sexta-feira, 5 de junho de 2020

A Modernidade Cinematográfica de À Bout de Souffle e Höstsonaten

Índice


1.  Introdução

2.  Ingmar Bergman

3. Jean-Luc Godard

4.  O Teatro em Höstsonaten

5.  O Solilóquio Declamado

6. O Feminino e À Bout Souffle

7. Patricia e Charlotte

8.  O Labirinto de Espelhos

9. Conclusão

10 Referências



1.  Introdução

O presente artigo foca duas obras e seus autores que serão analisados dentro do contexto da modernidade cinematográfica. São eles : À Bout Souffle (1960) de Jean-Luc Godard, e Höstsonaten (1978) de Ingmar Bergman.

2.  Ingmar Bergman

Ingmar Bergman se tornou um cineasta reconhecido pelo traço autoral de seus trabalhos. Um diretor para quem o conjunto da obra viria a ser identificado como uma manifestação de composição autobiográfica. O cineasta sueco imprimiu a sua marca e visão de mundo em seus filmes ao longo de sua extensa filmografia. É um dos nomes mais representativos do que conhecemos como cinema de autor.
O diretor franco-suiço Jean-Luc Godard nomeu como Bergmanorama um artigo sobre Bergman para a revista Cahiers du Cinéma. Da mesma forma que o italiano Federico Fellini (1920-1993) ganhou o termo felliniano para adjetivar o seu estilo, Bergman recebeu o adjetivo bergmaniano para identificar a sua inconfundível assinatura. Conseguiu fazer com que o seu produto fílmico fosse encarado como obra de arte. O que chamou a atenção de muita gente como Jean-Luc Godard. “É o filme mais original do mais original dos cineastas.” Afirma Godard, na mesma época da publicação acima, em outro texto seu para a revista Cahiers du Cinéma, sobre a reposição do filme Mônica e o Desejo na França (1958, apud, Jacques Maldeubaum, 2008, pg. 29).

3.  Jean-Luc Godard

Godard é um cineasta que pertenceu a Nouvelle Vague francesa. O movimento vanguardista desencadeado no final dos anos 50. O seu filme de estreia À Bout de Souffle é um marco da sua geração e da história do cinema. Jean-Luc Godard antes de se tornar cineasta fazia parte de um seleto grupo de cinéfilos; que frequentava cinematecas, organizava cineclubes, e escrevia para revistas. O tipo de público aberto à novas experimentações cinematográficas. Godard era um dos jovens autores da Cahiers du Cinéma, que se tornariam personagens importantes para o novo cinema francês.
O movimento da Nouvelle Vague tinha por objetivo transformar a arte cinematográfica de seu país. E acreditava que o cinema francês precisava evoluir, assim como o americano que era uma das suas influências. À Bout Souffle fará referência ao cinema estadunidense. A personagem Michel é fã de Humphrey Bogart. Imita insistentemente o gesto do ator ao passar as mãos nos lábios. Uma das inspirações do filme é o estilo Noir americano muito popular em França. Também muito influenciado, por exemplo, pelo Neo-Realismo italiano. Michel é obcecado pela Itália, e quer fugir para Roma com Patricia. Ele diz a Minouche que trabalhou nos estúdios da Cinecittà. À Bout Souffle é o início de uma longa carreira que iria produzir uma quantidade enorme de filmes que primam por criatividade. Entre eles inúmeros curtas-metragens, peças publicitárias, filmes de colagem e apropriação, além de vídeos. O diretor manteve a sua ânsia por novas linguagens ao longo dos anos.

4.  O Teatro em Höstsonaten

Antes de se tornar cineasta Ingmar Bergman já era diretor de teatro. Carreira que manteve concomitantemente ao cinema. No filme Höstsonaten é possível perceber a influência do trabalho teatral na criação do autor. No início de Höstsonaten surge Viktor, o marido de Eva, uma das protagonistas, fazendo uso do monólogo. Enquanto ele monologa no canto direito da tela, como se estivesse numa boca de cena, o espectador vê Eva ao fundo à sua esquerda sentada à mesa. Viktor conta como se conheceram, e diz que a esposa se apaixonou por esta sala da paróquia onde moram, que será inundada por cores berrantes de Sven Nikvsty diretor de fotografia que trabalhou com Bergman. A casa paroquial é aconchegante aos olhos dos espectadores. Assim como o cenário impecável de uma peça.
Entre as duas personagens existe uma enorme porta que dá acesso à sala onde Eva se encontra, ela serve como uma moldura que estará presente durante todo o filme. Mesmo quando o cenário mudar para outros ambientes, outras portas como esta aparecerão para sublinhar algumas ações. O quadro vai reaparecer na antiga casa da família, e no quarto onde Leonardo, o companheiro de Charlotte, é visto hospitalizado. E também na casa em que a família passava as férias. Este tipo de enquadramento foi muito utilizado no início do cinema mudo, quando as câmeras tinham pouca mobilidade. Com todas as facilidades de produção das décadas seguintes, deixou de ser necessário. O seu ângulo põe o espectador na mesma posição do público de um teatro. De repente Eva perde o foco. Viktor continua a monologar. Estes solilóquios aparecerão em vários momentos da longa-metragem. E tanto Charlotte quanto Eva farão uso dele. Viktor saí de cena como um ator que se encaminha para a coxia. E depois que  abandona o quadro, é Eva quem desaparece como uma atriz em direção a um camarim. Numa das cenas em que Eva relembra a infância e fala sobre a indiferença da mãe, a menina se encaminha até a porta que é fechada como uma cortina no fim do ato de uma peça de teatro.

5.  O Solilóquio Declamado

“O teatro moderno não usa mais o solilóquio declamado e, na sua falta, os personagens apenas silenciam nos momentos de maior sinceridade. Aqueles menos bloqueados pela convenção: quando estão a sós. O publico de hoje não tolerará o solilóquio falado, presumivelmente por ser artificial. No momento, o cinema nos apresenta o solilóquio silencioso. No qual um rosto pode se expressar com as gradações mais sutis de significados. Sem parecer artificial e nem despertar a irritação dos espectadores.” (1923, Belázs, apud, Xavier, 1983, pg. 95). Contrariando o crítico Béla Belázs em seu capítulo O Solilóquio Silencioso, as personagens de Ingmar Bergman fazem uso do solilóquio declamado. Assim como as de Jean-Luc Godard em À Bout Souffle.
A personagem Michel é completamente teatral em seus gestos no sentido mais amplo da expressão. Ele é exagerado e espalhafatoso. Jean-Paul Belmondo foge da interpretação naturalista apregoada pelo ator russo Constantin Stanislavski (1863-1938) e utilizada na escola de interpretação do Actors Studio (1947), referências modernas no trabalho de atores. Jean Seberg interpreta Patricia e deixa a garota com a sua alienação excessiva pouco natural ao lado de Michel. Quando ele cai atingido por um policial é possível ver as caretas que faz antes de morrer. Em certos momentos as personagens parecem duas crianças que brincam de ser adultos. Na casa da modelo namorada de um dos amigos de Michel, eles falam, mas não se escutam, um não responde ao que o outro diz, e os dois continuam a falar como se fossem incapazes de ouvir. Não é apenas uma birra, mas sim o comportamento de ambos na maior parte do tempo.
No início do filme quando Michel adentra o carro, ele começa um monólogo interminável que é acionado sempre que se encontra sozinho. E mesmo quando Patricia está presente sem prestar atenção a ele. Michel utiliza um tom confessional para dizer o que pensa, e fala diretamente para a câmera. O espectador sentado ao seu lado no automóvel, além de ouvir os seus pensamentos, é feito cúmplice de seu crime e de suas divagações.
Em Höstsonaten quem fala é a voz da consciência de Charlotte quando ela fica sozinha no quarto da casa de Eva e Viktor, na cama onde terá um pesadelo com Helena. A filha doente que ela abandonou, e com quem sonha tentando esganá-la. Na cena em que Eva tem o seu  maior conflito com a mãe, e que fará com que ela vá embora, por causa de sua debilidade física, Helena chama por Charlotte e não consegue ser ouvida. Logo ela que foi rejeitada. Talvez servisse de consolo para Charlotte que se sente culpada com a fúria de Eva.
Charlotte irá confessar os seus arrependimentos através do seu monólogo; a sua infelicidade, inconstância, e o seu não saber que rumo tomar. Embora também faça isso na presença da filha. Quando está só com os seus pensamentos eles parecem pesados demais para que ela os suporte. O mesmo acontece com a sua filha Eva, que logo após assistir à sua mãe partir, escreve uma carta para ela se dizendo arrependida.
Quando Charlotte está no trem conversa com o seu amigo e manager Paul, que administra a sua carreira de pianista. Paul é um verdadeiro confidente a quem não é dado voz. Ele apenas escuta. Somente Charlotte fala. Ela está acostumada a ser o centro das atenções. Enquanto isso, Eva que está no lado de fora da casa que fica próxima ao lago onde o seu filho morreu num afogamento, diz a si mesma que terá de entrar para fazer o jantar, e voltar para a sua rotina. Eva fala em tom de lamento. Paul escuta Charlotte que diz ao ver uma vila através da janela do trem, onde imagina que as pessoas devem estar se preparando para fazer o jantar. Ela diz que se sente sozinha, mas quando chega em casa, sente vontade de ir embora. Charlotte sonha com o que Eva tem. A filha por sua vez deseja o que Charlotte possuí. Mas Eva e a mãe não conseguem chegar a um acordo. Existe um abismo intransponível entre as duas.
O monólogo é utilizado para extravasar a própria solidão. Numa conversa com a mãe no quarto do filho falecido, Erik, Eva faz uso do distanciamento brechtiano, e a câmera fecha num close em seus olhos. Ela não consegue enterrar o filho morto. Assiste vídeos caseiros para matar a saudade da criança. Charlotte diz a Viktor que isso é neurótico, e que a filha deve estar doente. Eva mantém o berçário intacto. Já está lá dentro quando a mãe chega. Faz um discurso sobre Deus, e divaga sobre como deve ser o lugar onde Erik se encontra. Charlotte não acredita em nada disso. Viktor diz que os melhores anos da vida dos dois foram passados na presença do menino. Em outro momento Charlotte que nunca visitou o neto, que sempre alegava estar ocupada, dirá a filha que do momento da concepção se lembra apenas da dor. Charlotte sempre lembra porque não foi, e o fato comumente é relacionado às obras que interpretava no momento. Assim como Bergman, Charlotte é obcecada pelo trabalho. No programa de Dick Cavett (1936) na televisão estadunidense, Bergman disse que não lembrava a data do aniversário dos filhos. Ele estava trabalhando o tempo todo. Eva cobra a atenção da mãe, Charlotte diz que nunca recebeu nenhum tipo de manifestação calorosa de seus pais. A mesma espécie de infância difícil rememorada por Bergman.
Quando está sozinho Michel  diz a verdade sobre si. Charlotte, assim como a sua filha Eva, expõe toda a sua confusão mental, e este parece ser o mesmo caso de Patricia. Godard faz uso da palavra para comunicar o que Michel sente. Embora a sua falação, assim como as expressões caricatas de seu rosto pareçam blefe e fingimento. Elas estão mais próximas de uma pantomina de um ator canastrão e desajeitado numa comédia pastelão. Da mesma forma que imita Humphrey Bogart, Michel pode ser alguém que apenas encarna uma personagem e vive a sua fantasia. Seja para alcançar os seus objetivos ou por ser um mentiroso contumaz. O discurso de Michel talvez seja artificial como diz Belász, embora essa artificialidade não seja aleatória, e sim uma forma de manipulação.
Mas é possível identificar as sutilezas das expressões faciais enquanto Charlotte está sentada ao piano com a sua filha. Eva olha para a mãe com uma expressão que é um misto de medo e admiração.

6.  O Feminino e À Bout Souffle

Ouvimos Michel no carro dizer o quanto as garotas que pediram carona a ele são feias, diz isto depois de elogiar as coxas de uma delas. Ele critica as mulheres na condução de automóveis. Elas são covardes demais no trânsito. O seu comportamento que hoje poderia ser considerado como machista por alguns ativistas, na França do seu tempo, pode ser encarado como um sinal de liberdade, pois expressa franqueza ao falar sobre sexo. Um dos tabus que parte da juventude contemporânea de Godard quis desmistificar. Na conversa com o jornalista que conseguiu a entrevista com Parvulesco, Patricia recebe um galanteio do homem que deseja dormir com ela, no que é nítido ser uma troca de favores. Depois ela sai com ele. Michel vê os dois se beijando, mas não dá muito valor ao caso.
Parvulesco, o escritor entrevistado por Patricia, faz uma análise do sexo oposto em sua entrevista. Parvulesco chama a França de puritana, e diz que “ O sentimento é um luxo ao qual poucas mulheres se dão.” Quando Patricia pergunta a ele se existe um lugar para a mulher na sociedade moderna, ele a responde com um flerte: “Se for bonita, usar um vestido Dior e usar óculos de sol…” É justamente como ela está vestida. Patricia comprou um vestido Dior para a entrevista e usa óculos de sol. Parvulesco ainda dirá: “Há duas coisas vitais no mundo. Para os homens; as mulheres, para elas, o dinheiro.”
Em outra cena Michel pergunta a Patricia porque ela não se torna modelo. Ela responde que modelo tem de dormir com muita gente. Na maior sequência de À Bout Souffle Michel está no quarto de Patricia e se põe a classificar as mulheres segundo os seus gostos. Diz que as mulheres na Itália e no Rio de Janeiro, por exemplo, não chamam a sua atenção. E começa a divagar sobre as qualidades das mulheres suecas. Fala de atributos físicos. Assim como quando está no carro, e divaga sobre a beleza de partes do corpo da garota que gosta, enquanto a câmera para no pescoço de Seberg.
Em outra cena Michel interroga Patricia porque ela não usa sutiã. A mesma peça do vestuário feminino que no ano de 1968 será queimada por feministas nos Estados Unidos. Na cena dentro do táxi, ao ver uma mulher passar na rua, Patricia chama as mulheres francesas de putas por usarem saias muito curtas. Michel sai do carro e levanta a saia de uma mulher que passa no meio da rua. Na década em que as mini-saias eram vistas por parte das pessoas como afronta, e que a atriz Leila Dinz causaria escândalo no Brasil por seu comportamento. Godard ousou ao tratar a sexualidade em À Bout de Souffle, da mesma forma, que por dificuldades técnicas utilizou a câmera na mão ou numa cadeira de rodas. Assim como inovou ao utilizar a técnica conhecida como jump cut, que são os cortes rápidos de sua montagem que não se preocupa com fechamento de ciclos. Assim como os diálogos do casal que não se concluem, e que pulam de um assunto para outro.

7. Patricia e Charlotte

 Patricia diz que deseja ganhar dinheiro para alcançar a sua liberdade. Ela tem de estudar na Sorbonne senão os pais deixam de enviar dinheiro. Da mesma forma que Charlotte quando chega em casa não sente vontade de ficar, Patricia está sempre fugindo do que é comum em seu cotidiano. Charlotte devia ser como Patricia quando mais nova. Charlotte sofre com a pressão da religiosidade à sua volta, o seu assombro é a culpa da mulher que traiu o marido. A crença de Eva é pesada e cheia de culpa. Esta mesma fé que faz com que a filha enxergue na mãe a mulher pecadora. Charlotte vive entre a cruz de sua consciência e o desejo. Charlotte sofre pelo que fez. Eva sofre pelo que não fez. Eva quer que Charlotte sofra por ter abandonado o marido Josef para ficar com o amante Martin, e por não ter deixado que ela se casasse com Stefan no passado. Viktor conta para Charlotte que quando ele pediu Eva em casamento, ela disse a ele que não o amava, e que nunca amou ninguém, pois era incapaz de amar. Diferente do pai de Ingmar Bergman, que foi um pastor luterano rígido, e que se chamava Erik assim como o garoto falecido, e filho do casal, Viktor, o sacerdote e marido de Eva tem o temperamento equilibrado. Ele ouve as confissões de sua esposa à mãe, mas não faz nenhum comentário. Mantém a temperança.
Em À Bout Soffle, Patricia sofre com o existencialismo típico de sua geração. Ela é contemporânea dos existencialistas que estão em voga nas vozes do francês Jean-Paul Sarte (1905-1980) e do franco-argelino Albert Camus (1913-1960) que morreria no ano de lançamento do filme. Patricia é a imagem invertida de Charlotte. Faz o que sente vontade, mas talvez se arrependa depois. Da mesma forma que após entregar Michel à polícia, ela corre atrás dele. Patricia pergunta a Michel se ele sente medo da morte. Ele responde que ela é complicada demais e que é melhor esquecer isso. E completa dizendo que para ele é tudo ou nada. Michel age como a frase de um cartaz colado numa parede num local em que ele passa e onde se pode ler: “Viver perigosamente até o fim.” Da mesma forma que no carro cita a frase de Ettero Bugatti: “Os carros não são para parar. São para andar.” Michel não consegue ficar parado. Diferente da mulher vivida que é Charlotte, Patricia tem apenas 20 anos. No almoço com o jornalista ela diz a ele que se pudesse se esconderia num buraco na terra. Depois diz não saber se está triste por não ser livre ou se não é livre por estar triste.
Tanto Patricia quanto Charlotte não são heroínas do cinema clássico, elas não têm com clareza um lugar onde desejem chegar. As duas tateiam no escuro como num reflexo de suas almas cheias de simbolismos. Patricia está no início da década de uma geração que ficou marcada pelo Maio de 68, e que se destacou na sequência de outras gerações como a Lost Generation nos Estados Unidos dos anos 20, os Beatniks dos anos cinquenta e sessenta, simultaneamente aos Teddy Boy ingleses. E que agora nos anos sessenta estarão presentes com os Hippies, e os Rude Boys jamaicanos. Ela pergunta a Michel se ele tem medo de envelhecer. Se Patricia continuar com as suas indecisões, quando for uma mulher madura, será como Charlotte que se pergunta se alguma pessoa tem talento para viver. Como Eva diz no trecho de seu livro que Viktor lê no início do filme: “É preciso aprender a viver. Eu treino todos os dias. O meu maior obstáculo é não saber quem eu sou.”

8.  O Labirinto de Espelhos

No curso O Cinema de Bergman em julho de 2012 no CCBB em São Paulo, o professor brasileiro Sérgio Rizzo destacou a presença dos espelhos nos filmes de Ingmar Bergman. E a curta-metragem documental Mirrors of Bergman (2015) de Kogonada, cineasta americano de origem sul-coreana, expõe cenas em que aparecem as “mulheres de Bergman”, como dizem alguns críticos, em diversos filmes diante de espelhos. Podemos ouvir a narração do poema The Mirror de Sylvia Plath (1932-1963), poetisa que homenageou essas mesmas mulheres de Bergman no poema Three Women.
Em Höstsonaten logo que Charlotte chega a casa da filha, a vemos no espelho com Eva ao fundo, ela fala sobre a roupa que comprou, e a filha com admiração e um sorriso no rosto a observa e também aparece no espelho. Elas permanecem diante dele por algum tempo. Mesmo quando se esquecem do objeto, continuam à sua frente, e o espectador pode ver a imagem das duas. A mãe abraça Eva com carinho. Na cena em que Eva rememora a infância e sua aparência é criticada por Charlotte, ela aparece ainda menina se olhando no espelho como se buscasse as suas imperfeições.
Michel se olha no espelho na casa de Minouche e faz o gesto de Bogart. Minouche se veste em frente ao espelho. Patricia quando entra em seu quarto vai direto se olhar espelho. Michel com uma de suas obsessões imita um boxeador em frente ao espelho. O boxeador que é uma personagem recorrente no cinema noir americano. Envoltos na fumaça do cigarro Michel e Patricia fazem caras e bocas em frente ao espelho. Charlotte assim como Michel fuma intermitentemente e fala de si. O vapor estará presente em uma cena em que Michel vê a figura de Bogey, como ele chama Humphrey Bogart intimamente, no cartaz de um filme que trata de boxeadores, The Harder They Fall (1956). Ele faz o gesto de passar os dedos nos lábios como se estivesse perante um espelho. Os espelhos são sugestivos dentro de filmes que são uma extensão do artista que tenta recriar e pensar sobre os acontecimentos de sua vida ou da sociedade ao seu redor.

9. Conclusão

A modernidade cinematográfica trouxe cortes autorais que vieram a ser expostos por muitos cineastas que usaram seus filmes como espelhos para relfetir sobre si mesmos. Como diria Federico Fellini em uma de suas entrevistas em que falava sobre o porque dar poucas entrevistas. “Quem quiser me conhecer assista aos meus filmes.”

10. Referências

17. La Modernidad Cinematográfica Y Los Nuevos Cines, da obra Historia Del Cine de José Carlos Sánches Noriega (263-269)
Cinema Contemporâneo: Román Gubern, 1980. Salvat Editora do Brasil
Eu, Fellini: Charlotte Chandler, 1995. Editora Record
Ismail Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal, 1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.
Jacques Mandelbaum Coleção Grandes Realizadores, Ingmar Bergman - Cahiers du Cinéma, Edição exclusiva para o Jornal Público, 2008.
Jacques Mandelbaum Coleção Grandes Realizadores, Jean-Luc Godard - Cahiers du Cinéma, Edição exclusiva para o Jornal Público, 2008.
Luchino Visconti: Alain Sanzio / Louis Thirard, 1988. Publicações Dom Quixote

Luchino Visconti: Clareta Tonetti, 1983. Columbus Filmmakers

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Kogonada, Collage e Found Montage


Kogonada

Kogonada é um diretor norte-americano de origem sul-coreana. O conjunto de sua obra é marcado por vídeo-ensaios de curtas-metragens que utilizam como referência obras de cineastas reconhecidos. Onde é perceptível a utilização do found montage e da collage. No presente trabalho será abordado o uso destes conceitos na composição de uma dupla de filmes seus; que além de estudos, são homenagens ao cinema.


What is Neorealism?

“Acho que não devemos falar de collage quando nos referimos ao cinema. Devíamos falar sobre montage.” (apud, Sonia García, Laura Gómez, 2009, pg.1). Ao pensar sobre o filme What is Neorealism? (2013) é importante introduzir esta frase de Bruce Conner. Kogonada compara a montagem do diretor italiano Vittorio De Sica, de seu filme Stazione Termini com a do seu produtor David O. Selznick. Kogonada justapõe os cortes de ambos para fazer sua comparação. Faz uma breve análise da montagem onde mostra a diferença entre o Neo-Realismo e o Cinema Clássico Americano. Tece observações sobre a demora dos planos. Pois para Vittorio De Sica, a caminhada de um personagem pode ser vista completa. Enquanto David O. Selznick se importa  apenas com o apontamento da movimentação do personagem. E se na visão de Vittorio de Sica os figurantes são importantes para compor a estória, no caso de Selznick eles são desnecessários e atrapalham os ícones do star system. What is Neorealism? É uma collage de found montage que através da apropriação artística cria uma obra que em sua metalinguagem pensa justamente a montagem, que nas palavras de Bruce Conner deveria ser o que chamamos de colagem.

Mirrors of Bergman

No filme Mirrors of Bergman (2015) Kogonada mostra mulheres e espelhos, duas obsessões do cineasta sueco Ingmar Bergman. No corte do diretor é possível ouvir em off  a narração de um poema de Sylvia Plath chamado The Mirror enquanto ouvimos ao fundo a obra de Vilvaldi Concerto for Two Mandolins. Sylvia Plath inspirada no filme Nära livet escreveu o poema Three Womem sobre as mulheres de Bergman. Nesta curta Kogonada trabalha com vários fragmentos de Bergman em que o cineasta pôs mulheres junto a espelhos. Kogonada ao seguir a mesma métrica tem mostrado sensibilidade na análise das marcas de outros diretores, e produziu filmes como:
Kubrick // One Point-Perspective (2012), Ozu // Passageways (2012), Sounds of Aronofsky (2012), Malick // Fire & Water (2013), The World According to Koreeada Hirokazu (2013),  Hands of Bresson (2014), Wes Anderson // Centered (2014), Eyes of Hitchcock (2014), Way of Ozu (2016), Goddard in Fragments (2016).

Referências
Goldsmith, Kenneth (2015). Escritura no-creativa: Gestionando el lenguaje en la era digital Buenos Aires: Caja Negra Editora
in LÓPEZ, Sonia García e VAQUERO, Laura Gómez (2009). Piedra, papel y tijera – el collage en el cine documental. Ayuntamiento de Madrid e Ocho y Medio.
https://www.academia.edu/43195146/Kogonada_Collage_e_Found_Montage

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Deus e o Diabo na Terra do Sol...


Deus e o Diabo na Terra do Sol é uma alucinação no meio do deserto-sertão com o sol batendo na moleira e causando vertigens. É um western brasileiro. Faroeste Caboclo de Renato Russo. John Ford 
Neo-Realista. O maior deles. Chico-Science high-tech. O povo espera junto de Antônio Conselheiro que Dom Sebastião volte do fundo do mar para nos salvar. O cego cantador do sertão, violeiro, e repentista, conta a nossa história na figura de Sérgio Ricardo que quebrou o violão no palco num festival na época da ditadura. De onde o cego sentado pergunta se Antônio das Mortes sabe o que significa àquela imensidão à sua frente. Ele responde que é Canudos. Antônio Conselheiro é o beato que incomoda a igreja. Todo o povo segue Conselheiro-Sebastião a Monte Santo. Assim como no livro A Guerra do Fim do Mundo de Mario Vargas Llosa. Padre Cícero fecha o corpo de Corisco e arruma armas para que Lampião derrube o governo. Mas eles cortaram a cabeça de Lampião e exibiram numa feira. E na quinta expedição conseguiram derrubar CanudosO Sertão vai virar mar, o mar virar sertão. Canta o violeiro a frase de Conselheiro. No futuro Sá e Guarabyra a cantarão. Antônio das Mortes continua matando no sertão sem água por causa da corrupção endêmica do Brasil. Corisco estupra uma mulher. Diz que entrou naquela casa, pois foi humilhado pelo pai do cabra que ele chama de corno. Corisco precisa matar, matar, e depois morrer. Assim como Antônio das Mortes diz que temos todos o mesmo sangue. Somos tudo farinha do mesmo saco. O ambiente é hostil. Inóspito. Bucólico. Como dizem. Rosa mata Sebastião. Ele sacrificou o seu filho. O mesmo padre do Alto da Compadecida de Suassuna. O mesmo bispo que deseja a morte de Conselheiro. O mesmo que não aceita os milagres de Padre Cícero. O mesmo que não deixa Zé do Burro de Dias Gomes pagar a sua promessa no filme de Anselmo Duarte. É o mesmo que está ali agora e que pede a cabeça de Sebastião. É o pecado, pecado, e pecado de país pobre do terceiro mundo. Antônio das Mortes precisa matar para se livrar do pecado. Rosa mata sebastião para se vingar do infanticídio. Manoel é batizado de Satanás por Corisco. Manoel é nome de vaqueiro. Mas ele era o crente que seguia o santo que falava em paraíso. Quem carrega o pecado é a república que expulsou a coroa. São eles que vão liberar o divórcio. São eles que são o diabo. Aquela república estúpida. Sentimos saudade de Conselheiro que nos acolheu. Volta Conselheiro! Vem salvar o seu povo junto de Dom Sebastião. E temos aquele monólogo de Antônio das Mortes. O solilóquio de Corisco no sertão. Depois vemos a cabeleira de Corisco. Rosa que se aproxima dele, e no meio da sede na seca do sertão, ele beija a Rosa. A mulher de Satanás. E se deita com ela no meio do sertão. Aparece Antônio das Mortes. Os quatro estão fugindo no sertão. Tudo está cercado. O mesmo aconteceu com Lamarca isolado naquele filme de Sérgio Rezende. As fronteiras estão fechadas. Os limites dos estados. Corisco diz a Padre Cícero que ele irá matar os macacos. Não mata. Eles estão cercados. Pula como um guia de macumba. E o assassino morre. Segurando Dadá. Tenta fugir. Manoel e Rosa correm para o mar. Fogem da morte. O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão.... A frase é repetida. Corre Manoel... Corre!

Oração Contra Bolsonaro...

Cramulhão. Coisa Ruim. Espírito obsessor. Vigilante das trevas. Espírito sem luz. Encosto. Vá de retro satanás! Retira-te satanás. É mau o que tu me ofereces. Bebe tu mesmo o teu próprio veneno! Na sua testa está o número da besta. Você é a própria besta! O príncipe da milícia terrestre! O seu número é o 666. Deus nos livre de você, ó maligno! Nunca hei de pronunciar o seu nome com os meus lábios. Anjo da Morte. Mercador da morte. Eu te esconjuro! Em nome de Deus abandone este corpo! Axé, meu pai! Saravá! Glória a Deus! Glória! Todos deram glória... E eu saí da igreja em paz. Um pouco mais leve.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Sobre Colagem e Apropriação Artística

Ninguém veio do nada. Esta frase é um clichê. Mas é necessária. Até aonde vão os limites que nos dizem que não devemos usar os famigerados clichês. Posso estar satisfeito em relação à frase em questão. O que quero dizer quando repito a mesma, é que sofremos influências, e que mesmo a nossa única e exclusiva persona com à qual somos identificados, é um poço de influências; de gente, coisas, e acontecimentos que vieram antes ou caminham junto conosco. Nós somos únicos e originais dentro desta mistura idiossincrática.
Quando um artista pop enumera as suas influências todos entendem que isto não faz dele um mero plagiador. Ele é um conjunto único daquelas referências. Como não se repete um DNA, não se duplica uma personalidade ou mesmo determinada visão de mundo. Somos seres únicos. Ninguém leu os mesmos livros, ouviu as mesmas músicas, ou esteve presente nos mesmos acontecimentos e os sentiu da mesma forma. Por mais que um artista se esforçasse o tempo todo para copiar outro, em algum momento a sua marca pessoal viria à tona. Embora seja possível identificar nas palavras de um escritor, o estilo de alguns dos seus autores preferidos.
Muitas músicas que assobiamos no metrô são pastiches. Alguns exemplos são os brasileiros Tim Maia e Raul Seixas que têm plágios entre algumas de suas músicas conhecidas. Segundo a lei artistas populares como Rod Stewart e George Harrison plagiaram. Mas estes são casos extremos que envolveram brigas judiciais. O cantor brasileiro Lobão disse que os seus compatrícios da banda Paralamas do Sucesso plagiaram um dos seus discos. Mas não será que eles ouviam tanto Cena de Cinema, que reproduziram em Cinema Mudo à sua maneira de fazer? Segundo relato do próprio Lobão em sua autobiografia (Lobão 2010), o vocalista Herbert Vianna teria dito que gostava demais da obra. Depois deste episódio Lobão gravou músicas dos mesmos.
Alguém pode ficar decepcionado ao saber que àquela música, àquele livro ou filme são uma versão. Talvez possamos acreditar que é possível que algumas obras advindas de outras sejam transformadas em arte. Assim como reinterpretações. O Hip-Hop desde o seu início é feito com colagens de samples. Através desta prática o estilo se fez e cresceu. No caso do rap é mais um sinal de reverência ao início de sua história do que alguma relação com a falta de criatividade. Para os seus pares é uma prova de conhecimento acumulado; e de reconhecimento dos artistas homenageados, e isto traz o respeito de admiradores deste gênero musical.
Muitos trabalhos originais e com suas assinaturas são reflexo de reverências anteriores. Assim como Henry Miller dizia ter reescrito o Tropic Of Cancer (1934) após ter lido Voyage au Bout de La Nuit (1932) de Céline. Da mesma forma que Charles Bukowski que pôs Céline como personagem de uma de suas novelas, Pulp (1994), era influenciado pelo mesmo. E vemos em Bukowski traços de John Fante que no final da vida teve o auxílio do admirador para ser publicado. Mas estes são exemplos que partem de influências. Dom Quixote de Miguel de Cervantes é inspirado em romances de cavalaria com enredos comuns à época. Romeu e Julieta tem um enredo entre outros que já eram conhecidos de o dramaturgo inglês antes mesmo de Shakespeare molhar a pena na tinta.
A collage e a apropriação são responsáveis pelo novo significado dado a um objeto. O urinol de Duchamp, não pode ser considerado arte. Mas a forma de olhar para ele, sim. E artístico é o modo como Duchamp chamou a nossa atenção para o objeto em seu randy made. Da mesma forma que veremos na Pop Art de Andy Warhol e Yoko Ono. A collage e a apropriação são como releituras e novas representações. “E a própria "voz" de Benjamin está presente através de notas brilhantes e comentários sobre as citações copiadas” (Goldsmith, 2015, p.1).  
“Acho que não devemos falar de collage quando nos referimos ao cinema. Devíamos falar sobre montage.”  Bruce Conner. (apud, Sonia García, Laura Gómez, 2009, pg.1). Seguindo este raciocínio podemos pensar na montagem como arte. A montagem é o mesmo que a “limpeza” de uma peça de teatro para alguns diretores brasileiros. Quando dizem que uma representação está cheia de “barriga” ou “gordura” e que precisa ser “enxugada”. A montagem no cinema leva ao tempo-ritmo teatral. Será que diretores de teatro que ainda montam Shakeaspere são plagiadores? Eles também trabalham com Found Footage. A montagem de uma peça assim como a montagem de um filme é releitura e reinterpretação. E uma função muito similar à do editor de livros e do produtor musical.
A montadora Sally Menke de Pulp Fiction de Quentim Tarantino talvez tenha decidido o destino do filme na mesa de edição quando mudou a ordem das cenas. Quando um filme é montado ele dá um novo sentido à imagem. O material apresentado em fragmentos é praticamente reinventado na mão do montador. Ainda mais se este não participou de todo o processo, e nem esteve presente no set de filmagem. Ele faz com que o bruto ressurja com a sua visão. Onde está a arte neste caso? Em suas escolhas. Não é todo mundo que consegue fazer esta reinvenção com as suas junções. Por mais que exista um guião, a arte está em suas escolhas. Quando reconhecemos uma marca e criação de sentidos. Só àquele montador poderia ter juntado àquelas peças. O sentimento de autoria  impresso. O conceito de autoral segue o mesmo caminho de onde vem a inspiração, com suas idiossincrasias ao juntar uma imagem à outra que irá criar um sentido nesta nova fusão. Para isto também é preciso que exista uma personalizada por trás dela.

Referências

Goldsmith, Kenneth (2015). Escritura no-creativa: Gestionando el lenguaje en la era digital Buenos Aires: Caja Negra Editora
in LÓPEZ, Sonia García e VAQUERO, Laura Gómez (2009). Piedra, papel y tijera – el collage en el cine documental. Ayuntamiento de Madrid e Ocho y Medio.
https://www.academia.edu/43176227/Sobre_Colagem_e_Apropria%C3%A7%C3%A3o_Art%C3%ADstica

domingo, 24 de maio de 2020

Considerações Sobre um Filme Universitário

Eu tinha bastante material à mão. Gravava entre uma e outra tarefa do dia a dia. Como era um filme sobre o isolamento social filmava em casa. O que facilitou filmar à vontade na obtenção de imagens que pudessem ser interessantes aos meus objetivos. Tenho pouca experiência como operador de câmera, e o equipamento que possuía era um aparelho celular. Já participei da produção de documentários, videoclipes e curtas em que estive presente em todo o processo. Mas sempre assessorado por ótimos profissionais. Então esta era a primeira vez em que atuava sozinho nestes campos.
Embora quisesse reproduzir em meu filme à ideia de câmera na mão, referência direta a  movimentos cinematográficos alternativos de vanguarda e autorais. Mas durante as filmagens estava preocupado se iria balançar muito o celular. E até que ponto isto poderia ser considerado como uma opção artística ao invés de uma deficiência técnica. A câmera a balançar desde o início fazia parte de uma opção estética para o filme. Quando filmei algumas fotografias que aparecem na edição final não dei estabilidade completa à câmera. O que me deixou inseguro. Munido do material filmado iniciei a montagem. Durante o processo fui em busca de takes que me satisfizessem, e consegui selecionar os que me pareciam mais aprazíveis.
Em relação ao equipamento eu não tinha intimidade com os filtros e com o set da câmera do aparelho. Mas busquei o filtro clássico que dava o efeito de imagem antiga que artisticamente fazia parte da proposta inicial do filme. Eu iria usar o preto e branco que assumi como uma das marcas do trabalho em questão. Mas esta não foi uma escolha aleatória, pois ela veio junto da necessidade de mostrar as dificuldades da produção, e de fortalecer à insinuação de trabalho “artesanal” com poucos artefatos tecnológicos sofisticados. Além, de como já foi dito, exaltar novas vagas presentes na história do cinema. Utilizei a vinheta e isto me deixou satisfeito, já que desejava sublinhar os muitos objetos circulares presentes em meu filme, que remetiam ao ciclo que se repetia nos longos dias trancados que transcorriam lentamente. Tentei adaptar as minhas opções estéticas às limitações de recursos.
Sobre o áudio do filme adaptei o som à minha volta ao ritmo da montagem. É possível ouvir algumas marteladas. Ficou de fora uma furadeira que ainda ouço enquanto escrevo este texto. Existe uma obra no prédio ao lado que começou na época das filmagens. Alguns cortes foram feitos no intervalo das marteladas e dos sons graves como a marcação do bumbo de uma bateria. E isto despertou uma vontade imensa de aprofundar ainda mais o tratamento do som. Ao fazer este filme a sonorização mostrou a sua enorme importância na montagem. Foi uma redescoberta. E senti ânsia de aprofundar com mais afinco o trabalho e conhecimento da mixagem de som.
Não obstante tenha ficado satisfeito, pois tendo em mãos o imenso material bruto que possuía, as minhas escolhas foram facilitadas. Eu podia cismar com um take, mas sempre havia outro para substituí-lo, e se um take estava insatisfatório, ou uma cena apresentava muitos ruídos, eu tinha em minha mão um leque de opções. Acho que isto ao final foi o que fez toda a diferença. A quantidade de cenas filmadas se tornou essencial para que eu pudesse ter opções, o que me deixou com uma gama de possibilidades que facilitaram a construção do curta.
O filme é dividido em dois capítulos. Eu havia feito um primeiro corte da segunda parte que tive de refazer completamente. Não gostei da soma final e cheguei à conclusão de que era precipitado. Estava correndo demais com o ritmo do filme. Mesmo que a velocidade dos cortes fosse uma de suas características.  Apesar do que havia concebido inicialmente, senti necessidade de que os planos fossem um pouco mais contidos
Existe um respiro no meio do curta. Tive receio, mas precisava que o filme desacelerasse naquele ponto. Eu temia que no primeiro corte da segunda parte, ele corresse tanto que fosse impossível acompanhar seu raciocínio. Tanto é que tive de refazer o corte completamente, como já citado acima. Apaguei tudo que estava na timeline. Não fiquei satisfeito com o resultado e parti para outra montagem. Percebi outro problema de minha concepção anterior; o tempo do filme não era o tempo de sua realidade.
Na nova montagem utilizei duas vezes o efeito chamado de cross dissolver. Eu tinha consciência de que este efeito era muito usado em determinadas situações, e que em outras ele havia caído em desuso. Ele é utilizado sobretudo em algumas ocasiões para representar passagem de tempo. Não usei o efeito com esta premissa. E sim por um viés artístico em que entendi que a regra do filme pedia. Senti necessidade que soasse daquela forma. Eu queria usar o cross dissolver mesmo que parecesse tosco como o jump cut de Jean-Luc Godard quando ele era apenas uma novidade. Eu sabia que era um clichê. Mas quando editei o filme, senti necessidade que ele soasse daquela forma. Utilizei o efeito na junção de dois planos longos. Embora pudesse simplesmente suprimir esses quadros. Ao invés de usar o esteticamente feio, mas instigante jump cut como fiz em alguns momentos.
Aprendi muito com este processo. E o interessante foi que pelo fato de estar sozinho, como todo mundo, aliás, tive de me virar e encarar situações que evitava. Como segurar uma câmera e editar completamente sozinho.
Um erro crasso que cometi foi com os créditos. Usei um crédito criativo que não desejava mexer, pois foi apresentado de forma inusitada como o resto do filme. Mas deixei de fazer uma ficha técnica mais apurada, e que estivesse de acordo com um trabalho profissional. Novamente de maneira optativa. Depois repensei bastante sobre o caso, e concluí que realmente poderia ser refeito. Tem simplesmente os títulos e o crédito do realizador. Pensei que por se tratar de um filme de âmbito escolar e interno, seria adequado. Deixei passar a oportunidade da premissa profissional.
No processo de um filme existem problemas na organização que acabam por ter implicações no trabalho artístico. Mas no geral, realmente fiquei bastante satisfeito com o filme. E sempre que tiver oportunidade irei mostrá-lo para alguém. Aprendi muito com este processo. E o interessante foi que pelo fato de estar sozinho, como todo mundo, aliás, tive de me virar e encarar situações que temia. Perdi o medo. E o mais importante senti prazer com o trabalho.  

Referências:

Valentim, Delano; Pré-produção de Curta Universitário: A Curva Achatada. Delano Valentim, Ano 2020
A Curva Achatada… (2020)
https://www.youtube.com/watch?v=9F5peLXblD0&t=9s
https://www.academia.edu/43151233/Considera%C3%A7%C3%B5es_Sobre_um_Filme_Universit%C3%A1rio

terça-feira, 19 de maio de 2020

Curta Universitário: A Curva Achatada

A Curva Achatada será uma curta metragem documental de Delano Valentim, com duração de 5 minutos, retratando o dia a dia do artista durante à pandemia. O filme irá mostrar a atitude do personagem perante a quarentena. É a segunda curta de uma sequência de três filmes; que foi iniciada com Quarentena 369, e será finalizada com um último capítulo composto de imagens de arquivos.
A curta mostra o artista a trabalhar. Ele escreve, e compõe canções. Alguns desses textos serão publicados em seu blog homônimo. Assim como algumas das músicas que virão a ser lançadas em seu canal no YouTube. Parte do material o artista irá enviar para festivais e concursos de música e literatura. A Curva Achatada também exibe imagens inéditas de um futuro videoclipe.
O diretor apropria-se da metalinguagem e pensa a própria produção da curta que é exibida. Com imagens de si próprio com a câmera. Além da inclusão de sons que surgem da realidade, como as marteladas e barulhos de uma obra na casa vizinha, que serão inseridos na composição do filme, dando muitas vezes o ritmo dos cortes.
Toda a ação será composta por uma estrutura não linear, sem narração, mas que deixa evidente às intenções da obra. Não serão feitas entrevistas nem haverá um narrador. A curta irá privilegiar às imagens para contar a história e apresentar o personagem. Uma imagem que junto de outra compõe um terceiro sentido. Como no experimento do cineasta russo Lev Kuleshov.
Algumas cenas sobre o momento histórico em que estamos vivendo serão apresentadas; como a reação do artista perante às notícias, e mesmo a arte que é produzida a partir delas, presenteando à audiência com os meandros da inspiração. Assim como serão mostradas algumas influências literárias, cinematográficas e musicais; através de livros, fotografias e camisas. O diretor opta esteticamente pelo preto e branco com um filtro clássico que dialoga com antigas vanguardas cinematográficas e seus trabalhos quase artesanais.
A curta acontece no espaço confinado da casa de Delano Valentim. A obra frisa o momento atual de uma pessoa confinada, ao mostrar o dia a dia do funcionamento da casa, e certos cuidados necessários durante o período. Além de ser um filme sobre como uma pessoa reage ao confinamento, ele apresenta um artista inquieto em sua ebulição durante o seu processo criativo.
https://www.academia.edu/43107888/Pr%C3%A9-produ%C3%A7%C3%A3o_de_curta_universit%C3%A1rio_A_Curva_Achatada
https://www.youtube.com/watch?v=9F5peLXblD0&t=9s