segunda-feira, 18 de maio de 2020

Recensão Crítica O Homem Visível de Béla Belázs

Índice


1.2 O Homem Visível 1923
1.3 Nós Estamos no Filme
1.4 Identificação
1.5 O Close-Up
2.0 A Face das Coisas
2.1 O Som é Indivisível
2.1 O Som no Espaço
2.3 A Vida Visual
2.4 Charme Lírico do Close-up
3.0 A Face do Homem
3.1  Uma Nova Dimensão
3.2 Melodia e Fisionomia
3.3 Solilóquio Silencioso
3.4 Subjetividade do Objeto
3.5 Algo Mais Sobre a Identificação
3.6  Mundos Antropomórfico
4.0 Conclusão
4.1 Referência



1.2  O Homem Visível 1923

Ismail Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal, 1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.
Os nossos ancestrais primitivos se comunicavam através dos gestos e das expressões faciais. O ser humano era o que Béla Belázs classificou como Homem Visível, pois suas emoções transbordavam visualmente. Ao seguir estes movimentos a língua produziu os sons que levaram à fala. Béla Belázs acreditava que muito da linguagem não-verbal foi perdida.
Outro momento das comunicações humanas veio com o surgimento da imprensa. A palavra passou a transportar à alma humana representada por conceitos. O espírito visual foi trocado pelo espírito legível. Por isto os povos sem escrita carregam uma biblioteca maior de expressão não-verbal. Enquanto o homem culto tem empobrecida a sua comunicação facial.
Béla Belázs afirmava que através do cinema o Homem Visível iria ressurgir. Embora reconhecesse que nem todos os países tivessem condições de criar um mercado cinematográfico. A linguagem do cinema tornou-se universal para ser entendida por todos.

1.3 Nós Estamos no Filme

O cinema aproximou o mundo subjetivo do artista ao interior do espectador. O maior mérito da câmera não é mostrar ou desvendar um universo novo, e sim apresentar de maneira diferente o que já conhecemos.

1.4 Identificação

Béla Belázs afirma que no cinema somos os olhos da personagem e que nunca numa obra de arte o público pôde participar tão ativamente, e se sentir dentro da ação ao se identificar com uma protagonista. Devemos acrescentar que este é o mesmo efeito que a literatura pode causar num leitor. O que não existe é uma identificação que se manifeste visualmente como no cinema. Mas no campo subjetivo é possível afirmar que nossa identificação com a personagem de um romance pode ser tão intensa quanto com à de uma longa-metragem.

1.5 O Close-Up

O close-up representa uma parte e não o todo. Não dá o panorama geral da paisagem, e sim foca num detalhe. O close-up sublinha um indivíduo numa multidão. Podemos dizer que o close-up com esta aproximação nos mostra à emoção escondida. Ele é o responsável por àquela pequena expressão de medo e ansiedade que se tornam visíveis.

2.0 A Face das Coisas

O Que Une as Visões Parciais?

O público tem de ser educado para pensar em como as partes de um filme se juntam no tempo, pois elas não estão juntas no espaço. Belázs crê que um plano tem de dar indicação de outro para que o nosso cérebro faça as conexões necessárias, e que cheguemos a conclusões que montem o verdadeiro sentido que o diretor quer transmitir. Um objeto pode dar indicação de continuidade dentro de uma ação. Ele cita à música que nos põe dentro de uma boate, onde logo após aparece o close-up de uma flor, mas quando abre o plano ela está em outro local onde será dada à continuidade da ação. Esta afirmação de Belázs pode ser contestada tendo em vista movimentos como o Surrealismo. Embora mesmo nestes movimentos possamos perceber a existência da associação de ideias à qual Belázs se refere. Vale ressaltar que ainda hoje parte do público tem de ser orientado para assistir alguns filmes que irão depender de compreensões que carecem de conhecimentos individuais.


2.1 O Som é Indivisível

O som não pode se fragmentar no espaço como a imagem extraída da câmera. O som aproximado ou distante sofre variação em sua intensidade. Dentro desta observação, podemos pensar que Belázs não previu experimentações cinematográficas que advieram da manipulação das novas tecnologias.

2.1 O Som no Espaço

O cinema sonoro poderia ter educado os novos ouvidos, assim como o cinema mudo deveria ter sensibilizado o nosso olhar. Com o cinema falado toda a oportunidade foi perdida. A fala deixou os nossos sentidos acomodados.

2.2 A Face das Coisas

O close-up no cinema mudo buscou o que era intrínseco a um objeto ou ser, e nos conduziu a uma visão ampliada do tempo. Belá Belázs reforça à ideia de que a câmera não trouxe nada novo, apenas afinou a nossa sensibilidade dando maior destaque ao que deixávamos de perceber.

2.3 A Vida Visual

O close-up nos fez ver uma parte desconhecida, que explica mais do que um grupo de gestos. Belázs diz que os grandes filmes são feitos com bons close-ups. Pois o  close-up pode identificar. De acordo com Belázs não entender o close-up será como ignorar os instrumentos separados de uma sinfonia. É ser igual um ouvinte que capta a melodia principal e não os instrumentos em separado. Através dessas partes podemos ter uma compreensão melhor do todo.

2.4 Charme Lírico do Close-up

Os close-ups são os dedos que se movem nervosamente sobre as pernas, enquanto o rosto se mantém impassível amparado por um discurso coerente. O close-up  revela mais do que o simples detalhe naturalista, ele é a escolha correta e infalível do bom operador de câmera no pleno domínio de sua arte. Ele revela o lado obscuro dos objetos e tudo o que se encontra nas sombras. O close-up irá conduzir a estória, pois ele é o leitmotiv que serve de prenúncio para as mudanças drásticas que anunciam os acontecimentos ou desvendam o que os olhos não alcançam quando estão anestesiados por outros sentidos.

3.0 A Face do Homem

Belázs cita Marx para dizer que toda arte é uma manifestação humana. Mesmo quando um close-up mostra um objeto, ele evidencia o ser humano. Os objetos como nossas criações são reflexos da personalidade humana. O close-up traduz nossa alma. Ele é responsável por levar ao subjetivo.

3.1  Uma Nova Dimensão

O close-up apresenta outra dimensão no espaço quando mostra uma expressão facial e nuances de sentimentos que representam uma emoção não explícita. Se vê apenas parte de um corpo, e ao invés de uma ação a subjetividade presente em um pensamento que independe da concepção corporificada do mundo como conhecemos.

3.2 Melodia e Fisionomia

Assim como a melodia, que para Henri Bergson; não existe sozinha no tempo e no espaço, e sim em conjunto, pois a primeira nota só existe em junção com a segunda, e assim sucessivamente. Quando a primeira nota é tocada evoca a última; o que faz com que entendamos que uma não existe sem a outra, e que elas representam a melodia. Assim como as várias expressões faciais que não existem sozinhas, remetem a pensamentos, sentimentos e emoções que estão de acordo uns com os outros. O cinema reitera a dimensão da fisionomia. Assim como a nota da melodia de um instrumento faz parte da sinfonia. Uma expressão facial expressa os sentimentos que compõem um indivíduo.

3.3 Solilóquio Silencioso

Béla Belázs defende que no teatro não existe mais o solilóquio silencioso. E que é impossível uma personagem se expressar sinceramente com as palavras. A única possibilidade no cinema é o solilóquio silencioso. Representado num simples mover de músculos da expressão facial que pode contrariar todo o discurso cínico que advém da fala. Somente um close-up, pode pescar um ser solitário com sua solidão extrema no meio da multidão. Mas se levarmos em conta, que personagens não são como pessoas, que precisam dissimular suas emoções em determinadas situações por causa de pressões sociais, nós poderemos criar uma opinião paralela ao que diz Béla Belázs. Pois tanto escritores como roteiristas e dramaturgos podem nos comunicar o que está no íntimo das personagens, e no caso da literatura isto fica ainda mais evidente. Mesmo que o romance não seja narrado em primeira pessoa; o narrador onipresente pode nos transmitir o que a personagem verdadeiramente pensa.

3.4 Subjetividade do Objeto

Para Béla Belázs cada ângulo é uma escolha que se refere a determinado aspecto e sentimento do ser, objeto, ou fenómeno natural enquadrado. O enquadramento põe o espectador dentro do olhar da personagem; ele é capaz não só de visualizar, mas de sentir o mesmo que a protagonista que se encontra na ação.

3.5 Algo Mais Sobre a Identificação

Existe a realidade do objeto e o que vê o espectador. As duas dependem de um ponto de vista do operador de câmera. Ele enquadra de acordo com o seu interesse; se deseja relacionar o personagem feliz ao objeto, irá trabalhar a luz e a disposição do mesmo no espaço para que o espectador tenha esta sensação, se caso contrário o intento é fazer com que alguém pareça raivoso, escolherá o ângulo certo dentro do enquadramento com sombras, distorção e disposição no espaço. É muito similar ao que acontece na escolha de fotografias que ilustram jornais e revistas, e que o ângulo é escolhido dependendo do político ou personalidade que se queira retratar; uma boca torta ou um dedo apontado para o ar podem dar uma ideia que não condiga com a realidade. Mas sim àquela que servirá de pano de fundo para estampar o tom que o veículo deseja. A composição da imagem é a personalidade do diretor, e do operador de câmera, e são as suas marcas. E nos dão o verdadeiro valor de sua arte.

3.6  Mundos Antropomórficos

Em tudo que o ser humano pousa o olhar existe a lembrança de uma sensação. Seja ela tranquilizadora, repulsiva ou mesmo indiferente. Em todas as artes se tenta fazer esta assimilação e despertar o seu sentimento. Este é o objetivo de todo artista. E a conclusão de Béla Belázs é que o cinema sendo a arte da imagem não pode desperdiçar um milímetro dela, toda representação cinematográfica tem de ser sentimento.

4.0 Conclusão

Vivemos num tempo em que o cinema é sobretudo diálogo e os nossos sentidos são pouco explorados. É como diz a máxima: “Olha, mas não vê, escuta, mas não ouve”. Nosso repertório de expressões e capacidade de leitura das mesmas engessaram com o tempo. Num contato mais aprofundado com a história do cinema é perceptível como o mesmo tem perdido ao longo do tempo como arte da imagem. O cinema tornou-se uma arte das palavras. A expressão dos sentimentos dentro das imagens cinematográficas tem ficado em segundo plano. Não se pode generalizar, mas é um fato. Os atores em cena estão sempre a nos guiar com as suas palavras. A imagem passou a ilustrar a fala quando poderia ser o inverso. O texto analisado foi escrito em 1923. Com o passar dos anos os estudos de psicologia e neurociência vieram corroborar ainda mais com o que escreveu Beláz quase um século antes. Béla Belázs nos alerta que cada vez mais somos amparados por discursos, e não conseguimos perceber que muitas vezes eles não estão de acordo com gestos e olhares. É crucial para um artista perceber que dentro do universo do cinema; a fotografia é tão importante quanto o roteiro, os diálogos, e a expressão dos atores. Porque não seguir os personagens e suas atitudes e interpretar o que eles sentem e pretendem? E se nós fôssemos educados nesta arte? É sabido que os psicopatas são incapazes de sentir empatia. Nós também seremos dentro de uma sociedade que caminha para se tornar cada vez mais neurotizada e robotizada. Belázs fala em educação dos sentidos. Vivemos no automático, como se diz, com medo dos outros e incapazes de nos pôr em seu lugar. O problema sempre está lá fora, nunca aqui dentro. A arte é apenas um reflexo da realidade, talvez por isto, esta falta de expressão tenha se refletido no cinema. Se hoje o cinema voltasse a ser mudo, quantas pessoas seriam capazes de seguir as suas estórias? Belázs nos lembra que o cinema sonorizado também não explorou os nossos ouvidos de todo. Feche os olhos e ouça quantos sons você não percebe à sua volta. Quantos prédios localizados em ruas pelas quais você passa todos os dias e não os percebe a não ser que alguém chame a atenção para eles. Podemos mesmo tergiversar que se a sociedade receber educação sentir e interpretar o mundo, talvez não fosse tão violenta e desigual. Quantas pessoas podem fazer uma leitura de si mesmas através de um terapeuta? Quantas são as pessoas ao redor do mundo que podem se orgulhar de parar em frente a um quadro e tentar entender as intenções do artista? Não é uma questão de puritanismo, mas sim de escolhas. Quando a maior parte do mundo acredita que uma batida frenética e colorida da música pop é o ápice que um artista pode chegar, há cada vez menos o tempo para a contemplação e exercício do cérebro. Quem perde com este espectador educado para ser um robô; que assim como uma criança de poucos anos que só entende o livro com figuras descritivas, não é o cinema, e sim, todos nós. Estudar Béla Belázs é dar um salto qualitativo na expressão de suas próprias experiências. E ampliar não só sua arte, mas também o seu entendimento e sua capacidade de expressão diante de um mundo que se encontra anestesiado.

4.1 Referência


Ismail Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal, 1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.

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