Aci
Trezza é uma aldeia siciliana. Grande parte dos seus habitantes sobrevive da
pesca. Na Itália do pós-guerra que há pouco abandonara o fascismo, nesta
paisagem de belos cenários naturais, é ambientado La Terra Trema.
Os
pescadores que interpretam o seu próprio cotidiano, dão o tom realista que o
filme necessita para contar esta dura realidade. Os trabalhadores normalmente
explorados pelos grossistas que impõem os preços baixos dos peixes. São os
únicos com os quais conseguem negociar, pois eles mantêm o monopólio de compra
e venda.
No
meio do conflito encontra-se à família Valastros que perdeu o principal
provedor num acidente marítimo. Os Valastros são formados pelo avô, a mãe viúva
com um filho de colo, os dois garotos Vanni e Alfio, as duas jovens Mara e
Lucia, a menina Lia, e os irmãos já homens, Antônio e Cola.
No
olhar distante da mãe calada se vê à mulher resignada com o seu destino. E que
prontamente acata as decisões de Antônio. O filho mais velho que ficou no lugar
do pai, e que como homem da casa decide o futuro da família. Mesmo quando todos
os seus conterrâneos dizem estar errado.
O
avô é um velho pescador que discorda dos arroubos da juventude. Ele teme as
decisões que o neto toma. Diz que sempre viveu daquela forma. Parece ser o
exemplo de comodismo, representado por alguém que durante toda a vida repetiu
que manda quem pode, e obedece quem tem juízo. Não quer se opor, aceita as
coisas como elas são. Pelo contrário, teme a revolta do neto Antônio quando
esta se apresenta, e prevê o fim trágico que suas decisões terão.
As
crianças são trabalhadoras. Eles têm que ajudar os irmãos. Não brincam.
trabalham para comer. Ficam felizes quando há trabalho. Copiam os irmãos em sua
busca pela sobrevivência. São pequenos adultos. Numa cena, Vanni que costura
uma rede com a qual pesca a beira mar para o próprio sustento. Depois que toda
a família perdeu o emprego. Quando vê Alfio que olha os vizinhos que cozinham
em frente a casa, diz ao irmão menor, “Alfio, se você ficar olhando irá ficar
com mais fome.” Alfio é o menino de cabelo dourado que acompanha Antônio em sua
ida até aos grossistas, quando tudo dá errado. Ele olha demoradamente para os
homens que debocham do seu irmão. Enquanto eles sorriem, Alfio fixa o olhar em
silêncio, e sente à humilhação do outro.
Lúcia
é o elo fraco da corrente. A rapariga sonhadora dos romances açucarados. Sonha com um príncipe
encantado que irá tirá-la daquele mundo de desgraças. Numa das cenas, ela conta
um desses sonhos românticos para a pequena Lia. Logo, Lúcia, alvo fácil, é
atraída por Don Salvatore, il marescialllo dei carabinieri. Um policial local.
Salvatore mexe com Lucia quando esta passa por ele. Na salga dos peixes em que
a família e os vizinhos estão presentes, novamente faz menção à beleza de
Lucia. Até que se põe à janela, e começa a ofertar pequenos presentes à menina
que caí em sua lábia. Mara, a irmã mais velha e responsável,
percebendo o perigo, e com medo do que os vizinhos iriam pensar, pede à Lucia
que se afaste do homem. Lucia não dá a mínima à irmã. Já é tarde. Ela aceita os
presentes, briga com Mara, e na noite em que o avô passa mal, Lucia dorme fora
de casa. Numa discussão diz a Mara que ninguém vai casar ficando trancado.
Depois do fracasso do negócio, Antônio passa as noites com bêbados vagabundos num
bar. Não sabe que o policial, que assobia, e do qual se esconde, por causa da
bagunça que fazem, volta de um encontro com a sua irmã. Ninguém mais vai querer
casar com Lucia. Diz o narrador. Ela caiu em desgraça. Foi desonrada. O vizinho
que é uma espécie de capataz dos grossistas, e que não gosta de Antônio, diz
que ele não sabe o que acontece debaixo do próprio nariz. Numa clara referência
ao deslize fatal de Lucia. O moralismo é rígido.
Mara
é a irmã que vai tomar o lugar da mãe. Com o seu temperamento doce cuida dos
irmãos como se eles fossem responsabilidade dela. Até os nós de suas gravatas é
ela quem dá quando eles vão ao cartório hipotecar a casa. Antônio grita quando
quer comer. Mara aceita tudo com naturalidade. Enquanto Lucia culpa o irmão
pelo infortúnio da família. O único luxo de Mara é Nicola. O pedreiro que
pretende casar com ela, e com quem conversa. Quando o Antônio cria o negócio da
família, Nicola desiste do casamento, e os dois chegam a conclusão de que não
podem ficar juntos. Nicola aceita imediatamente a mudança de status de Mara. É
uma cultura implacável, pois o mesmo acontece quando Antônio vai à falência, e
é imediatamente abandonado por Nedda, a namorada com quem pretendia casar. Em
Aci Trezza os supostamente ricos ficam juntos. Quando os Valastros chegam à
bancarrota, antes de mudarem para outra casa, Lúcia diz a Nicola que vá
visitá-la. Esta é a única esperança que existe no filme. O fim de desses dois
obedientes.
Cola
não vê futuro para si. É o braço direito de Antônio e o primeiro a pedir
arrego. Ele não pode lutar contra o próprio destino. Depois do fracasso, decidi
que irá contribuir mais com a família estando fora. É atraído por um mafioso
que fuma cigarros Lucky Strike. Cigarros americanos, como um dos personagens
diz admirado. Cola insinua a Antônio que deseja ir embora. Diz ao irmão que
serviu à tropa, que como ele ainda não viajou. O que parece ser uma lembrança
de uma época de ouro para a família, que adora ver Antônio fardado naquele
antigo retrato desbotado. Cola arruma a mochila de madrugada, e pega parte do
dinheiro que Vanni guardou num canto do quarto. Ele vai embora com um grupo de
homens aliciado pelo contrabandista. É melhor fugir, e arriscar ser preso do
que ficar em Aci Trezza. Antônio vai atrás de Cola, mas uma criança o avisa que
o oficial de justiça chegou com a ordem de despejo. Lá se foi Antônio correndo.
Cola seguiu o seu destino. Ali não há salvação. Aci Trezza é sufocante para
quem é pobre e desempregado.
Antônio
representa a esperança, a rebeldia, o certo, aquilo que é correto, e justo.
Antônio é a liberdade. Mas entre ele e os seus sonhos o real se impõe. A
maioria prefere ficar calada. Ele é um homem só. É mais fácil ser covarde do
que procurar uma saída. Ele, em sua ingenuidade, foi de encontro com o sistema,
mas será mesmo ingênuo? Antônio pagou um preço caro por isso. E se os outros se
unissem a ele? Ninguém vive de talvez. Antônio estava certo. Era um homem com
ideais nobres. Mas por causa de uma maioria estagnada, sofreu por ser justo.
Por ser verdadeiro. Quem sabe fosse isto que Visconti queria mostrar com o seu
filme. O problema não era Antônio. E sim os outros que não acompanharam o seu
raciocínio. É um filme de desesperança? Aparentemente sim. Pode ser também um
grito para frente. Não podemos esquecer o contexto em que o próprio Visconti e
a Itália viviam. Antônio volta a trabalhar para os grossistas. Será mais um,
assim como o pai e o avô, que trabalharam até a morte para os outros. Mas com
certeza, o exemplo negativo não é Antônio, e sim os que ficaram calados. A
esperança não depende de Antônio, e sim deles, ele fez sua parte. O mar é
amargo, como Antônio diz. E nas palavras do narrador, em tradução livre, não há
tempo bom que dure, nem tempo ruim que perdure. Em depoimento (Luchino
Visconti: Clareta Tonetti, 1983. Columbus Filmmakers, ver página 34) Visconti
diz que nunca foi tão feliz como nos anos de resistência, em que as mães dos
seus amigos não dormiam enquanto eles não chegassem. Talvez a mensagem seja
esta; diferente dele, sozinho, Antônio não iria conseguir fazer as mudanças que
todos desejavam.
https://www.academia.edu/42961656/La_Terra_Trema_-_Delano_Valentim
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