terça-feira, 19 de maio de 2020

La Terra Trema: Uma Análise

Índice

3. La Terra Trema

3.1 Créditos

3.2 Produção

3.3 Valor Histórico

3.4 Prêmio

4. Luchino Visconti

4.1 Biofilmografia

5. La Terra Trema

5.1 La Terra Trema: Uma Análise

5.2 Bibliografia



3.1 Créditos

Realização
Luchino Visconti com assistência de Francesco Rossi e Franco Zefirelli

Argumento e Adaptação
Luchino Visconti, livremente inspirado no romance I Malavoglia, de Giovanni Verga

Cenários Naturais
Aci Trezza, Sicília

Montagem
Willy Ferrero e Luchino Visconti

Fotografia
Aldo Graziati

Interpretação
Pescadores de Aci Trezza

Produção
Salvo d` Angelo


3.2 Produção

Em 1947 Luchino Visconti chegou à Sicília com uma equipe reduzida e o mínimo de equipamentos. Pretendia criar a curta-metragem inspirada no livro I Malavogli de Giovanni Verga.
Aproximavam-se às eleições e o Partido Comunista Italiano decidiu que seria boa ideia investir num documentário sobre pescadores sicilianos, e adiantou seis milhões de liras para a sua produção.
Ao chegar à Sicília Visconti resolveu filmar uma longa-metragem de ficção.
As rodagens foram muitas vezes interrompidas por falta de dinheiro. Visconti voltou ao continente e vendeu alguns móveis seus para continuar as filmagens.
O cineasta obteve ajuda de um amigo chamado Alfredo Guarani. E o produtor Salvo d`Ângleo convenceu o Banco da Sicília e a Máfia a participar da empreitada.
O filme foi rodado sem argumento, com o texto escrito minuciosamente em simultâneo, e interpretado por atores naturais. O elenco formou-se com os pescadores locais.
A obra dublada só chegou aos ecrãs italianos em 1950. Os compatriotas não entendiam o dialeto de Aci Trezza. La Terra Trema enfrentou muitas dificuldades para ser exibido, pois diziam que dava uma ideia errada da Itália no exterior.

3.3 Valor Histórico
La Terra Trema é um dos filmes neorrealistas mais importantes. O montador Mario Serandrei criou o termo neorrealista ao trabalhar em Obsessão, o primeiro filme de Visconti, que inaugurou o neorrealismo quatro anos antes.

3.4 Prêmio
Prêmio Internacional do Festival de Veneza (1948)

4.1 Biofilmografia

“A singular carreira cinematográfica de Visconti seguiu uma trajetória que vai do realismo mais implacável e quase documental, durante a época do neorrealismo italiano, ao refinamento estético próximo da decadência que caracteriza o seu último período.” Román Gubern, Salvat editora do Brasil, 1979, página 61.
Visconti, duque de Madrona, era membro da mais antiga aristocracia da Lombardia. Educado com acesso à cultura refinada, cedo aderiu ao marxismo. Humanista, com uma visão progressista do homem e da história, aproximou-se do povo. O que explica um pouco a característica singular de sua obra que percorre esses dois mundos distintos.
Em 1943 estreia Obsessão. Ao mostrar a realidade italiana rompe com o cinema da propaganda oficial.
La terra Trema é um filme de 1948 com forte denúncia social e próximo do documentário. Outro filme marcadamente surrealista é Belíssima de 1951. Uma critica ao endeusamento das estrelas de cinema.
Outros filmes importantes pertencem à fase operística e melodramática de Visconti. Senso (1953). O Leopardo (1963), considerado por muitos a sua obra-prima, é uma reflexão sobre o materialismo aristocrático. Le Notti Bianche (1957), adaptação do livro Noites Brancas de Dostoiévski. Rocco e Seus Irmãos (1960). O Estrangeiro (1967), adaptação do segundo romance do escritor e filósofo Albert Camus. E ainda Crepúsculo dos Deuses (1969), e Ludwig (1972).
“A pedra angular dos estados de espírito, da psicologia e dos conflitos, é para mim essencialmente social, embora as conclusões a que chego sejam apenas humanas e digam respeito concretamente a indivíduos considerados como tal. O fermento, o sangue que corre na história, está carregado de paixão cívica, de problemática social.” Luchino Visconte, Alain Sanzio / Paul-Louis Thirard, página 94.
“Depois houve a guerra; com a guerra, a resistência e, com a resistência, para um intelectual da minha formação, a descoberta de todos os problemas simultaneamente como problemas de estrutura e de orientação cultural, espiritual e moral.”  Luchino Visconte, Alain Sanzio / Paul-Louis Thirard, página 93.
5.1 La Terra Trema: Uma Análise

Aci Trezza é uma aldeia siciliana. Grande parte dos seus habitantes sobrevive da pesca. Na Itália do pós-guerra que há pouco abandonara o fascismo, nesta paisagem de belos cenários naturais, é ambientado La Terra Trema.
Os pescadores que interpretam o seu próprio cotidiano, dão o tom realista que o filme necessita para contar esta dura realidade. Os trabalhadores normalmente explorados pelos grossistas que impõem os preços baixos dos peixes. São os únicos com os quais conseguem negociar, pois eles mantêm o monopólio de compra e venda.
No meio do conflito encontra-se à família Valastros que perdeu o principal provedor num acidente marítimo. Os Valastros são formados pelo avô, a mãe viúva com um filho de colo, os dois garotos Vanni e Alfio, as duas jovens Mara e Lucia, a menina Lia, e os irmãos já homens, Antônio e Cola.
No olhar distante da mãe calada se vê à mulher resignada com o seu destino. E que prontamente acata as decisões de Antônio. O filho mais velho que ficou no lugar do pai, e que como homem da casa decide o futuro da família. Mesmo quando todos os seus conterrâneos dizem estar errado.
O avô é um velho pescador que discorda dos arroubos da juventude. Ele teme as decisões que o neto toma. Diz que sempre viveu daquela forma. Parece ser o exemplo de comodismo, representado por alguém que durante toda a vida repetiu que manda quem pode, e obedece quem tem juízo. Não quer se opor, aceita as coisas como elas são. Pelo contrário, teme a revolta do neto Antônio quando esta se apresenta, e prevê o fim trágico que suas decisões terão.
As crianças são trabalhadoras. Eles têm que ajudar os irmãos. Não brincam. trabalham para comer. Ficam felizes quando há trabalho. Copiam os irmãos em sua busca pela sobrevivência. São pequenos adultos. Numa cena, Vanni que costura uma rede com a qual pesca a beira mar para o próprio sustento. Depois que toda a família perdeu o emprego. Quando vê Alfio que olha os vizinhos que cozinham em frente a casa, diz ao irmão menor, “Alfio, se você ficar olhando irá ficar com mais fome.” Alfio é o menino de cabelo dourado que acompanha Antônio em sua ida até aos grossistas, quando tudo dá errado. Ele olha demoradamente para os homens que debocham do seu irmão. Enquanto eles sorriem, Alfio fixa o olhar em silêncio, e sente à humilhação do outro.
Lúcia é o elo fraco da corrente. A rapariga sonhadora dos romances açucarados. Sonha com um príncipe encantado que irá tirá-la daquele mundo de desgraças. Numa das cenas, ela conta um desses sonhos românticos para a pequena Lia. Logo, Lúcia, alvo fácil, é atraída por Don Salvatore, il marescialllo dei carabinieri. Um policial local. Salvatore mexe com Lucia quando esta passa por ele. Na salga dos peixes em que a família e os vizinhos estão presentes, novamente faz menção à beleza de Lucia. Até que se põe à janela, e começa a ofertar pequenos presentes à menina que caí em sua lábia. Mara, a irmã mais velha e responsável, percebendo o perigo, e com medo do que os vizinhos iriam pensar, pede à Lucia que se afaste do homem. Lucia não dá a mínima à irmã. Já é tarde. Ela aceita os presentes, briga com Mara, e na noite em que o avô passa mal, Lucia dorme fora de casa. Numa discussão diz a Mara que ninguém vai casar ficando trancado. Depois do fracasso do negócio, Antônio passa as noites com bêbados vagabundos num bar. Não sabe que o policial, que assobia, e do qual se esconde, por causa da bagunça que fazem, volta de um encontro com a sua irmã. Ninguém mais vai querer casar com Lucia. Diz o narrador. Ela caiu em desgraça. Foi desonrada. O vizinho que é uma espécie de capataz dos grossistas, e que não gosta de Antônio, diz que ele não sabe o que acontece debaixo do próprio nariz. Numa clara referência ao deslize fatal de Lucia. O moralismo é rígido.
Mara é a irmã que vai tomar o lugar da mãe. Com o seu temperamento doce cuida dos irmãos como se eles fossem responsabilidade dela. Até os nós de suas gravatas é ela quem dá quando eles vão ao cartório hipotecar a casa. Antônio grita quando quer comer. Mara aceita tudo com naturalidade. Enquanto Lucia culpa o irmão pelo infortúnio da família. O único luxo de Mara é Nicola. O pedreiro que pretende casar com ela, e com quem conversa. Quando o Antônio cria o negócio da família, Nicola desiste do casamento, e os dois chegam a conclusão de que não podem ficar juntos. Nicola aceita imediatamente a mudança de status de Mara. É uma cultura implacável, pois o mesmo acontece quando Antônio vai à falência, e é imediatamente abandonado por Nedda, a namorada com quem pretendia casar. Em Aci Trezza os supostamente ricos ficam juntos. Quando os Valastros chegam à bancarrota, antes de mudarem para outra casa, Lúcia diz a Nicola que vá visitá-la. Esta é a única esperança que existe no filme. O fim de desses dois obedientes.
Cola não vê futuro para si. É o braço direito de Antônio e o primeiro a pedir arrego. Ele não pode lutar contra o próprio destino. Depois do fracasso, decidi que irá contribuir mais com a família estando fora. É atraído por um mafioso que fuma cigarros Lucky Strike. Cigarros americanos, como um dos personagens diz admirado. Cola insinua a Antônio que deseja ir embora. Diz ao irmão que serviu à tropa, que como ele ainda não viajou. O que parece ser uma lembrança de uma época de ouro para a família, que adora ver Antônio fardado naquele antigo retrato desbotado. Cola arruma a mochila de madrugada, e pega parte do dinheiro que Vanni guardou num canto do quarto. Ele vai embora com um grupo de homens aliciado pelo contrabandista. É melhor fugir, e arriscar ser preso do que ficar em Aci Trezza. Antônio vai atrás de Cola, mas uma criança o avisa que o oficial de justiça chegou com a ordem de despejo. Lá se foi Antônio correndo. Cola seguiu o seu destino. Ali não há salvação. Aci Trezza é sufocante para quem é pobre e desempregado.
Antônio representa a esperança, a rebeldia, o certo, aquilo que é correto, e justo. Antônio é a liberdade. Mas entre ele e os seus sonhos o real se impõe. A maioria prefere ficar calada. Ele é um homem só. É mais fácil ser covarde do que procurar uma saída. Ele, em sua ingenuidade, foi de encontro com o sistema, mas será mesmo ingênuo? Antônio pagou um preço caro por isso. E se os outros se unissem a ele? Ninguém vive de talvez. Antônio estava certo. Era um homem com ideais nobres. Mas por causa de uma maioria estagnada, sofreu por ser justo. Por ser verdadeiro. Quem sabe fosse isto que Visconti queria mostrar com o seu filme. O problema não era Antônio. E sim os outros que não acompanharam o seu raciocínio. É um filme de desesperança? Aparentemente sim. Pode ser também um grito para frente. Não podemos esquecer o contexto em que o próprio Visconti e a Itália viviam. Antônio volta a trabalhar para os grossistas. Será mais um, assim como o pai e o avô, que trabalharam até a morte para os outros. Mas com certeza, o exemplo negativo não é Antônio, e sim os que ficaram calados. A esperança não depende de Antônio, e sim deles, ele fez sua parte. O mar é amargo, como Antônio diz. E nas palavras do narrador, em tradução livre, não há tempo bom que dure, nem tempo ruim que perdure. Em depoimento (Luchino Visconti: Clareta Tonetti, 1983. Columbus Filmmakers, ver página 34) Visconti diz que nunca foi tão feliz como nos anos de resistência, em que as mães dos seus amigos não dormiam enquanto eles não chegassem. Talvez a mensagem seja esta; diferente dele, sozinho, Antônio não iria conseguir fazer as mudanças que todos desejavam.

Bibliografia

Cinema Contemporâneo: Román Gubern, 1980. Salvat Editora do Brasil
Luchino Visconti: Clareta Tonetti, 1983. Columbus Filmmakers
Luchino Visconti: Alain Sanzio / Louis Thirard, 1988. Publicações Dom Quixote

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