Eu
tinha bastante material à mão. Gravava entre uma e outra tarefa do dia a dia. Como
era um filme sobre o isolamento social filmava em casa. O que facilitou filmar à
vontade na obtenção de imagens que pudessem ser interessantes aos meus
objetivos. Tenho pouca experiência como operador de câmera, e o equipamento que
possuía era um aparelho celular. Já participei da produção de documentários, videoclipes
e curtas em que estive presente em todo o processo. Mas sempre assessorado por
ótimos profissionais. Então esta era a primeira vez em que atuava sozinho nestes
campos.
Embora quisesse reproduzir em meu filme à ideia de
câmera na mão, referência direta a movimentos
cinematográficos alternativos de vanguarda e autorais. Mas durante as filmagens
estava preocupado se iria balançar muito o celular. E até que ponto isto
poderia ser considerado como uma opção artística ao invés de uma deficiência
técnica. A câmera a balançar desde o início fazia parte de uma opção estética para
o filme. Quando filmei algumas fotografias que aparecem na edição final não dei
estabilidade completa à câmera. O que me deixou inseguro. Munido do material
filmado iniciei a montagem. Durante o processo fui em busca de takes que
me satisfizessem, e consegui selecionar os que me pareciam mais aprazíveis.
Em relação ao equipamento eu não tinha intimidade com os
filtros e com o set da câmera do aparelho. Mas busquei o filtro clássico
que dava o efeito de imagem antiga que artisticamente fazia parte da proposta
inicial do filme. Eu iria usar o preto e branco que assumi como uma das marcas
do trabalho em questão. Mas esta não foi uma escolha aleatória, pois ela veio
junto da necessidade de mostrar as dificuldades da produção, e de fortalecer à
insinuação de trabalho “artesanal” com poucos artefatos tecnológicos
sofisticados. Além, de como já foi dito, exaltar novas vagas presentes na
história do cinema. Utilizei a vinheta e isto me deixou satisfeito, já
que desejava sublinhar os muitos objetos circulares presentes em meu filme, que
remetiam ao ciclo que se repetia nos longos dias trancados que transcorriam
lentamente. Tentei adaptar as minhas opções estéticas às limitações de recursos.
Sobre o áudio do filme adaptei o som à minha volta ao
ritmo da montagem. É possível ouvir algumas marteladas. Ficou de fora uma
furadeira que ainda ouço enquanto escrevo este texto. Existe uma obra no prédio
ao lado que começou na época das filmagens. Alguns cortes foram feitos no
intervalo das marteladas e dos sons graves como a marcação do bumbo de uma
bateria. E isto despertou uma vontade imensa de aprofundar ainda mais o
tratamento do som. Ao fazer este filme a sonorização mostrou a sua enorme importância
na montagem. Foi uma redescoberta. E senti ânsia de aprofundar com mais afinco o
trabalho e conhecimento da mixagem de som.
Não obstante tenha ficado satisfeito, pois tendo em
mãos o imenso material bruto que possuía, as minhas escolhas foram facilitadas.
Eu podia cismar com um take, mas sempre havia outro para substituí-lo, e
se um take estava insatisfatório, ou uma cena apresentava muitos ruídos,
eu tinha em minha mão um leque de opções. Acho que isto ao final foi o que fez
toda a diferença. A quantidade de cenas filmadas se tornou essencial para que
eu pudesse ter opções, o que me deixou com uma gama de possibilidades que facilitaram
a construção do curta.
O filme é dividido em dois capítulos. Eu havia feito
um primeiro corte da segunda parte que tive de refazer completamente. Não
gostei da soma final e cheguei à conclusão de que era precipitado. Estava
correndo demais com o ritmo do filme. Mesmo que a velocidade dos cortes fosse
uma de suas características. Apesar do
que havia concebido inicialmente, senti necessidade de que os planos fossem um
pouco mais contidos
Existe um respiro no meio do curta. Tive receio, mas
precisava que o filme desacelerasse naquele ponto. Eu temia que no primeiro
corte da segunda parte, ele corresse tanto que fosse impossível acompanhar seu
raciocínio. Tanto é que tive de refazer o corte completamente, como já citado
acima. Apaguei tudo que estava na timeline. Não fiquei satisfeito com o
resultado e parti para outra montagem. Percebi outro problema de minha
concepção anterior; o tempo do filme não era o tempo de sua realidade.
Na nova montagem utilizei duas vezes o efeito chamado
de cross dissolver. Eu tinha consciência de que este efeito era muito
usado em determinadas situações, e que em outras ele havia caído em desuso. Ele
é utilizado sobretudo em algumas ocasiões para representar passagem de tempo. Não
usei o efeito com esta premissa. E sim por um viés artístico em que entendi que
a regra do filme pedia. Senti necessidade que soasse daquela forma. Eu queria
usar o cross dissolver mesmo que parecesse tosco como o jump cut
de Jean-Luc Godard quando ele era apenas uma novidade. Eu sabia que era um
clichê. Mas quando editei o filme, senti necessidade que ele soasse daquela
forma. Utilizei o efeito na junção de dois planos longos. Embora pudesse
simplesmente suprimir esses quadros. Ao invés de usar o esteticamente feio, mas
instigante jump cut como fiz em alguns momentos.
Aprendi muito com este processo. E o interessante foi
que pelo fato de estar sozinho, como todo mundo, aliás, tive de me virar e
encarar situações que evitava. Como segurar uma câmera e editar completamente
sozinho.
Um erro crasso que cometi foi com os créditos. Usei um
crédito criativo que não desejava mexer, pois foi apresentado de forma
inusitada como o resto do filme. Mas deixei de fazer uma ficha técnica mais
apurada, e que estivesse de acordo com um trabalho profissional. Novamente de
maneira optativa. Depois repensei bastante sobre o caso, e concluí que
realmente poderia ser refeito. Tem simplesmente os títulos e o crédito do
realizador. Pensei que por se tratar de um filme de âmbito escolar e interno, seria
adequado. Deixei passar a oportunidade da premissa profissional.
No processo de um filme existem problemas na
organização que acabam por ter implicações no trabalho artístico. Mas no geral,
realmente fiquei bastante satisfeito com o filme. E sempre que tiver oportunidade
irei mostrá-lo para alguém. Aprendi muito com este processo. E o interessante
foi que pelo fato de estar sozinho, como todo mundo, aliás, tive de me virar e
encarar situações que temia. Perdi o medo. E o mais importante senti prazer com
o trabalho.
Referências:
Valentim,
Delano; Pré-produção de Curta Universitário: A Curva Achatada. Delano Valentim,
Ano 2020
A
Curva Achatada… (2020)
https://www.youtube.com/watch?v=9F5peLXblD0&t=9shttps://www.academia.edu/43151233/Considera%C3%A7%C3%B5es_Sobre_um_Filme_Universit%C3%A1rio