banda de mesmo nome.
O máximo foi um garoto que cutucou a mãe: “Parece o senhor Smithers!” A mãe respondeu: “É mesmo! Igualzinho!” Ele fingia não ouvir, mas em seu íntimo pensava “Esses bárbaros só conhecem o Caneta Azul e a Anitta!” José Terra perguntou a um homem: “Com licença, o senhor sabe o por que da confusão?” No que o popular com o jornal debaixo do braço respondeu: “Um figurão da política foi pego com a boca na botija, e a PF está na casa da filha dele!” Depois de ouvir a frase entrou uma mensagem em seu celular. “Pai chame os advogados!” Ele correu para o carro.
“Aí meu Deus prenderam a minha Periquita!” Agora José deu meia volta embicou o carro na direção contrária e pôs a gravação de Paulo Diniz, baseada no poema de Carlos Drummond de Andrade, que seus amigos julgavam popular demais. A Festa acabou, a luz apagou, o bonde não veio. E agora, José?

sábado, 22 de agosto de 2020

Ponha-se em seu lugar...

Às vezes, você, foi…

não… você quer ser!

O melhor se puder,

com o pior de você.

Não, é quem quer?

Sim, o que precisa!

Identifique-se firme,

acolha a sua brisa.

Quem, você, será?

Mundo não deseja.

Seja para si mesmo,

Todo mundo, veja!

O que você, quer…

é disparidade.

Satisfaz outro,

sem veracidade.

No que você peca,

não é ser fecundo…

algo desconhece,

embaixo de ti,

rés-do-mundo.

Pode surpreender,

conhece a ti mesmo?

Sentimento íntimo,

em seu bojo de berço.

Vai perceber a beleza…

franquezas da intimidade.

Amparado de solidão…

quem és tu… de verdade?

E vais ver…

um big-bang, explosão.

Dentro de ti, renascer…

um Deus, da recreação.

Um ser onisciente,

bem-disposto,

condizente,

com o que há, no rosto.

Aí sim… ressurgir!

da morte,

reencarnar,

quem sempre existiu…

subtraído, desamparado,

Ponha-se no seu lugar!

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Chatô: o rei do Brasil de Fernando Morais


Assis Chateaubriand era um homem malvado. Depois de ler o livro pensei como alguém tão ruim que mandou um dos seus jagunços capar um homem com um tiro pôde fazer coisas tão boas? Assim como Getúlio Vargas seu amigo/inimigo, que segundo o mesmo Fernando Morais no livro Olga, teve a coragem de enviar uma mulher grávida para os nazistas a mandarem para a câmara de gás. Após isso, o pai de seu filho, Luís Carlos Prestes, herói dos comunistas nacionais, subiu no mesmo palanque ao lado de Getúlio Vargas. Tudo em nome da política!
Chatô revolucionou os jornais no Brasil com os seus Diários Associados. Ainda adolescente cutucou a maior sumidade nacional, o Águia de Haia, Rui Barbosa. Quando foi da província paraibana para a antiga capital, o mundo teria sido alertado pelo Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, ao vaticinar que todos deveriam tomar cuidado com ele, pois aquele rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro só estava interessado em poder. E não deu outra. Chatô se tornou o homem mais poderoso do Brasil, a ponto de uma lei ser criada por Getúlio – a “Teresoca” - para que ele pudesse tomar da sua antiga esposa, a filha que não estava registrada em seu nome; em represália por ela o ter traído depois de praticamente ter sido abandonada por ele.
Chateaubriand construiu o seu império atropelando os seus inimigos. Um desafeto poderia ir parar na capa do seu jornal com algum crime inventado. O mesmo tratamento era dado a um simples concorrente ou a alguém que simplesmente não anunciava os seus produtos em nenhum de seus veículos, como era o caso de Francisco Matarazzo um dos homens mais ricos do Brasil à época. E a quem Chatô não queria pagar o valor cobrado do aluguel de um prédio onde funcionava o seu jornal, o homem era achincalhado com mentiras diárias.
Mas Assis também criou o MASP – Museu de Arte de São Paulo. Fundou o primeiro canal de televisão, a extinta TV Tupi, e inúmeras estações de rádio, além da antológica Revista Cruzeiro. Empregou e deu chance para que muita gente boa renovasse as telecomunicações brasileiras. Pessoas às quais muitas vezes sem pagar o preço devido. Entre os seus feitos está uma campanha para o aprimoramento das escolas de aviação no Brasil. Embora tudo que fizesse fosse polêmico e recheado de acusações de desvios de recursos. O homem até criou uma campanha para beneficiar a infância.
Num de seus caprichos Assis Chateaubriand quis ser diplomata. Conquistou a promessa do estimado Juscelino Kubitscheck em campanha – com a ajuda de parte da reserva moral do país: Tancredo Neves – em troca de apoio. E lá foi ele ser diplomata. Numa carta da diplomacia inglesa, é dito que Chatô desejava conhecer a rainha depois de uma tentativa frustrada em sua coroação. Tudo isso com um inglês deficiente. Não há como não lembrar do filho de Bolsonaro.
 Talvez por inveja Chatô tenha odiado tanto o seu filho Gabriel, apesar de sua aparência física não deixar dúvidas, ele dizia não ter uma gota de seu sangue. O filho era diplomata de carreira, respeitado no “circuito”. Bastante doente e debilitado em uma cadeira de rodas, o pai ainda o acusava de ser um meliante, segundo palavras do próprio Chateaubriand, que no final de uma briga queria que Gabriel devolvesse um quadro com o qual foi presenteado.
Certa feita cismou que seria senador da república de estados onde mal punha os pés, como em sua Paraíba, e no Maranhão. Depois de eleito nem sequer se dava ao trabalho de ir até à terra daqueles que o elegeram.
Chatô, mudava de opinião como quem muda de roupa, e agia de acordo com os seus interesses, embora desse um tom ideológico às suas atitudes. Um dia ele pegava em armas para lutar ao lado de Getúlio e no outro queria o derrubar. Um dia era a favor da ditadura e no outro estava defendendo um antigo inimigo comunista russo por causa da “diplomacia”. Para ele parecia servir a máxima, os inimigos de meus inimigos são meus amigos. No fim da vida reatou com gente que dizia odiar. Muitas delas foram prejudicadas por sua fúria.
Assis Chateaubriand era um tarado que chamava divorciadas inimigas suas de devassas. Ele catava mulheres simples na rua, em pontos de ônibus, e as dava carona em seu carro de luxo. Mesmo que aparentemente não possuíssem nenhum atributo físico especial. Em sua fase cadeirante, depois de duas tromboses, quando segundo os médicos a ele só restava o sexo oral; mal conseguindo articular as palavras, sabendo que um de seus jornalistas havia sido assassinado por um pedreiro mineiro, de quem desencaminhara a filha de 15 anos. Com o homem preso e o empregado morto, Chateaubriand fez com que buscassem essa menina na favela em que morava nas Minas Gerais e a levassem num avião para a sua mansão em São Paulo, pois queria saber o que ela fez sexualmente para encantar o seu jornalista. Mas ao se ver decepcionado mandou a menina de volta para casa.
Impressiona como Assis Chateaubriand conseguia transformar uma briga de família numa crônica memorável. Embora fosse preconceituoso, as suas tiradas e frases de efeito, os apelidos que punha em seus contemporâneos, seu jogo de palavras, eram inteligentíssimos. Em campanha ele dava discursos ininteligíveis para algumas plateias atônitas. Ia falar com homens simples do interior e começava a discorrer sobre filosofia. Chatô em sua juventude aprendeu alemão; autodidata, ganhou uma biblioteca inteira com livros na língua germânica.
Chatô, O Rei do Brasil, lembra O Anjo Pornográfico de Ruy Castro sobre Nelson Rodrigues, que inclusive escrevia em seus jornais. Existe semelhança nas acidezes de ambos em seus textos. O leitor comum de jornal era um privilegiado. O homem da rua que lia o jornal no trem a caminho do trabalho. Talvez por isso que no tempo da escassa, mas boa educação pública brasileira, e dos grandes jornais populares, era possível encontrar pessoas comuns com o pensamento articulado e a caligrafia impecável.
Assis Chateaubriand é um personagem de seu tempo. Não haveria lugar para o seu texto no mundo de paranoia e censura moral que vivemos; mesmo no ocidente, e depois do maio de 68. Além do mais ninguém tem tempo para ler. No planeta de aparelhos eletrônicos e mensagens de palavras reduzidas. Assim como eu duvido que alguém leia este texto até o final.

Referências:


Chatô: o rei do Brasil, a vida de assis Chateaubriand / Fernando Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

O Anjo Pornográfico / Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Olga / Fernando Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Vazef!

A repórter bonitinha que vive atrás de mim me liga. O famigerado Albatroz é um deslumbrado que adora aparecer. Falem mal, mas falem de mim. Enquanto ela fala comigo o inconveniente dono da loja de conveniências onde o Albatroz comia aparece na televisão. Se ele queria aparecer, ele conseguiu.
Eu queria poder ligar para ela e quem sabe convidá-la para jantar. A Cuíca está sorrindo no canto da sala. Ela diz, o Ovídio era o maior da cuíca, ele era um poeta como o seu antecessor… ele fazia a cuíca falar! Ouço o barulho dos helicópteros e tento me esconder. Os sons de suas hélices me incomodam. Vou até a janela e fecho as cortinas. Do outro lado a menina bonitinha não para de falar. Escuto uma estática e penso, será que o Japonês me grampeou? Ele não tinha sido preso?
O fato é que eu jamais escondi o Maurício Albatroz! Adoro esta frase, não sei porquê. Ela diz, então o Albatroz pulou o murou? Ele apareceu voando na casa do senhor? A Cuíca explode numa gargalhada. Eu quase tenho um acesso de riso. Tento não rir para conter o estrago. Mas, claro! Ele é um albatroz! A Cuíca diz e rola no canto da sala. Ela levanta as suas patinhas. Ela me persegue desde que eu visitei o México. Tampo o bocal do telefone.
Num grampo o Albatroz fala sobre o pessoal da cúpula. Que cúpula é esta? Uma família de insanos! Eu mastigo um comprimido. Na televisão ninguém sabe pronunciar o seu nome. Não é Vassef, é Vazef! A Cuíca diz, quem vazou foi o ministro que não sabia escrever! Ele não saberia escrever! E quem vaza a jato é o Sérgio Mouro. A Cuíca diz, eu sou argentina. Vazef me lembra o Aleph de Borges. Vendo que não entendi nada a Cuíca debocha, Maradona é melhor que Pelé, entendeu agora? O marsupial debochado me persegue aonde quer que eu vá. Meto a boca na bica e engulo mais dois comprimidos. Deve ser uma alucinação. Tem cuíca d`água no Brasil? Não.
O Albatroz bêbado com sua esposa e o dono da conveniência cantam Tonturas de Amor de Wagner num noticiário. A Cuíca comenta. Será que o ministro nazista que pôs a música do Wagner sabe que eles são diferentes? Não posso perder tempo com estas besteiras. Tenho de trabalhar. Desligo o telefone na cara da repórter bonitinha. Era para este Albatroz e sua mulher Fársia estarem em Rio das Perdas a esta hora comprando pizzas para o jantar. Ele foi para Bangu. A Cuíca grita, O Isaías do Borel vai tá lá! Você lembra daquele Garotinho? Ela me pergunta.
O William Donner está falando sobre mim no jornal. Ele fala sobre a minha ex-esposa. A Cuíca grita, será que ele não pensa nem por um segundo se a sua esposa é da família dele? Não. Eu respondo. O Doner dela é com um N só. O dele é com dois. A Cuíca não para de sorrir. Ela consegue ler os meus pensamentos. Estou preocupado com isto. Ex-esposa é para sempre! Diz a Cuíca. Esposa acaba. Ex-esposa, não. A sua está enrolada, mas a Ex do Soldado Expulso do Exército também. Capitão uma ova! Capitão lá para os biscates dele! Soldado Expulso! Expulso! Eu grito com o marsupial que dança comigo na sala.
A Cuíca sorriu quando a repórter loura veio em minha direção na farmácia… como eles tem repórteres bonitas neste canal! O fato é que jamais escondi Maurício Albatroz! Não existe isto! Ela também adora esta frase. Perguntei a ela no carro. Eu me saí bem? Ela sorri e diz que sim. Ela repete empunhando a pata como se fosse um dedo em riste. O fato é que jamais escondi Maurício Albatroz, este é o fato!
eu digo à Cuíca que nós sempre descobrimos uma traição. Ô raça ruim é advogado! Eu sou advogado, mas eu vou te contar hein? A polícia denunciou a minha empregada mandando o Albatroz se esconder de mim. Não conta nada para o Anjo Caído, ela disse. Eu me sinto um anjo de asas quebradas, mas este Albatroz vai ver como é viver numa gaiola! Abro a cortina devagar. O helicóptero está literalmente parado no ar em minha janela. Nem as hélices se movem. Tenho medo de que eles tenham vindo me buscar.
Outra advogada. Ela diz que eu nunca fui advogado da família. Mastigo outros comprimidos. Vamos passar um trote? Oi, tudo bem Karina Cuba? O meu nome não é assim! Quem é que tá falando? Aqui é o advogado do diabo! Ela xinga um palavrão e bate desliga. A Cuíca sorri. Você é tão da água quanto eu sou da verdade! Engulo comprimido. Você nunca ouviu uma cuíca falar? Ela me diz, vai, liga para ele! Esfrego as minhas mãos, eu vou ligar…
Alô, okay? Okay! A Cuíca pega o telefone da minha mão e pergunta. Sabe quem estava no sítio em Atibaia junto do Lula Molusco? Ele diz, não. O Albatroz! Ela cai na gargalhada. Eu pego o telefone e mudo a minha voz, cade o Léo Primo? O Carlinhos não sente saudades dele? Quem é que tá falando? Maconheiro comunista! Eu te dou um tiro nos cornos!
Vejo que os olhos da Cuíca d`água têm olheiras iguais às minhas. Ela diz, antes de cair no sono Anjo Caído… se o seu o codinome é Anjo Caído, e você é amigo do Maurício Albatroz, qual é o nome do filme? Eu não sei te responder. Ela sorri. Os Pássaros de Hitchcock! Ela caia na gargalhada. Eu caio no sono...

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Não é de Berlim...

Mercúrio cromo usado pra brincar de sangue

Vinho tinto escorre bang-bang

Faroeste espaguete à italiana

Brincou de casinha foi de cana

Pólvora que não é de espoleta

Lágrima clara pele preta

Vendeta, omertà, inocente gang

Comando Ilha Grande e falange

O inimigo morto não é "alemão"

É quem corria com você pelo quarteirão

 

Não é de Berlim, não é de Berlim

O boneco não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berli

A maquete não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

O muro não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

 

Brincava no pátio fugia da prisão

Exibe algema na programação

Quem pulava o muro fazia coisa feia

Dorme num canto numa cela cheia

Bala videogame e atiradeira

A consolação morte ou cadeia

Furor patriótico e armamentista

Mancha sangue capa de revista

O inimigo morto não é "alemão"

Quem corria com você pelo calçadão

 

Não é de Berlim, não é de Berlim

O boneco não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berli

A maquete não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

O brinquedo não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

sábado, 4 de julho de 2020

Eu Fui Atrás do Circo...

Federico Fellini em sua biografia, Eu, Fellini de Charlotte Chandler. Fala sobre um circo que passou por sua cidade, Rimini, e que fez com que ele sentisse vontade de acompanhar a trupe. O circo está presente em pelo menos dois de seus filmes La Strada (1954), e I Clowns (1970). Ingmar Bergman também mostraria o circo em Gyclarnas afton (1953). A obsessão com a vida mambembe também se apresenta na Caravana Rolidei da obra Bye-Bye Brasil (1980) de Cacá Diegues. Em que a personagem de Fábio Júnior quer sair para ver o mar, assim como o João de Santo Cristo da música Faroeste Cabloco (1987) da banda Legião Urbana, e os dois terminam em Brasília. A minha avó era trapezista de circo, quem sabe o sonho de ir atrás do espetáculo permaneça em minhas veias, veias essas que eu sigo como vias de uma estrada. Talvez por isso tenha abandonado a escola para seguir um grupo de teatro. E simplesmente andei em direção de casa por não gostar de um lugar onde trabalhava. Deixei pessoas, cidades, ideologias, segurança, e até mesmo o meu país, pura e simplesmente para seguir o circo da minha vida. Penso ser mais provável que este destino esteja de acordo com a frase da longa O Palhaço (2011) de Selton Mello. “Na vida a gente tem de fazer o que sabe fazer: o gato bebe leite, o rato come queijo… E eu sou palhaço.”

sexta-feira, 26 de junho de 2020

O Puto e a Rapariga da Bicha...

Um puto e uma rapariga estavam entediados atrás de uma bicha. Quando este brasileiro puxou assunto e contou ao português que um puto que ele conhecia tinha acabado de voltar para o Brasil com uma rapariga. O português segredou ao brasileiro que queria engatar e perguntou se ele tinha um durex. O brasileiro disse que ia buscar um Durex no carro. Ele deu a fita ao português e disse que achava difícil que ele conseguisse engatar com aquilo. O português ficou encucado. O brasileiro falou que estava de saco cheio de esperar. Engatou a marcha à ré, fez o jogo, e foi embora.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Eu Fiquei em Serra Pelada...

Sabe o que é um “blefado” aqui em Serra Pelada? É um tipo de garimpeiro que passa a vida toda sonhando “bamburrar”. Ou seja, tirar a sorte grande. Eu sou um deles. Todos os meus conhecidos foram embora. Eu fiquei neste barranquinho. Na esperança de que a pepita dos sonhos venha para as minhas mãos. Todos os meus eles arrumaram um emprego, foram estudar, mudaram de profissão e se casaram. Eu me mantive só. Não consigo me desvencilhar desta terra. O brilho do ouro é intenso demais para que eu me esqueça dele tão facilmente. Eu sou como aquele artista que vive à espera da música de sucesso, na espectativa que as pessoas se dêem conta do seu trabalho. Enquanto os anos foram passando ele envelheceu sem se dar conta. Igual um ex presidiário que passou tanto tempo preso que o mundo ao redor da cadeia se tornou irreconhecível e difícil de se adaptar. Ele passou tanto tempo ali que seria melhor que continuasse preso. Acho que cheguei a esse estágio. Eu sou assim, vivo com o sonho que aconteça comigo o que aconteceu com os meus “amigos” que estavam ao meu lado. Fiquei preso naquele dia em que um amigo conseguiu “bamburrar”, e que arrancou o tesouro da terra. Rememoro as oportunidades perdidas. E nos meus pensamentos a culpa é sempre minha, que estava no lugar certo com a cabeça errada. No tempo em que eu tenho estado aqui, e lá se vão vinte e oito anos… Fortunas garimpadas foram torradas, e novos garimpeiros nasceram, enriqueceram, fizeram fama, tiveram filhos, e morreram. Mas eu continuo aqui. Ecoa na minha cabeça a frase que diz, a esperança é a última que morre! É que o brilho do ouro ofusca os meus pensamentos. Imagina poder viver em liberdade, ser feliz, viver do que gosta! Ah…

terça-feira, 23 de junho de 2020

A Solidão dos Loucos do Largo da Carioca...

Está é a solidão laboral

É a solidão de não ter alguém

A quem mostrar o seu trabalho

A solidão de estar redundantemente,

Sozinho

Na solidão dos pleonasmos

Do chover no molhado

É a mesma solidão dos loucos do Largo da Carioca

Daqueles que gritam sobre o Apocalipse

Sem conseguir com isto chamar a atenção de ninguém

É a mesma solidão do artista,

Sozinho

A solidão de estar só

Produzindo igual mouro

Mas sem a capacidade de se comunicar

Mesmo com todos os meios de comunicação que existem,

Atualmente,

Nos jornais

Eles dizem

Mesmo assim,

Sozinho

É o mesmo que não falar a mesma língua

Escrever, escrever e escrever…

E não ser lido por ninguém

Nem a família aguenta mais tanta leitura

Ninguém tem tempo

Enquanto o artista acumula uma pilha de livros impublicáveis

Uma porção de palavras perdidas num dicionário

Palavras que ninguém procura

Para as quais ninguém atenta,

Sem nenhuma utilidade

O artista canta

E os vizinhos ouvem a contragosto

Um outro presta atenção

Para reclamar do artista rouco

De tanto gritar

No meio da multidão

Os filmes que faz

Apenas ele,

De vez em quando,

Sozinho

Assiste

E diz, é isto mesmo,

Ele repete para si mesmo,

É por aí…

Não tem mais coragem de importunar ninguém

Foram anos importunando as pessoas

Ele espera uma e-mail que nunca chega

Um telefonema que nunca toca

O artista levou o seu trabalho a sério demais

E foi ficando triste,

Ficando triste

Até que se isolou

Ficou cada vez mais isolado

E nem sabe o que as pessoas pensam de si

E como um velho elefante se retirou de cena

Mas continuou,

Trabalhando

Até morrer…

Eclesiastes Remix

O conhecimento é tudo,
conhecer é saber ouvir tudo,
com imparcialidade.
ler tudo.
A sabedoria protege como protege o dinheiro,
disse o Eclesiastes,
mas teriam dito Buda ou Sócrates.
O conhecimento pode custar um euro,
que é o preço de um livro velho,
num sebo,
em Lisboa.

https://www.youtube.com/watch?v=3tCFb1daPAc


segunda-feira, 22 de junho de 2020

O Tempo Cura Tudo...

É mesmo como dizem,
o tempo cura tudo.
Tanto as dores do corpo,
quanto as doenças do espírito.
Mesmo que seja através do derradeiro fim.
Ah, se a gente conseguisse esquecer o futuro...
e parasse de viver no passado,
nem que fosse por um ínfimo segundo,
e quem dera,
por um,
minuto!

https://www.youtube.com/watch?v=0DL8cSSUPBY

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Se Eu Fosse Fazer um Filme Sobre o Funk Carioca Ele Seria Assim…

Mundo

 Se faz necessário atentar para o fato de que a ordem em que as músicas estrangeiras aparecem não é a mesma à qual foram lançadas. E sim, quando chegaram ao Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Numa época em que ainda não havia internet, nem sempre as músicas chegavam no tempo do seu lançamento. Isto está presente em todo o início da história do Funk Carioca.

Depois do intertítulo termina o silêncio. Como num baile as músicas só param quando alguém começa a falar. Uma música se sobrepõe a outra. Surgem imagens caseiras de adolescentes europeus cantando e dançando o Funk Carioca. Artistas cariocas cantam em vários lugares do mundo. Títulos com os seus nomes e os países onde estão. Festas na zona sul carioca com meninas dançando. Atrizes famosas das novelas brasileiras dançam ainda meninas. O elenco de uma novela no programa Vídeo Show da Rede Globo repete uma coreografia famosa. A cantora Blaya, brasileira naturalizada portuguesa, canta num show lotado em Portugal. Em uma entrevista ela fala sobre o que os portugueses sentem em relação ao Funk Carioca, e como ele está presente no país. O cantor americano Don Blanquito de frente para um microfone num estúdio grava uma música em português e fica perceptível o seu forte sotaque. Ao ser indagado em uma entrevista ele explica porque mora numa favela do Rio de Janeiro. Por cima da sua fala entram imagens dos Estados Unidos no passado. O começo do Jazz em preto e branco. Imagens de músicos de Blues, R&B e Gospel. Fotos do Rio de Janeiro no início dos anos 70. Praias com pessoas na areia. Pontos turísticos como Cristo Redentor e o Pão de Açúcar com famílias de turistas comportadas. Subúrbio e favelas, com crianças soltando pipa, brincando na rua, e jogando bola de gude. Inicia uma imagem com uma música de Soul Funk de James Brown no histórico show do Canecão no Rio de Janeiro em 1973. Imagens antigas de bailes de Black Music no subúrbio com a participação de Gerson King Kombo. Som de vozes da multidão entra o intertítulo Brasil.

Brasil


Começa a música Baile de Favela do MC João. Fotos apresentam muitos bailes pelo Brasil atualmente. Cenas de festas na rua. Moradores reclamam da intensidade do som num programa de tevê. Uma festa improvisada num posto de gasolina com a música vinda dos carros de malas abertas que exibem a potência do equipamento. Meninas num canto do posto em imagens embaçadas de uma reportagem que exibe atos sexuais e o uso de cocaína. Fotos que focalizam garrafas de bebida e lixo no chão. Alguém reclama da bagunça e do uso de entorpecentes no local. Imagens dos rolêzinhos. Cenas de adolescentes invadindo shoppings em bando. Fotos de postagens na internet e em redes sociais marcando os encontros. Entrevista de um responsável público dizendo porque estas reuniões não podem acontecer. Depoimentos de pessoas que afirmam que a proibição das reuniões dos adolescentes no shopping é preconceituosa. Cenas do clipe da música You Get What You Give da banda americana New Radicals que mostra adolescentes ocupando um shopping. MC Magrinho está numa entrevista polêmica, começa uma música dele em que diz que fuma maconha. Imagens suas num programa policial sendo preso. Entrevistas com adolescentes que falam sobre as overdoses de seus amigos provocadas por Lança-Perfume nos bailes. Começa a música do MC Garden Encostei num Baile Funk. A música chama a atenção dos funkeiros para o perigo das novas modas dentro do movimento. Enquanto toca a música volta a ocupar a tela fotos de vários lugares do Brasil onde acontecem os bailes com os seus respectivos nomes. Intertítulo Início.

7.3  Início


Rio de Janeiro início dos nos anos 80. Praia de Ipanema. O antigo Circo Voador. Imagens de baile Charme com pessoas fazendo uma coreografia. No programa de televisão carioca alguns rapazes dançam o break. Chegam os pioneiros do Hip-Hop. Afrika Bambaataa e The Soulsonic Force no clipe Planet Rock. Por sua importância e impacto esta música toca desde o começo do bloco. Grand Master Flash e Furios Five no clipe The Massage. Fotos das capas do disco da equipe Furacão 2000 e títulos com as suas datas. DJ Marlboro apresenta o Hip-Hop nas ruas do Rio de Janeiro em 1986. Dessa imagem passamos para o DJ Marlboro fazendo scratches num antigo clipe da banda de rap e rock chamada G.U.E.T.O. Vemos surgir numa fusão desta com outra imagem a capa do disco da Funk Brasil com o DJ Marlboro que segura um disco de vinil. Toca a Entre Nessa Onda deste long play. O clima começa a ficar tenso com Dance Tarnsformer música de Ice Man Já. Fotos de funkeiros que representam a moda da época. Um rapaz com cabelo de molinha cheio de creme na praia. Os cordões enormes e os bermudões. Os funkeiros posam para as fotos nos bailes e em grupo. De repente o clima fica tenso. Aumenta o BPM da música. Começa a música Push It do Salt-N-Pepa com algumas cenas do vídeo. As imagens são de tensão. Its Automatic do grupo Freestyle começa a tocar. Um homem puxa um rapaz pelo braço num programa de tevê. Garotos falam com a câmera. Trechos do clipe. Imagens de funkeiros chegando num baile. É o início da música Supersonic do grupo de meninas J.J Fad. A pancadaria irrompe num baile de corredor. É possível ver os seguranças dando com a corrente em rapazes que brigam. No final das cenas de agressões, numa reportagem televisiva, uma menina diz que vai brigar com quem quer que seja para defender a favela onde mora. Depois disso surgem alguns rapazes dizendo porque brigam. Uns dizem que é diversão. Outros que são amigos. Uma frase rápida e que dá um respiro. Uma frase da música Melô do Terror em que a atriz Regina Casé e o ator Luiz Fernando Guimarães dizem que a briga não é séria. “A gente é tudo gente amiga…. Por isso que nós se porra. Por isso que a gente briga.” somos colegas, Foto de um morto numa reportagem de jornal num baile. Começa o rock da banda brasileira Ultraje a Rigor. A música é Nós Vamos Invadir A Sua Praia. Inúmeras cenas de arrastão.

Amor


Entra o som de Funk Little Be, freestyle na voz de Deb Debbie em cima do título Amor. Pessoas estão dançando juntas. Aparece muito do que se condicionou chamar de Funk Melody e que na verdade é o Freestyle norte-americano. Imagens antigas do cantor Tony Garcia são fundidas com as últimas imagens dele no Brasil. Por cima de sua música Just Like the Wind.  O mesmo acontece com Stevie B. Enquanto ele aparece entra a sua música Spring Love. Trinere aparece com I`ll Be All You Never Need. Numa mescla de imagens antigas com imagens dela num festival em 2018 no Rio de Janeiro em fusão. São takes rápidos. Com a cantora Connie também. Uma imagem dela antiga, e depois entra uma atual em um festival de Freestyle nos Estados Unidos. O mesmo acontece com Deb Debbie. Lil Suzy com Take Me in Your Arms.  Casais se beijam. Cenas de namoros. Fotos do público. Pessoas num sofá de programa de televisão. Declarações de amor de joelhos. É um respiro. Todo mundo se beija. É mostrado o amor em épocas de baile. Pessoas que se casaram e estão juntas mostram suas fotos antigas em bailes funks. Agora toca a música antológica da dupla Claudinho e Buchecha Nosso Sonho, entra imagens de alguns cantores que gravaram raps românticos brasileiros cantando com os títulos em cima de suas imagens e fotos mostrando o legado dessas músicas. Latino, MC Marcinho, e muitos outros.

7.5  Ódio


Começa a montagem Chumbo Quente da dupla sertaneja Léo Canhoto e Robertinho. A palavra ódio surge no silêncio. Cenas do Funk Carioca atualmente. O Baile da Gaiola na tela. Homens armados circulam no meio das pessoas. Primeiro com imagens de celular. Imagens de bandidos flagrados de helicópteros por câmeras de tevê. Eles circulam livremente nos bailes. Diz um repórter. Um Proibidão começa a tocar. É uma música de Smith MC em que fala sobre a Família Grande e Complicada. São diversas imagens de homens armados e de bailes de Funk Carioca. Entra a música do Menor do Chapa. Ele diz, quem é contra mete o pé. São carros de polícia. Sirenes. Imagens do pesadelo brasileiro. Presidiários dançam em cadeias. Vê-se inúmeras prisões de MCs. Cantores que foram presos por associação ao tráfico e por porte de drogas. Muitas imagens de bailes que aparecem em programas de televisão policiais. Imagens de reportagens de meninas que foram abusadas. Caveirões invadindo favelas. Cenas de bailes em que a polícia invadiu atrás de traficantes. Imagem de Adriano do Flamengo fazendo o sinal do Comando Vermelho. Garotos atrás de repórteres fazendo o mesmo sinal atrás de repórteres que mostram algum problema social local. Agora toca o Dono do Ouro e da Prata do mesmo MC Smith. O jogador Vagner Love aparece num baile na época em que jogava no time do Rio de Janeiro. Hordas de adolescentes estão encostadas na parede na saída de um baile. Os policiais revistam os adolescentes. Agora podemos ver inúmeros meninas dançando mexendo requebrando o quadril o máximo que podem. Aparece a MC Loma nos seus quinze anos em 2018 cantando a música Envolvimento completamente sensual ao lado de suas amigas as Gêmeas Lacração com o seu Funk Brega do nordeste do Brasil. Vai acontecer uma passagem de tempo. Começa a tocar a música do MC Fioti. Ele está num programa da Rede Globo. Bum Bum Tam Tam ele canta no programa Fátima Bernardes na Rede Globo. Muitas imagens de meninas que rebolam. A flauta da música prepara para o próximo quadro. Aparece a palavra sexo em letras garrafais. A palavra Putaria surge em letras garrafais.

Putaria


De repente o silêncio. Cresce a risada de Mister Catra. Ele aparece cantando em prostíbulos. Mister Catra fala sobre as suas mulheres numa entrevista. Em contrapartida aparece Tati Quebra-Barraco. Ela fala sobre ser mulher feia e estar na moda. Logo depois dispara a falar sobre sexo e o lugar da mulher e sobre ser a outra. Toca a música da Valesca Popozuda My Pussy é o Poder. Valesca Popuzuda está num programa de televisão onde as pessoas discutem o lugar da mulher no Funk Carioca e se ele é vulgar ou não. Se é machista. Ela se defende. Em seguida aparece Jojo Todynho. Ela está em casa e transmite um vídeo na internet onde fala que mulher não tem de se sujeitar ao homem. Volta para Mister Catra, ele fala sobre as usas mulheres, diz que elas não podem traí-lo. A música dos Magrinho Lanchinho da Madrugada começa a tocar. Mais polêmica num programa de televisão popular. Mister Catra discute com os presentes. Ele defende que as amantes. Agora a música de fundo é a dele, Mister Catra. Imagens do programa da Luciana Gimenez da Rede TV. Vai rolar um adultério é o nome da música do Mister Catra. As pessoas discutem. Entre depoimentos de feministas e passeatas. Aparece Bolsonaro agredindo uma mulher. Fazendo discursos machistas. Mulheres agredindo os símbolos da igreja católica. Enquanto a música volta e continua. A música de Mister Catra fala de orgia. De estar na lama. Fala sobre as cachorras. Entra a música do Bonde do Tigrão. Eles gritam, só as cachorras! Enquanto isto entra milhares de cenas de mulheres e meninas dançando. Rebolando. Requebrando. Pondo a mão no quadril para poder descer. Entra uma reportagem sobre a polêmica da letra de uma música de Valesca Popozuda estar numa prova do ENEM. Entra o clipe da MC Loma com as Gêmeas Lacração. Ela canta que irão sentar. MC Loma tem quinze anos na época do clipe. Entram fotos suas e matérias na internet que falam que ela havia largado a escola e que teve de se explicar. Volta para a imagem das meninas. Enquanto a música sobre sentar toca entra um letreiro escrito criatividade que parece pulsar junto com a batida da música.

Criatividade


Este bloco começa com o Rap da Felicidade. Aparecem na tela pessoas de diversos lugares pobres do Rio de Janeiro. Imagens que mostram o caos social e a felicidade do povo carioca. Na sequência começa o Rap do Silva. Este final do filme é como um grande baile. Ninguém vai falar nada, tudo será feito através das imagens, sem se importar que muitas vezes elas ilustrem o que é dito nas músicas. Começa a tocar o Endereço do Bailes de Júnior e Leonardo. Começa os anos 90. Imagens do movimento dos Caras Pintadas que tomaram as ruas do Brasil e derrubou o presidente brasileiro Fernando Collor de Mello. Imagens dos arrastões. O Rap do Silva começa a tocar durante um longo tempo. Imagens de funkeiros nos anos 90 em programas de televisão. No programa da equipe Furacão 2000. Logo em seguida aparece a dupla William e Duda cantando o Rap da Armas em sua versão proibidão num baile. Enquanto no Xou da Xuxa na televisão eles cantam o Rap da Morena que fala de amor. Aparecem diversas cenas de baile e pessoas pulando. Depois entra o Rap do festival do MC Danda e Tafarel e continuam as cenas de pessoas indo e vindo em imagens de televisão e sinalizando para a câmera e sorrindo. Pessoas em praias, festas e bailes. Surge na tela a dupla Claudinho e Bochecha ganhando um prêmio. É horas de ver as pessoas felizes. O filme vai terminar com a música Carrossel de Emoções de Claudinho e Bochecha. Tudo que é dor e sofrimento ficou para trás. Agora é apenas a celebração da vida e da música. Não existem polêmicas. Nada disso. A música para um instante e as crianças fazem o beat box, uma batida de rap com a boca. Batem em seu próprio corpo. É hora de ver os idosos dançando o Funk Carioca. Os feirantes. Pessoas que trabalham nas ruas. As pessoas estão felizes. Dançam apesar de toda a dificuldade de suas vidas. A música fala sobre paz e amor. E diz o nome dos lugares do Rio de Janeiro. As imagens surgem com a música que é antológica por sua criatividade. De repente com o avançar aparecem várias épocas do Funk Carioca vão se mesclando. Como se não existisse nem maldade nem tristeza. Apenas alegria. Desde o breakdance no início dos anos 80. O filme termina com a imagem de uma menina negra sorrindo. Mostrando os dentes e segurando uma criança branca.