quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Chatô: o rei do Brasil de Fernando Morais


Assis Chateaubriand era um homem malvado. Depois de ler o livro pensei como alguém tão ruim que mandou um dos seus jagunços capar um homem com um tiro pôde fazer coisas tão boas? Assim como Getúlio Vargas seu amigo/inimigo, que segundo o mesmo Fernando Morais no livro Olga, teve a coragem de enviar uma mulher grávida para os nazistas a mandarem para a câmara de gás. Após isso, o pai de seu filho, Luís Carlos Prestes, herói dos comunistas nacionais, subiu no mesmo palanque ao lado de Getúlio Vargas. Tudo em nome da política!
Chatô revolucionou os jornais no Brasil com os seus Diários Associados. Ainda adolescente cutucou a maior sumidade nacional, o Águia de Haia, Rui Barbosa. Quando foi da província paraibana para a antiga capital, o mundo teria sido alertado pelo Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, ao vaticinar que todos deveriam tomar cuidado com ele, pois aquele rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro só estava interessado em poder. E não deu outra. Chatô se tornou o homem mais poderoso do Brasil, a ponto de uma lei ser criada por Getúlio – a “Teresoca” - para que ele pudesse tomar da sua antiga esposa, a filha que não estava registrada em seu nome; em represália por ela o ter traído depois de praticamente ter sido abandonada por ele.
Chateaubriand construiu o seu império atropelando os seus inimigos. Um desafeto poderia ir parar na capa do seu jornal com algum crime inventado. O mesmo tratamento era dado a um simples concorrente ou a alguém que simplesmente não anunciava os seus produtos em nenhum de seus veículos, como era o caso de Francisco Matarazzo um dos homens mais ricos do Brasil à época. E a quem Chatô não queria pagar o valor cobrado do aluguel de um prédio onde funcionava o seu jornal, o homem era achincalhado com mentiras diárias.
Mas Assis também criou o MASP – Museu de Arte de São Paulo. Fundou o primeiro canal de televisão, a extinta TV Tupi, e inúmeras estações de rádio, além da antológica Revista Cruzeiro. Empregou e deu chance para que muita gente boa renovasse as telecomunicações brasileiras. Pessoas às quais muitas vezes sem pagar o preço devido. Entre os seus feitos está uma campanha para o aprimoramento das escolas de aviação no Brasil. Embora tudo que fizesse fosse polêmico e recheado de acusações de desvios de recursos. O homem até criou uma campanha para beneficiar a infância.
Num de seus caprichos Assis Chateaubriand quis ser diplomata. Conquistou a promessa do estimado Juscelino Kubitscheck em campanha – com a ajuda de parte da reserva moral do país: Tancredo Neves – em troca de apoio. E lá foi ele ser diplomata. Numa carta da diplomacia inglesa, é dito que Chatô desejava conhecer a rainha depois de uma tentativa frustrada em sua coroação. Tudo isso com um inglês deficiente. Não há como não lembrar do filho de Bolsonaro.
 Talvez por inveja Chatô tenha odiado tanto o seu filho Gabriel, apesar de sua aparência física não deixar dúvidas, ele dizia não ter uma gota de seu sangue. O filho era diplomata de carreira, respeitado no “circuito”. Bastante doente e debilitado em uma cadeira de rodas, o pai ainda o acusava de ser um meliante, segundo palavras do próprio Chateaubriand, que no final de uma briga queria que Gabriel devolvesse um quadro com o qual foi presenteado.
Certa feita cismou que seria senador da república de estados onde mal punha os pés, como em sua Paraíba, e no Maranhão. Depois de eleito nem sequer se dava ao trabalho de ir até à terra daqueles que o elegeram.
Chatô, mudava de opinião como quem muda de roupa, e agia de acordo com os seus interesses, embora desse um tom ideológico às suas atitudes. Um dia ele pegava em armas para lutar ao lado de Getúlio e no outro queria o derrubar. Um dia era a favor da ditadura e no outro estava defendendo um antigo inimigo comunista russo por causa da “diplomacia”. Para ele parecia servir a máxima, os inimigos de meus inimigos são meus amigos. No fim da vida reatou com gente que dizia odiar. Muitas delas foram prejudicadas por sua fúria.
Assis Chateaubriand era um tarado que chamava divorciadas inimigas suas de devassas. Ele catava mulheres simples na rua, em pontos de ônibus, e as dava carona em seu carro de luxo. Mesmo que aparentemente não possuíssem nenhum atributo físico especial. Em sua fase cadeirante, depois de duas tromboses, quando segundo os médicos a ele só restava o sexo oral; mal conseguindo articular as palavras, sabendo que um de seus jornalistas havia sido assassinado por um pedreiro mineiro, de quem desencaminhara a filha de 15 anos. Com o homem preso e o empregado morto, Chateaubriand fez com que buscassem essa menina na favela em que morava nas Minas Gerais e a levassem num avião para a sua mansão em São Paulo, pois queria saber o que ela fez sexualmente para encantar o seu jornalista. Mas ao se ver decepcionado mandou a menina de volta para casa.
Impressiona como Assis Chateaubriand conseguia transformar uma briga de família numa crônica memorável. Embora fosse preconceituoso, as suas tiradas e frases de efeito, os apelidos que punha em seus contemporâneos, seu jogo de palavras, eram inteligentíssimos. Em campanha ele dava discursos ininteligíveis para algumas plateias atônitas. Ia falar com homens simples do interior e começava a discorrer sobre filosofia. Chatô em sua juventude aprendeu alemão; autodidata, ganhou uma biblioteca inteira com livros na língua germânica.
Chatô, O Rei do Brasil, lembra O Anjo Pornográfico de Ruy Castro sobre Nelson Rodrigues, que inclusive escrevia em seus jornais. Existe semelhança nas acidezes de ambos em seus textos. O leitor comum de jornal era um privilegiado. O homem da rua que lia o jornal no trem a caminho do trabalho. Talvez por isso que no tempo da escassa, mas boa educação pública brasileira, e dos grandes jornais populares, era possível encontrar pessoas comuns com o pensamento articulado e a caligrafia impecável.
Assis Chateaubriand é um personagem de seu tempo. Não haveria lugar para o seu texto no mundo de paranoia e censura moral que vivemos; mesmo no ocidente, e depois do maio de 68. Além do mais ninguém tem tempo para ler. No planeta de aparelhos eletrônicos e mensagens de palavras reduzidas. Assim como eu duvido que alguém leia este texto até o final.

Referências:


Chatô: o rei do Brasil, a vida de assis Chateaubriand / Fernando Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

O Anjo Pornográfico / Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Olga / Fernando Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

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