domingo, 24 de maio de 2020

Considerações Sobre um Filme Universitário

Eu tinha bastante material à mão. Gravava entre uma e outra tarefa do dia a dia. Como era um filme sobre o isolamento social filmava em casa. O que facilitou filmar à vontade na obtenção de imagens que pudessem ser interessantes aos meus objetivos. Tenho pouca experiência como operador de câmera, e o equipamento que possuía era um aparelho celular. Já participei da produção de documentários, videoclipes e curtas em que estive presente em todo o processo. Mas sempre assessorado por ótimos profissionais. Então esta era a primeira vez em que atuava sozinho nestes campos.
Embora quisesse reproduzir em meu filme à ideia de câmera na mão, referência direta a  movimentos cinematográficos alternativos de vanguarda e autorais. Mas durante as filmagens estava preocupado se iria balançar muito o celular. E até que ponto isto poderia ser considerado como uma opção artística ao invés de uma deficiência técnica. A câmera a balançar desde o início fazia parte de uma opção estética para o filme. Quando filmei algumas fotografias que aparecem na edição final não dei estabilidade completa à câmera. O que me deixou inseguro. Munido do material filmado iniciei a montagem. Durante o processo fui em busca de takes que me satisfizessem, e consegui selecionar os que me pareciam mais aprazíveis.
Em relação ao equipamento eu não tinha intimidade com os filtros e com o set da câmera do aparelho. Mas busquei o filtro clássico que dava o efeito de imagem antiga que artisticamente fazia parte da proposta inicial do filme. Eu iria usar o preto e branco que assumi como uma das marcas do trabalho em questão. Mas esta não foi uma escolha aleatória, pois ela veio junto da necessidade de mostrar as dificuldades da produção, e de fortalecer à insinuação de trabalho “artesanal” com poucos artefatos tecnológicos sofisticados. Além, de como já foi dito, exaltar novas vagas presentes na história do cinema. Utilizei a vinheta e isto me deixou satisfeito, já que desejava sublinhar os muitos objetos circulares presentes em meu filme, que remetiam ao ciclo que se repetia nos longos dias trancados que transcorriam lentamente. Tentei adaptar as minhas opções estéticas às limitações de recursos.
Sobre o áudio do filme adaptei o som à minha volta ao ritmo da montagem. É possível ouvir algumas marteladas. Ficou de fora uma furadeira que ainda ouço enquanto escrevo este texto. Existe uma obra no prédio ao lado que começou na época das filmagens. Alguns cortes foram feitos no intervalo das marteladas e dos sons graves como a marcação do bumbo de uma bateria. E isto despertou uma vontade imensa de aprofundar ainda mais o tratamento do som. Ao fazer este filme a sonorização mostrou a sua enorme importância na montagem. Foi uma redescoberta. E senti ânsia de aprofundar com mais afinco o trabalho e conhecimento da mixagem de som.
Não obstante tenha ficado satisfeito, pois tendo em mãos o imenso material bruto que possuía, as minhas escolhas foram facilitadas. Eu podia cismar com um take, mas sempre havia outro para substituí-lo, e se um take estava insatisfatório, ou uma cena apresentava muitos ruídos, eu tinha em minha mão um leque de opções. Acho que isto ao final foi o que fez toda a diferença. A quantidade de cenas filmadas se tornou essencial para que eu pudesse ter opções, o que me deixou com uma gama de possibilidades que facilitaram a construção do curta.
O filme é dividido em dois capítulos. Eu havia feito um primeiro corte da segunda parte que tive de refazer completamente. Não gostei da soma final e cheguei à conclusão de que era precipitado. Estava correndo demais com o ritmo do filme. Mesmo que a velocidade dos cortes fosse uma de suas características.  Apesar do que havia concebido inicialmente, senti necessidade de que os planos fossem um pouco mais contidos
Existe um respiro no meio do curta. Tive receio, mas precisava que o filme desacelerasse naquele ponto. Eu temia que no primeiro corte da segunda parte, ele corresse tanto que fosse impossível acompanhar seu raciocínio. Tanto é que tive de refazer o corte completamente, como já citado acima. Apaguei tudo que estava na timeline. Não fiquei satisfeito com o resultado e parti para outra montagem. Percebi outro problema de minha concepção anterior; o tempo do filme não era o tempo de sua realidade.
Na nova montagem utilizei duas vezes o efeito chamado de cross dissolver. Eu tinha consciência de que este efeito era muito usado em determinadas situações, e que em outras ele havia caído em desuso. Ele é utilizado sobretudo em algumas ocasiões para representar passagem de tempo. Não usei o efeito com esta premissa. E sim por um viés artístico em que entendi que a regra do filme pedia. Senti necessidade que soasse daquela forma. Eu queria usar o cross dissolver mesmo que parecesse tosco como o jump cut de Jean-Luc Godard quando ele era apenas uma novidade. Eu sabia que era um clichê. Mas quando editei o filme, senti necessidade que ele soasse daquela forma. Utilizei o efeito na junção de dois planos longos. Embora pudesse simplesmente suprimir esses quadros. Ao invés de usar o esteticamente feio, mas instigante jump cut como fiz em alguns momentos.
Aprendi muito com este processo. E o interessante foi que pelo fato de estar sozinho, como todo mundo, aliás, tive de me virar e encarar situações que evitava. Como segurar uma câmera e editar completamente sozinho.
Um erro crasso que cometi foi com os créditos. Usei um crédito criativo que não desejava mexer, pois foi apresentado de forma inusitada como o resto do filme. Mas deixei de fazer uma ficha técnica mais apurada, e que estivesse de acordo com um trabalho profissional. Novamente de maneira optativa. Depois repensei bastante sobre o caso, e concluí que realmente poderia ser refeito. Tem simplesmente os títulos e o crédito do realizador. Pensei que por se tratar de um filme de âmbito escolar e interno, seria adequado. Deixei passar a oportunidade da premissa profissional.
No processo de um filme existem problemas na organização que acabam por ter implicações no trabalho artístico. Mas no geral, realmente fiquei bastante satisfeito com o filme. E sempre que tiver oportunidade irei mostrá-lo para alguém. Aprendi muito com este processo. E o interessante foi que pelo fato de estar sozinho, como todo mundo, aliás, tive de me virar e encarar situações que temia. Perdi o medo. E o mais importante senti prazer com o trabalho.  

Referências:

Valentim, Delano; Pré-produção de Curta Universitário: A Curva Achatada. Delano Valentim, Ano 2020
A Curva Achatada… (2020)
https://www.youtube.com/watch?v=9F5peLXblD0&t=9s
https://www.academia.edu/43151233/Considera%C3%A7%C3%B5es_Sobre_um_Filme_Universit%C3%A1rio

terça-feira, 19 de maio de 2020

Curta Universitário: A Curva Achatada

A Curva Achatada será uma curta metragem documental de Delano Valentim, com duração de 5 minutos, retratando o dia a dia do artista durante à pandemia. O filme irá mostrar a atitude do personagem perante a quarentena. É a segunda curta de uma sequência de três filmes; que foi iniciada com Quarentena 369, e será finalizada com um último capítulo composto de imagens de arquivos.
A curta mostra o artista a trabalhar. Ele escreve, e compõe canções. Alguns desses textos serão publicados em seu blog homônimo. Assim como algumas das músicas que virão a ser lançadas em seu canal no YouTube. Parte do material o artista irá enviar para festivais e concursos de música e literatura. A Curva Achatada também exibe imagens inéditas de um futuro videoclipe.
O diretor apropria-se da metalinguagem e pensa a própria produção da curta que é exibida. Com imagens de si próprio com a câmera. Além da inclusão de sons que surgem da realidade, como as marteladas e barulhos de uma obra na casa vizinha, que serão inseridos na composição do filme, dando muitas vezes o ritmo dos cortes.
Toda a ação será composta por uma estrutura não linear, sem narração, mas que deixa evidente às intenções da obra. Não serão feitas entrevistas nem haverá um narrador. A curta irá privilegiar às imagens para contar a história e apresentar o personagem. Uma imagem que junto de outra compõe um terceiro sentido. Como no experimento do cineasta russo Lev Kuleshov.
Algumas cenas sobre o momento histórico em que estamos vivendo serão apresentadas; como a reação do artista perante às notícias, e mesmo a arte que é produzida a partir delas, presenteando à audiência com os meandros da inspiração. Assim como serão mostradas algumas influências literárias, cinematográficas e musicais; através de livros, fotografias e camisas. O diretor opta esteticamente pelo preto e branco com um filtro clássico que dialoga com antigas vanguardas cinematográficas e seus trabalhos quase artesanais.
A curta acontece no espaço confinado da casa de Delano Valentim. A obra frisa o momento atual de uma pessoa confinada, ao mostrar o dia a dia do funcionamento da casa, e certos cuidados necessários durante o período. Além de ser um filme sobre como uma pessoa reage ao confinamento, ele apresenta um artista inquieto em sua ebulição durante o seu processo criativo.
https://www.academia.edu/43107888/Pr%C3%A9-produ%C3%A7%C3%A3o_de_curta_universit%C3%A1rio_A_Curva_Achatada
https://www.youtube.com/watch?v=9F5peLXblD0&t=9s

Pré-produção de curta universitário: A Curva Achatada

Índice

1.2 Tema

1.3 Recursos a Utilizar

1.4 Argumento

1.5 Moodboard

1.2 Tema
O dia a dia do artista Delano Valentim em casa durante a quarentena da pandemia do
Coronavírus.

1.3 Recursos a Utilizar

Computador
HP EliteBook Folio 9470
Sistema Operacional
Microsoft Windows 10 Pro
Programa de Edição
Adobe Premiere Pro 2019
Câmara
Telemóvel Galaxy 8 (2018)
1.4 Argumento: A Curva Achatada…

A Curva Achatada será uma curta metragem documental de Delano Valentim, com duração de 5 minutos, retratando o dia a dia do artista durante à pandemia. O filme irá mostrar a atitude do personagem perante a quarentena. É a segunda curta de uma sequência de três filmes; que foi iniciada com Quarentena 369, e será finalizada com um último capítulo composto de imagens de arquivos.
A curta mostra o artista a trabalhar. Ele escreve, e compõe canções. Alguns desses textos serão publicados em seu blog homônimo. Assim como algumas das músicas que virão a ser lançadas em seu canal no YouTube. Parte do material o artista irá enviar para festivais e concursos de música e literatura. A Curva Achatada também exibe imagens inéditas de um futuro videoclipe.
O diretor apropria-se da metalinguagem e pensa a própria produção da curta que é exibida. Com imagens de si próprio com a câmera. Além da inclusão de sons que surgem da realidade, como as marteladas e barulhos de uma obra na casa vizinha, que serão inseridos na composição do filme, dando muitas vezes o ritmo dos cortes.
Toda a ação será composta por uma estrutura não linear, sem narração, mas que deixa evidente às intenções da obra. Não serão feitas entrevistas nem haverá um narrador. A curta irá privilegiar às imagens para contar a história e apresentar o personagem. Uma imagem que junto de outra compõe um terceiro sentido. Como no experimento do cineasta russo Lev Kuleshov.
Algumas cenas sobre o momento histórico em que estamos vivendo serão apresentadas; como a reação do artista perante às notícias, e mesmo a arte que é produzida a partir delas, presenteando à audiência com os meandros da inspiração. Assim como serão mostradas algumas influências literárias, cinematográficas e musicais; através de livros, fotografias e camisas. O diretor opta esteticamente pelo preto e branco com um filtro clássico que dialoga com antigas vanguardas cinematográficas e seus trabalhos quase artesanais.
A curta acontece no espaço confinado da casa de Delano Valentim. A obra frisa o momento atual de uma pessoa confinada, ao mostrar o dia a dia do funcionamento da casa, e certos cuidados necessários durante o período. Além de ser um filme sobre como uma pessoa reage ao confinamento, ele apresenta um artista inquieto em sua ebulição durante o seu processo criativo.

La Terra Trema: Uma Análise

Índice

3. La Terra Trema

3.1 Créditos

3.2 Produção

3.3 Valor Histórico

3.4 Prêmio

4. Luchino Visconti

4.1 Biofilmografia

5. La Terra Trema

5.1 La Terra Trema: Uma Análise

5.2 Bibliografia



3.1 Créditos

Realização
Luchino Visconti com assistência de Francesco Rossi e Franco Zefirelli

Argumento e Adaptação
Luchino Visconti, livremente inspirado no romance I Malavoglia, de Giovanni Verga

Cenários Naturais
Aci Trezza, Sicília

Montagem
Willy Ferrero e Luchino Visconti

Fotografia
Aldo Graziati

Interpretação
Pescadores de Aci Trezza

Produção
Salvo d` Angelo


3.2 Produção

Em 1947 Luchino Visconti chegou à Sicília com uma equipe reduzida e o mínimo de equipamentos. Pretendia criar a curta-metragem inspirada no livro I Malavogli de Giovanni Verga.
Aproximavam-se às eleições e o Partido Comunista Italiano decidiu que seria boa ideia investir num documentário sobre pescadores sicilianos, e adiantou seis milhões de liras para a sua produção.
Ao chegar à Sicília Visconti resolveu filmar uma longa-metragem de ficção.
As rodagens foram muitas vezes interrompidas por falta de dinheiro. Visconti voltou ao continente e vendeu alguns móveis seus para continuar as filmagens.
O cineasta obteve ajuda de um amigo chamado Alfredo Guarani. E o produtor Salvo d`Ângleo convenceu o Banco da Sicília e a Máfia a participar da empreitada.
O filme foi rodado sem argumento, com o texto escrito minuciosamente em simultâneo, e interpretado por atores naturais. O elenco formou-se com os pescadores locais.
A obra dublada só chegou aos ecrãs italianos em 1950. Os compatriotas não entendiam o dialeto de Aci Trezza. La Terra Trema enfrentou muitas dificuldades para ser exibido, pois diziam que dava uma ideia errada da Itália no exterior.

3.3 Valor Histórico
La Terra Trema é um dos filmes neorrealistas mais importantes. O montador Mario Serandrei criou o termo neorrealista ao trabalhar em Obsessão, o primeiro filme de Visconti, que inaugurou o neorrealismo quatro anos antes.

3.4 Prêmio
Prêmio Internacional do Festival de Veneza (1948)

4.1 Biofilmografia

“A singular carreira cinematográfica de Visconti seguiu uma trajetória que vai do realismo mais implacável e quase documental, durante a época do neorrealismo italiano, ao refinamento estético próximo da decadência que caracteriza o seu último período.” Román Gubern, Salvat editora do Brasil, 1979, página 61.
Visconti, duque de Madrona, era membro da mais antiga aristocracia da Lombardia. Educado com acesso à cultura refinada, cedo aderiu ao marxismo. Humanista, com uma visão progressista do homem e da história, aproximou-se do povo. O que explica um pouco a característica singular de sua obra que percorre esses dois mundos distintos.
Em 1943 estreia Obsessão. Ao mostrar a realidade italiana rompe com o cinema da propaganda oficial.
La terra Trema é um filme de 1948 com forte denúncia social e próximo do documentário. Outro filme marcadamente surrealista é Belíssima de 1951. Uma critica ao endeusamento das estrelas de cinema.
Outros filmes importantes pertencem à fase operística e melodramática de Visconti. Senso (1953). O Leopardo (1963), considerado por muitos a sua obra-prima, é uma reflexão sobre o materialismo aristocrático. Le Notti Bianche (1957), adaptação do livro Noites Brancas de Dostoiévski. Rocco e Seus Irmãos (1960). O Estrangeiro (1967), adaptação do segundo romance do escritor e filósofo Albert Camus. E ainda Crepúsculo dos Deuses (1969), e Ludwig (1972).
“A pedra angular dos estados de espírito, da psicologia e dos conflitos, é para mim essencialmente social, embora as conclusões a que chego sejam apenas humanas e digam respeito concretamente a indivíduos considerados como tal. O fermento, o sangue que corre na história, está carregado de paixão cívica, de problemática social.” Luchino Visconte, Alain Sanzio / Paul-Louis Thirard, página 94.
“Depois houve a guerra; com a guerra, a resistência e, com a resistência, para um intelectual da minha formação, a descoberta de todos os problemas simultaneamente como problemas de estrutura e de orientação cultural, espiritual e moral.”  Luchino Visconte, Alain Sanzio / Paul-Louis Thirard, página 93.
5.1 La Terra Trema: Uma Análise

Aci Trezza é uma aldeia siciliana. Grande parte dos seus habitantes sobrevive da pesca. Na Itália do pós-guerra que há pouco abandonara o fascismo, nesta paisagem de belos cenários naturais, é ambientado La Terra Trema.
Os pescadores que interpretam o seu próprio cotidiano, dão o tom realista que o filme necessita para contar esta dura realidade. Os trabalhadores normalmente explorados pelos grossistas que impõem os preços baixos dos peixes. São os únicos com os quais conseguem negociar, pois eles mantêm o monopólio de compra e venda.
No meio do conflito encontra-se à família Valastros que perdeu o principal provedor num acidente marítimo. Os Valastros são formados pelo avô, a mãe viúva com um filho de colo, os dois garotos Vanni e Alfio, as duas jovens Mara e Lucia, a menina Lia, e os irmãos já homens, Antônio e Cola.
No olhar distante da mãe calada se vê à mulher resignada com o seu destino. E que prontamente acata as decisões de Antônio. O filho mais velho que ficou no lugar do pai, e que como homem da casa decide o futuro da família. Mesmo quando todos os seus conterrâneos dizem estar errado.
O avô é um velho pescador que discorda dos arroubos da juventude. Ele teme as decisões que o neto toma. Diz que sempre viveu daquela forma. Parece ser o exemplo de comodismo, representado por alguém que durante toda a vida repetiu que manda quem pode, e obedece quem tem juízo. Não quer se opor, aceita as coisas como elas são. Pelo contrário, teme a revolta do neto Antônio quando esta se apresenta, e prevê o fim trágico que suas decisões terão.
As crianças são trabalhadoras. Eles têm que ajudar os irmãos. Não brincam. trabalham para comer. Ficam felizes quando há trabalho. Copiam os irmãos em sua busca pela sobrevivência. São pequenos adultos. Numa cena, Vanni que costura uma rede com a qual pesca a beira mar para o próprio sustento. Depois que toda a família perdeu o emprego. Quando vê Alfio que olha os vizinhos que cozinham em frente a casa, diz ao irmão menor, “Alfio, se você ficar olhando irá ficar com mais fome.” Alfio é o menino de cabelo dourado que acompanha Antônio em sua ida até aos grossistas, quando tudo dá errado. Ele olha demoradamente para os homens que debocham do seu irmão. Enquanto eles sorriem, Alfio fixa o olhar em silêncio, e sente à humilhação do outro.
Lúcia é o elo fraco da corrente. A rapariga sonhadora dos romances açucarados. Sonha com um príncipe encantado que irá tirá-la daquele mundo de desgraças. Numa das cenas, ela conta um desses sonhos românticos para a pequena Lia. Logo, Lúcia, alvo fácil, é atraída por Don Salvatore, il marescialllo dei carabinieri. Um policial local. Salvatore mexe com Lucia quando esta passa por ele. Na salga dos peixes em que a família e os vizinhos estão presentes, novamente faz menção à beleza de Lucia. Até que se põe à janela, e começa a ofertar pequenos presentes à menina que caí em sua lábia. Mara, a irmã mais velha e responsável, percebendo o perigo, e com medo do que os vizinhos iriam pensar, pede à Lucia que se afaste do homem. Lucia não dá a mínima à irmã. Já é tarde. Ela aceita os presentes, briga com Mara, e na noite em que o avô passa mal, Lucia dorme fora de casa. Numa discussão diz a Mara que ninguém vai casar ficando trancado. Depois do fracasso do negócio, Antônio passa as noites com bêbados vagabundos num bar. Não sabe que o policial, que assobia, e do qual se esconde, por causa da bagunça que fazem, volta de um encontro com a sua irmã. Ninguém mais vai querer casar com Lucia. Diz o narrador. Ela caiu em desgraça. Foi desonrada. O vizinho que é uma espécie de capataz dos grossistas, e que não gosta de Antônio, diz que ele não sabe o que acontece debaixo do próprio nariz. Numa clara referência ao deslize fatal de Lucia. O moralismo é rígido.
Mara é a irmã que vai tomar o lugar da mãe. Com o seu temperamento doce cuida dos irmãos como se eles fossem responsabilidade dela. Até os nós de suas gravatas é ela quem dá quando eles vão ao cartório hipotecar a casa. Antônio grita quando quer comer. Mara aceita tudo com naturalidade. Enquanto Lucia culpa o irmão pelo infortúnio da família. O único luxo de Mara é Nicola. O pedreiro que pretende casar com ela, e com quem conversa. Quando o Antônio cria o negócio da família, Nicola desiste do casamento, e os dois chegam a conclusão de que não podem ficar juntos. Nicola aceita imediatamente a mudança de status de Mara. É uma cultura implacável, pois o mesmo acontece quando Antônio vai à falência, e é imediatamente abandonado por Nedda, a namorada com quem pretendia casar. Em Aci Trezza os supostamente ricos ficam juntos. Quando os Valastros chegam à bancarrota, antes de mudarem para outra casa, Lúcia diz a Nicola que vá visitá-la. Esta é a única esperança que existe no filme. O fim de desses dois obedientes.
Cola não vê futuro para si. É o braço direito de Antônio e o primeiro a pedir arrego. Ele não pode lutar contra o próprio destino. Depois do fracasso, decidi que irá contribuir mais com a família estando fora. É atraído por um mafioso que fuma cigarros Lucky Strike. Cigarros americanos, como um dos personagens diz admirado. Cola insinua a Antônio que deseja ir embora. Diz ao irmão que serviu à tropa, que como ele ainda não viajou. O que parece ser uma lembrança de uma época de ouro para a família, que adora ver Antônio fardado naquele antigo retrato desbotado. Cola arruma a mochila de madrugada, e pega parte do dinheiro que Vanni guardou num canto do quarto. Ele vai embora com um grupo de homens aliciado pelo contrabandista. É melhor fugir, e arriscar ser preso do que ficar em Aci Trezza. Antônio vai atrás de Cola, mas uma criança o avisa que o oficial de justiça chegou com a ordem de despejo. Lá se foi Antônio correndo. Cola seguiu o seu destino. Ali não há salvação. Aci Trezza é sufocante para quem é pobre e desempregado.
Antônio representa a esperança, a rebeldia, o certo, aquilo que é correto, e justo. Antônio é a liberdade. Mas entre ele e os seus sonhos o real se impõe. A maioria prefere ficar calada. Ele é um homem só. É mais fácil ser covarde do que procurar uma saída. Ele, em sua ingenuidade, foi de encontro com o sistema, mas será mesmo ingênuo? Antônio pagou um preço caro por isso. E se os outros se unissem a ele? Ninguém vive de talvez. Antônio estava certo. Era um homem com ideais nobres. Mas por causa de uma maioria estagnada, sofreu por ser justo. Por ser verdadeiro. Quem sabe fosse isto que Visconti queria mostrar com o seu filme. O problema não era Antônio. E sim os outros que não acompanharam o seu raciocínio. É um filme de desesperança? Aparentemente sim. Pode ser também um grito para frente. Não podemos esquecer o contexto em que o próprio Visconti e a Itália viviam. Antônio volta a trabalhar para os grossistas. Será mais um, assim como o pai e o avô, que trabalharam até a morte para os outros. Mas com certeza, o exemplo negativo não é Antônio, e sim os que ficaram calados. A esperança não depende de Antônio, e sim deles, ele fez sua parte. O mar é amargo, como Antônio diz. E nas palavras do narrador, em tradução livre, não há tempo bom que dure, nem tempo ruim que perdure. Em depoimento (Luchino Visconti: Clareta Tonetti, 1983. Columbus Filmmakers, ver página 34) Visconti diz que nunca foi tão feliz como nos anos de resistência, em que as mães dos seus amigos não dormiam enquanto eles não chegassem. Talvez a mensagem seja esta; diferente dele, sozinho, Antônio não iria conseguir fazer as mudanças que todos desejavam.

Bibliografia

Cinema Contemporâneo: Román Gubern, 1980. Salvat Editora do Brasil
Luchino Visconti: Clareta Tonetti, 1983. Columbus Filmmakers
Luchino Visconti: Alain Sanzio / Louis Thirard, 1988. Publicações Dom Quixote

La Terra Trema de Luchino Visconti

Aci Trezza é uma aldeia siciliana. Grande parte dos seus habitantes sobrevive da pesca. Na Itália do pós-guerra que há pouco abandonara o fascismo, nesta paisagem de belos cenários naturais, é ambientado La Terra Trema.
Os pescadores que interpretam o seu próprio cotidiano, dão o tom realista que o filme necessita para contar esta dura realidade. Os trabalhadores normalmente explorados pelos grossistas que impõem os preços baixos dos peixes. São os únicos com os quais conseguem negociar, pois eles mantêm o monopólio de compra e venda.
No meio do conflito encontra-se à família Valastros que perdeu o principal provedor num acidente marítimo. Os Valastros são formados pelo avô, a mãe viúva com um filho de colo, os dois garotos Vanni e Alfio, as duas jovens Mara e Lucia, a menina Lia, e os irmãos já homens, Antônio e Cola.
No olhar distante da mãe calada se vê à mulher resignada com o seu destino. E que prontamente acata as decisões de Antônio. O filho mais velho que ficou no lugar do pai, e que como homem da casa decide o futuro da família. Mesmo quando todos os seus conterrâneos dizem estar errado.
O avô é um velho pescador que discorda dos arroubos da juventude. Ele teme as decisões que o neto toma. Diz que sempre viveu daquela forma. Parece ser o exemplo de comodismo, representado por alguém que durante toda a vida repetiu que manda quem pode, e obedece quem tem juízo. Não quer se opor, aceita as coisas como elas são. Pelo contrário, teme a revolta do neto Antônio quando esta se apresenta, e prevê o fim trágico que suas decisões terão.
As crianças são trabalhadoras. Eles têm que ajudar os irmãos. Não brincam. trabalham para comer. Ficam felizes quando há trabalho. Copiam os irmãos em sua busca pela sobrevivência. São pequenos adultos. Numa cena, Vanni que costura uma rede com a qual pesca a beira mar para o próprio sustento. Depois que toda a família perdeu o emprego. Quando vê Alfio que olha os vizinhos que cozinham em frente a casa, diz ao irmão menor, “Alfio, se você ficar olhando irá ficar com mais fome.” Alfio é o menino de cabelo dourado que acompanha Antônio em sua ida até aos grossistas, quando tudo dá errado. Ele olha demoradamente para os homens que debocham do seu irmão. Enquanto eles sorriem, Alfio fixa o olhar em silêncio, e sente à humilhação do outro.
Lúcia é o elo fraco da corrente. A rapariga sonhadora dos romances açucarados. Sonha com um príncipe encantado que irá tirá-la daquele mundo de desgraças. Numa das cenas, ela conta um desses sonhos românticos para a pequena Lia. Logo, Lúcia, alvo fácil, é atraída por Don Salvatore, il marescialllo dei carabinieri. Um policial local. Salvatore mexe com Lucia quando esta passa por ele. Na salga dos peixes em que a família e os vizinhos estão presentes, novamente faz menção à beleza de Lucia. Até que se põe à janela, e começa a ofertar pequenos presentes à menina que caí em sua lábia. Mara, a irmã mais velha e responsável, percebendo o perigo, e com medo do que os vizinhos iriam pensar, pede à Lucia que se afaste do homem. Lucia não dá a mínima à irmã. Já é tarde. Ela aceita os presentes, briga com Mara, e na noite em que o avô passa mal, Lucia dorme fora de casa. Numa discussão diz a Mara que ninguém vai casar ficando trancado. Depois do fracasso do negócio, Antônio passa as noites com bêbados vagabundos num bar. Não sabe que o policial, que assobia, e do qual se esconde, por causa da bagunça que fazem, volta de um encontro com a sua irmã. Ninguém mais vai querer casar com Lucia. Diz o narrador. Ela caiu em desgraça. Foi desonrada. O vizinho que é uma espécie de capataz dos grossistas, e que não gosta de Antônio, diz que ele não sabe o que acontece debaixo do próprio nariz. Numa clara referência ao deslize fatal de Lucia. O moralismo é rígido.
Mara é a irmã que vai tomar o lugar da mãe. Com o seu temperamento doce cuida dos irmãos como se eles fossem responsabilidade dela. Até os nós de suas gravatas é ela quem dá quando eles vão ao cartório hipotecar a casa. Antônio grita quando quer comer. Mara aceita tudo com naturalidade. Enquanto Lucia culpa o irmão pelo infortúnio da família. O único luxo de Mara é Nicola. O pedreiro que pretende casar com ela, e com quem conversa. Quando o Antônio cria o negócio da família, Nicola desiste do casamento, e os dois chegam a conclusão de que não podem ficar juntos. Nicola aceita imediatamente a mudança de status de Mara. É uma cultura implacável, pois o mesmo acontece quando Antônio vai à falência, e é imediatamente abandonado por Nedda, a namorada com quem pretendia casar. Em Aci Trezza os supostamente ricos ficam juntos. Quando os Valastros chegam à bancarrota, antes de mudarem para outra casa, Lúcia diz a Nicola que vá visitá-la. Esta é a única esperança que existe no filme. O fim de desses dois obedientes.
Cola não vê futuro para si. É o braço direito de Antônio e o primeiro a pedir arrego. Ele não pode lutar contra o próprio destino. Depois do fracasso, decidi que irá contribuir mais com a família estando fora. É atraído por um mafioso que fuma cigarros Lucky Strike. Cigarros americanos, como um dos personagens diz admirado. Cola insinua a Antônio que deseja ir embora. Diz ao irmão que serviu à tropa, que como ele ainda não viajou. O que parece ser uma lembrança de uma época de ouro para a família, que adora ver Antônio fardado naquele antigo retrato desbotado. Cola arruma a mochila de madrugada, e pega parte do dinheiro que Vanni guardou num canto do quarto. Ele vai embora com um grupo de homens aliciado pelo contrabandista. É melhor fugir, e arriscar ser preso do que ficar em Aci Trezza. Antônio vai atrás de Cola, mas uma criança o avisa que o oficial de justiça chegou com a ordem de despejo. Lá se foi Antônio correndo. Cola seguiu o seu destino. Ali não há salvação. Aci Trezza é sufocante para quem é pobre e desempregado.
Antônio representa a esperança, a rebeldia, o certo, aquilo que é correto, e justo. Antônio é a liberdade. Mas entre ele e os seus sonhos o real se impõe. A maioria prefere ficar calada. Ele é um homem só. É mais fácil ser covarde do que procurar uma saída. Ele, em sua ingenuidade, foi de encontro com o sistema, mas será mesmo ingênuo? Antônio pagou um preço caro por isso. E se os outros se unissem a ele? Ninguém vive de talvez. Antônio estava certo. Era um homem com ideais nobres. Mas por causa de uma maioria estagnada, sofreu por ser justo. Por ser verdadeiro. Quem sabe fosse isto que Visconti queria mostrar com o seu filme. O problema não era Antônio. E sim os outros que não acompanharam o seu raciocínio. É um filme de desesperança? Aparentemente sim. Pode ser também um grito para frente. Não podemos esquecer o contexto em que o próprio Visconti e a Itália viviam. Antônio volta a trabalhar para os grossistas. Será mais um, assim como o pai e o avô, que trabalharam até a morte para os outros. Mas com certeza, o exemplo negativo não é Antônio, e sim os que ficaram calados. A esperança não depende de Antônio, e sim deles, ele fez sua parte. O mar é amargo, como Antônio diz. E nas palavras do narrador, em tradução livre, não há tempo bom que dure, nem tempo ruim que perdure. Em depoimento (Luchino Visconti: Clareta Tonetti, 1983. Columbus Filmmakers, ver página 34) Visconti diz que nunca foi tão feliz como nos anos de resistência, em que as mães dos seus amigos não dormiam enquanto eles não chegassem. Talvez a mensagem seja esta; diferente dele, sozinho, Antônio não iria conseguir fazer as mudanças que todos desejavam.
https://www.academia.edu/42961656/La_Terra_Trema_-_Delano_Valentim

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Recensão Crítica O Homem Visível de Béla Belázs

Índice


1.2 O Homem Visível 1923
1.3 Nós Estamos no Filme
1.4 Identificação
1.5 O Close-Up
2.0 A Face das Coisas
2.1 O Som é Indivisível
2.1 O Som no Espaço
2.3 A Vida Visual
2.4 Charme Lírico do Close-up
3.0 A Face do Homem
3.1  Uma Nova Dimensão
3.2 Melodia e Fisionomia
3.3 Solilóquio Silencioso
3.4 Subjetividade do Objeto
3.5 Algo Mais Sobre a Identificação
3.6  Mundos Antropomórfico
4.0 Conclusão
4.1 Referência



1.2  O Homem Visível 1923

Ismail Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal, 1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.
Os nossos ancestrais primitivos se comunicavam através dos gestos e das expressões faciais. O ser humano era o que Béla Belázs classificou como Homem Visível, pois suas emoções transbordavam visualmente. Ao seguir estes movimentos a língua produziu os sons que levaram à fala. Béla Belázs acreditava que muito da linguagem não-verbal foi perdida.
Outro momento das comunicações humanas veio com o surgimento da imprensa. A palavra passou a transportar à alma humana representada por conceitos. O espírito visual foi trocado pelo espírito legível. Por isto os povos sem escrita carregam uma biblioteca maior de expressão não-verbal. Enquanto o homem culto tem empobrecida a sua comunicação facial.
Béla Belázs afirmava que através do cinema o Homem Visível iria ressurgir. Embora reconhecesse que nem todos os países tivessem condições de criar um mercado cinematográfico. A linguagem do cinema tornou-se universal para ser entendida por todos.

1.3 Nós Estamos no Filme

O cinema aproximou o mundo subjetivo do artista ao interior do espectador. O maior mérito da câmera não é mostrar ou desvendar um universo novo, e sim apresentar de maneira diferente o que já conhecemos.

1.4 Identificação

Béla Belázs afirma que no cinema somos os olhos da personagem e que nunca numa obra de arte o público pôde participar tão ativamente, e se sentir dentro da ação ao se identificar com uma protagonista. Devemos acrescentar que este é o mesmo efeito que a literatura pode causar num leitor. O que não existe é uma identificação que se manifeste visualmente como no cinema. Mas no campo subjetivo é possível afirmar que nossa identificação com a personagem de um romance pode ser tão intensa quanto com à de uma longa-metragem.

1.5 O Close-Up

O close-up representa uma parte e não o todo. Não dá o panorama geral da paisagem, e sim foca num detalhe. O close-up sublinha um indivíduo numa multidão. Podemos dizer que o close-up com esta aproximação nos mostra à emoção escondida. Ele é o responsável por àquela pequena expressão de medo e ansiedade que se tornam visíveis.

2.0 A Face das Coisas

O Que Une as Visões Parciais?

O público tem de ser educado para pensar em como as partes de um filme se juntam no tempo, pois elas não estão juntas no espaço. Belázs crê que um plano tem de dar indicação de outro para que o nosso cérebro faça as conexões necessárias, e que cheguemos a conclusões que montem o verdadeiro sentido que o diretor quer transmitir. Um objeto pode dar indicação de continuidade dentro de uma ação. Ele cita à música que nos põe dentro de uma boate, onde logo após aparece o close-up de uma flor, mas quando abre o plano ela está em outro local onde será dada à continuidade da ação. Esta afirmação de Belázs pode ser contestada tendo em vista movimentos como o Surrealismo. Embora mesmo nestes movimentos possamos perceber a existência da associação de ideias à qual Belázs se refere. Vale ressaltar que ainda hoje parte do público tem de ser orientado para assistir alguns filmes que irão depender de compreensões que carecem de conhecimentos individuais.


2.1 O Som é Indivisível

O som não pode se fragmentar no espaço como a imagem extraída da câmera. O som aproximado ou distante sofre variação em sua intensidade. Dentro desta observação, podemos pensar que Belázs não previu experimentações cinematográficas que advieram da manipulação das novas tecnologias.

2.1 O Som no Espaço

O cinema sonoro poderia ter educado os novos ouvidos, assim como o cinema mudo deveria ter sensibilizado o nosso olhar. Com o cinema falado toda a oportunidade foi perdida. A fala deixou os nossos sentidos acomodados.

2.2 A Face das Coisas

O close-up no cinema mudo buscou o que era intrínseco a um objeto ou ser, e nos conduziu a uma visão ampliada do tempo. Belá Belázs reforça à ideia de que a câmera não trouxe nada novo, apenas afinou a nossa sensibilidade dando maior destaque ao que deixávamos de perceber.

2.3 A Vida Visual

O close-up nos fez ver uma parte desconhecida, que explica mais do que um grupo de gestos. Belázs diz que os grandes filmes são feitos com bons close-ups. Pois o  close-up pode identificar. De acordo com Belázs não entender o close-up será como ignorar os instrumentos separados de uma sinfonia. É ser igual um ouvinte que capta a melodia principal e não os instrumentos em separado. Através dessas partes podemos ter uma compreensão melhor do todo.

2.4 Charme Lírico do Close-up

Os close-ups são os dedos que se movem nervosamente sobre as pernas, enquanto o rosto se mantém impassível amparado por um discurso coerente. O close-up  revela mais do que o simples detalhe naturalista, ele é a escolha correta e infalível do bom operador de câmera no pleno domínio de sua arte. Ele revela o lado obscuro dos objetos e tudo o que se encontra nas sombras. O close-up irá conduzir a estória, pois ele é o leitmotiv que serve de prenúncio para as mudanças drásticas que anunciam os acontecimentos ou desvendam o que os olhos não alcançam quando estão anestesiados por outros sentidos.

3.0 A Face do Homem

Belázs cita Marx para dizer que toda arte é uma manifestação humana. Mesmo quando um close-up mostra um objeto, ele evidencia o ser humano. Os objetos como nossas criações são reflexos da personalidade humana. O close-up traduz nossa alma. Ele é responsável por levar ao subjetivo.

3.1  Uma Nova Dimensão

O close-up apresenta outra dimensão no espaço quando mostra uma expressão facial e nuances de sentimentos que representam uma emoção não explícita. Se vê apenas parte de um corpo, e ao invés de uma ação a subjetividade presente em um pensamento que independe da concepção corporificada do mundo como conhecemos.

3.2 Melodia e Fisionomia

Assim como a melodia, que para Henri Bergson; não existe sozinha no tempo e no espaço, e sim em conjunto, pois a primeira nota só existe em junção com a segunda, e assim sucessivamente. Quando a primeira nota é tocada evoca a última; o que faz com que entendamos que uma não existe sem a outra, e que elas representam a melodia. Assim como as várias expressões faciais que não existem sozinhas, remetem a pensamentos, sentimentos e emoções que estão de acordo uns com os outros. O cinema reitera a dimensão da fisionomia. Assim como a nota da melodia de um instrumento faz parte da sinfonia. Uma expressão facial expressa os sentimentos que compõem um indivíduo.

3.3 Solilóquio Silencioso

Béla Belázs defende que no teatro não existe mais o solilóquio silencioso. E que é impossível uma personagem se expressar sinceramente com as palavras. A única possibilidade no cinema é o solilóquio silencioso. Representado num simples mover de músculos da expressão facial que pode contrariar todo o discurso cínico que advém da fala. Somente um close-up, pode pescar um ser solitário com sua solidão extrema no meio da multidão. Mas se levarmos em conta, que personagens não são como pessoas, que precisam dissimular suas emoções em determinadas situações por causa de pressões sociais, nós poderemos criar uma opinião paralela ao que diz Béla Belázs. Pois tanto escritores como roteiristas e dramaturgos podem nos comunicar o que está no íntimo das personagens, e no caso da literatura isto fica ainda mais evidente. Mesmo que o romance não seja narrado em primeira pessoa; o narrador onipresente pode nos transmitir o que a personagem verdadeiramente pensa.

3.4 Subjetividade do Objeto

Para Béla Belázs cada ângulo é uma escolha que se refere a determinado aspecto e sentimento do ser, objeto, ou fenómeno natural enquadrado. O enquadramento põe o espectador dentro do olhar da personagem; ele é capaz não só de visualizar, mas de sentir o mesmo que a protagonista que se encontra na ação.

3.5 Algo Mais Sobre a Identificação

Existe a realidade do objeto e o que vê o espectador. As duas dependem de um ponto de vista do operador de câmera. Ele enquadra de acordo com o seu interesse; se deseja relacionar o personagem feliz ao objeto, irá trabalhar a luz e a disposição do mesmo no espaço para que o espectador tenha esta sensação, se caso contrário o intento é fazer com que alguém pareça raivoso, escolherá o ângulo certo dentro do enquadramento com sombras, distorção e disposição no espaço. É muito similar ao que acontece na escolha de fotografias que ilustram jornais e revistas, e que o ângulo é escolhido dependendo do político ou personalidade que se queira retratar; uma boca torta ou um dedo apontado para o ar podem dar uma ideia que não condiga com a realidade. Mas sim àquela que servirá de pano de fundo para estampar o tom que o veículo deseja. A composição da imagem é a personalidade do diretor, e do operador de câmera, e são as suas marcas. E nos dão o verdadeiro valor de sua arte.

3.6  Mundos Antropomórficos

Em tudo que o ser humano pousa o olhar existe a lembrança de uma sensação. Seja ela tranquilizadora, repulsiva ou mesmo indiferente. Em todas as artes se tenta fazer esta assimilação e despertar o seu sentimento. Este é o objetivo de todo artista. E a conclusão de Béla Belázs é que o cinema sendo a arte da imagem não pode desperdiçar um milímetro dela, toda representação cinematográfica tem de ser sentimento.

4.0 Conclusão

Vivemos num tempo em que o cinema é sobretudo diálogo e os nossos sentidos são pouco explorados. É como diz a máxima: “Olha, mas não vê, escuta, mas não ouve”. Nosso repertório de expressões e capacidade de leitura das mesmas engessaram com o tempo. Num contato mais aprofundado com a história do cinema é perceptível como o mesmo tem perdido ao longo do tempo como arte da imagem. O cinema tornou-se uma arte das palavras. A expressão dos sentimentos dentro das imagens cinematográficas tem ficado em segundo plano. Não se pode generalizar, mas é um fato. Os atores em cena estão sempre a nos guiar com as suas palavras. A imagem passou a ilustrar a fala quando poderia ser o inverso. O texto analisado foi escrito em 1923. Com o passar dos anos os estudos de psicologia e neurociência vieram corroborar ainda mais com o que escreveu Beláz quase um século antes. Béla Belázs nos alerta que cada vez mais somos amparados por discursos, e não conseguimos perceber que muitas vezes eles não estão de acordo com gestos e olhares. É crucial para um artista perceber que dentro do universo do cinema; a fotografia é tão importante quanto o roteiro, os diálogos, e a expressão dos atores. Porque não seguir os personagens e suas atitudes e interpretar o que eles sentem e pretendem? E se nós fôssemos educados nesta arte? É sabido que os psicopatas são incapazes de sentir empatia. Nós também seremos dentro de uma sociedade que caminha para se tornar cada vez mais neurotizada e robotizada. Belázs fala em educação dos sentidos. Vivemos no automático, como se diz, com medo dos outros e incapazes de nos pôr em seu lugar. O problema sempre está lá fora, nunca aqui dentro. A arte é apenas um reflexo da realidade, talvez por isto, esta falta de expressão tenha se refletido no cinema. Se hoje o cinema voltasse a ser mudo, quantas pessoas seriam capazes de seguir as suas estórias? Belázs nos lembra que o cinema sonorizado também não explorou os nossos ouvidos de todo. Feche os olhos e ouça quantos sons você não percebe à sua volta. Quantos prédios localizados em ruas pelas quais você passa todos os dias e não os percebe a não ser que alguém chame a atenção para eles. Podemos mesmo tergiversar que se a sociedade receber educação sentir e interpretar o mundo, talvez não fosse tão violenta e desigual. Quantas pessoas podem fazer uma leitura de si mesmas através de um terapeuta? Quantas são as pessoas ao redor do mundo que podem se orgulhar de parar em frente a um quadro e tentar entender as intenções do artista? Não é uma questão de puritanismo, mas sim de escolhas. Quando a maior parte do mundo acredita que uma batida frenética e colorida da música pop é o ápice que um artista pode chegar, há cada vez menos o tempo para a contemplação e exercício do cérebro. Quem perde com este espectador educado para ser um robô; que assim como uma criança de poucos anos que só entende o livro com figuras descritivas, não é o cinema, e sim, todos nós. Estudar Béla Belázs é dar um salto qualitativo na expressão de suas próprias experiências. E ampliar não só sua arte, mas também o seu entendimento e sua capacidade de expressão diante de um mundo que se encontra anestesiado.

4.1 Referência


Ismail Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal, 1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.

Béla Belázs e o Homem Visível

Vivemos num tempo em que o cinema é sobretudo diálogo e os nossos sentidos são pouco explorados. É como diz a máxima: “Olha, mas não vê, escuta, mas não ouve”. Nosso repertório de expressões e capacidade de leitura das mesmas engessaram com o tempo. Num contato mais aprofundado com a história do cinema é perceptível como o mesmo tem perdido ao longo do tempo como arte da imagem. O cinema tornou-se uma arte das palavras. A expressão dos sentimentos dentro das imagens cinematográficas tem ficado em segundo plano. Não se pode generalizar, mas é um fato. Os atores em cena estão sempre a nos guiar com as suas palavras. A imagem passou a ilustrar a fala quando poderia ser o inverso. O texto analisado foi escrito em 1923. Com o passar dos anos os estudos de psicologia e neurociência vieram corroborar ainda mais com o que escreveu Beláz quase um século antes. Béla Belázs nos alerta que cada vez mais somos amparados por discursos, e não conseguimos perceber que muitas vezes eles não estão de acordo com gestos e olhares. É crucial para um artista perceber que dentro do universo do cinema; a fotografia é tão importante quanto o roteiro, os diálogos, e a expressão dos atores. Porque não seguir os personagens e suas atitudes e interpretar o que eles sentem e pretendem? E se nós fôssemos educados nesta arte? É sabido que os psicopatas são incapazes de sentir empatia. Nós também seremos dentro de uma sociedade que caminha para se tornar cada vez mais neurotizada e robotizada. Belázs fala em educação dos sentidos. Vivemos no automático, como se diz, com medo dos outros e incapazes de nos pôr em seu lugar. O problema sempre está lá fora, nunca aqui dentro. A arte é apenas um reflexo da realidade, talvez por isto, esta falta de expressão tenha se refletido no cinema. Se hoje o cinema voltasse a ser mudo, quantas pessoas seriam capazes de seguir as suas estórias? Belázs nos lembra que o cinema sonorizado também não explorou os nossos ouvidos de todo. Feche os olhos e ouça quantos sons você não percebe à sua volta. Quantos prédios localizados em ruas pelas quais você passa todos os dias e não os percebe a não ser que alguém chame a atenção para eles. Podemos mesmo tergiversar que se a sociedade receber educação sentir e interpretar o mundo, talvez não fosse tão violenta e desigual. Quantas pessoas podem fazer uma leitura de si mesmas através de um terapeuta? Quantas são as pessoas ao redor do mundo que podem se orgulhar de parar em frente a um quadro e tentar entender as intenções do artista? Não é uma questão de puritanismo, mas sim de escolhas. Quando a maior parte do mundo acredita que uma batida frenética e colorida da música pop é o ápice que um artista pode chegar, há cada vez menos o tempo para a contemplação e exercício do cérebro. Quem perde com este espectador educado para ser um robô; que assim como uma criança de poucos anos que só entende o livro com figuras descritivas, não é o cinema, e sim, todos nós. Estudar Béla Belázs é dar um salto qualitativo na expressão de suas próprias experiências. E ampliar não só sua arte, mas também o seu entendimento e sua capacidade de expressão diante de um mundo que se encontra anestesiado.

Bibliografia:
Ismail Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal, 1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.
https://www.academia.edu/43097441/Recens%C3%A3o_Cr%C3%ADtica_O_Homem_Vis%C3%ADvel_de_B%C3%A9la_Bel%C3%A1zs