quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

O novo técnico do Flamengo

Eu fui tirar uma xerox. Quer dizer, imprimir um documento. Ele sempre tem o A Bola em cima do balcão.

- Esse gajo que mandaram para a terrinha? É ruim, né?

- Se calhar até que não.

- Mas o bacano pode fazer os milagres de Jesus?

Perguntei porque sei que ele entende do assunto.

- Sim. Deve implementar a experiência do daqui treinamento daqui, e motivar o grupo. É isso que vocês precisam.

Eu comia o sabugo dos dedos que começavam a sangrar.

- O nome dele é Paulo Sousa - disse tremendo.

- Um gajo às vezes precisa ter paciência.  - Ele me disse num tom de amigável conselho.

- São 20 cêntimos. Pegou a mania da bola?

- Só desse time. - devolvi a pelota.

- Com quem?

- Com meu pai.

Olhei os jornais. Só traziam notícias sobre o que não importava. Mortes, guerras e destruição. Nada sobre o novo técnico do Flamengo. Fui embora sem levar nenhum.

O bonitão da escola e a gostosa do bairro

A vida não está fácil para ninguém. Antes o bonitão da escola tirava o ensino fundamental e se casava com a filha do dono da empresa ou com um diretor de novelas e ia ser feliz. A gostosa do bairro logo era catapultada à fama e ia parar na capa da PlayBoy ou virava dançarina num programa de televisão e tinha o futuro resolvido. Hoje em dia até a cafetina pede nível superior e português fluente. O bonitão da escola entra na rede social e descobre que neste enorme show de calouros existem milhões como ele, e ainda por cima eles sabem dançar e fazer malabares. A gostosa do bairro descobre que tem que disputar com as gostosas do mundo todo. Mas eu fico com pena é dos adolescentes que em sua fase de afirmação precisa disputar com o mundo todo. A internet é onipresente e até no banheiro a pessoa sofre Bullying. Mas eu sinto ainda mais pena do velho da minha idade que ao invés de ir fazer um bem ao mundo acordando cedo para lavar o quintal e varrer a calçada fica se comportando como se ainda fosse o idiota de quinze anos.

Jesus era de boa...

Jesus era de boa. Trocava ideia com geral. Cada um com seu cada um. Ele falava com todo mundo, independente. Jesus não fazia acepção de pessoas. Não sei da onde tiraram que Jesus odiava os outros e era vingativo. Jesus não odiava ninguém. Ele era puro. Cheio de amor no coração. Duvido que ele ia querer que alguém andasse armado. Jesus não ia defender candidato e nem ficar berrando em cima dos outros. Ele brigava contra o poder que oprimia os pobres, e não para se apoderar dele. O maior poder de todos ele já tinha. Jesus não ia deixar de falar com um familiar ou amigo por causa de suas convicções. Ele era mais de convidar a rapaziada, vamos tomar um vinho, dançar, ouvir uma música, e quem sabe bater um papo... "Jesus, eu sou um pecador...", "Mas, e daí?!" O que mais tirou Jesus do sério foi quando estavam se aproveitando da fé para ganhar dinheiro. Ironicamente, no momento são esses os que mais deturpam o que ele disse.

TikTok

- Esse vídeo é para o TikTok.

- TikTok é derrota.

- O que uma pessoa não faz para entrar na sociedade de consumo?

- Você faz piada, é? Um pai de família dançando com esta fantasia ridícula para levar o leite das crianças... Eu só me presto a este papel porque tenho família. E você acha isso engraçado?

- Engraçado, não, pô... é a necessidade da vida de cada um...

- Eu vou voltar a trabalhar na obra. Não aguento mais isso não...

- Silêncio, porra! Nós estamos gravando aqui. Ô, Jorgão, fecha essa porta aí!

Mea Culpa

Na Europa onde a educação é melhor crianças sofrem com o bullying e mudam de escola. Covardia promovida por miúdos que passam o dia no joguinho matando e que ainda nas fraldas começam a sensualizar nos padrões de beleza das redes sociais. Em paralelo a lolita siliconada e drogada, que dá volta até no capeta, faz o teste do sofá em busca de uma grana, e depois ainda ganha um extra com o processo e saí como a virgem pura deflorada por um maldito homem branco heterossexual rico. Concomitantemente o amiguinho dela sonha explodir a escola. Mas a opinião pública, leia-se: intelectuais, ativistas, militantes, jornalistas, artistas, partidários, universidades, movimentos, associações, ONGs, e religiosos; ao invés de se ocuparem com os pobres do mundo promovem a censura mais eficaz de todos os tempos. Gente que está preocupada se você escreve viado ou gordo em seu texto, que é exatamente como a pessoa comun fala, o que tem matado a criatividade na arte (basta ver as merdas dos filmes), com uma censura que fariam os nossos camaradas Lenin, Mao, Hitler, Stalin, Franco, Salazar, Fidel e Mussolini sentirem inveja. O xodó da família segue aprendendo como fazer bomba no quarto enquanto o pai viciado em pornografia e a mãe depressiva viciada nas redes discutem na sala. Eu também faço parte disso. Mea culpa.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Heterofobia

-  Preciso falar contigo. Eles estão atrás de mim. 


- Eles, quem? 


- A Polícia. 


- Porquê, o que você fez? 


- Eu gosto de homem. 


- Mal gosto da prisão agora? 


- É sério. Posso ser enquadrado por heterofobia. E você também por causa da piada.


- Eu só prefiro mulher. Não faço mal aos homens...


- Você é heterofóbica.


-  Porquê?! (aos berros). Não falei nada contra os homens. Só disse que prefiro as mulheres. 


- Isso que você disse é machismo. Você gosta de impor as suas vontades às mulheres...


- Eu não imponho nada! (corte brusco). Eu só disse que gosto de mulher. Eu sou lésbica, esqueceu? Além do mais é a minha esposa que manda aqui em casa! Nunca fiz mal a uma mulher.


- Mas eu só gosto de homem. Nem de travesti eu gosto. Porque não gosto de nada que é feminino. O meu namorado é tão romântico, abre a porta para eu poder entrar, puxa a cadeira, e me manda flores. 


- Sorte sua, amigo. Quem me dera... Porque o romantismo aqui em casa acabou faz tempo.


- Mas dizem que isso é errado e que ele quer me subestimar porque eu sou homem, e mostrar a sua superioridade. 


- Mas vocês são gays!


- Vou ter que desligar. A polícia chegou.


Sinal de telefone de 2050.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Os meus infernos...

Ele disse: "Eles adoram contar as suas histórias daquela época..." "Eu gosto. Fico rindo. Mas não lembro de nada da minha adolescência, nem da minha vida adulta... a única cena que eu lembro é daquele menino sendo puxado por sua mãe tímida e calada." Mas dentro de um supermercado um dia desses eu tive um flashback e precisei ficar encolhido num canto até que passasse. Eu vi a explosão de luzes coloridas e as inúmeras risadas umas por cima das outras. As conversas inteligíveis. A minha roupa cheirava à fumaça de cigarro do lugar. Lembro de uma frase: "Ele é muito doido..." Enquanto me afastava e a música ficava para trás eu mergulhava no inferno onde estive diversas vezes. O pior dele é a solidão. Ela é uma tonelada no estômago. Eu não conseguia ligar. A rua estava vazia, mas surgiu esse rapaz do nada. Ele tinha um rosto lívido e sereno, me apoiou em seu ombro, e ligou. Veio aquele carro com o homem e a mulher silenciosos, eu não os conhecia. Deitei no banco de trás chorando e com vergonha. Ainda hoje sinto vontade de dar um abraço naquele rapaz que sumiu de repente.