quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

As Pálpebras...

Essa mulher me acompanha às escondidas desde a minha infância. Minha mãe gritava para que ela fosse embora. E às vezes ela se apossava do corpo da minha mãe e chorava querendo me abraçar. A minha mãe dizia que ela não era real. Quando pensava que eu estava longe, minha mãe gritava para o “nada”, deixa o meu filho! Eu sabia que a mulher estava ali. Não sei para onde ela pode me levar, nem para onde ela vai quando não está por perto. Ela foi a única companhia constante na solidão da infância. Num dia em que minha mãe ia me deixar só, ela pediu à mulher, protege o meu filho. E a mulher balançou a cabeça em silêncio, afirmativamente. Mas agora estou cansado demais para dizer não, sentado nesta cadeira, cansado demais, mesmo, e ela me chama.. E minha mãe se foi. Ela diz que chegou a hora. Ela manteve-se jovem. Eu envelheci. Ela deve ter percebido a visão embaçada e o coçar de cabeça na esperança que esse gesto pudesse expulsar os cabelos brancos que tomaram conta. Eu sempre fugi da sua companhia, mas admito não ter mais forças para resistir. Pois ela é como uma dessas miragens que se vê no deserto ou quando se é envolvido por uma névoa de sono profundo. O único sonho que não podemos ter. O único sono ao qual não devemos nos entregar. Pensei que quando chegasse a hora de partir haveria barulho, dor, sofrimento, e luto. A vida nos surpreende. Eu sinto apenas as pálpebras pesadas, e o pensamento distante... Como quando rapidamente nos vem um sono muito, muito, profundo...