sábado, 26 de setembro de 2020

Mídia-Golpista e Globo-Lixo!

Eu estava neste boteco da Rua Montevidéu na Penha às sete horas da manhã tomando uma Brahma quando ele chegou com o dedo em riste. — Os petistas inventaram a “Mídia-Golpista”, e agora os bolsonaristas a “Globo- Lixo”. Os dois grupos pelo mesmo motivo: denúncias de corrupção. O Lula populista se beneficiou do Bolsa Família; que aliás era um dinheiro irrisório. E agora o Bolsonaro se beneficia do Auxílio Emergencial. Ele que não queria ajudar na pandemia acabou sendo beneficiando por ela. Bolsonaro ia dar duzentos; quando alguém disse que era muito pouco. Ele aceitou contrariado. E o povo acredita que o “capitão” — expulso do exército — num gesto de benevolência saca a grana do próprio bolso. Como se o Brasil (“negacionista”) fosse o único país do mundo com medidas emergenciais; e como se ninguém pagasse imposto ao comprar uma mariola… Tomara que depois dessa paixão o amor acabe; e assim como aconteceu com o Collor e a Dilma (que caíram por infrações menores que as que ele comete, nunca é demais lembrar) tudo termine em impeachment. O homem pagou a Coca-Cola, pegou a bíblia de cima do balcão, e disse: “Agora tenho de ir para o culto irmão. Na paz do senhor!”, eu respondi — Na paz do senhor! E voltei a assistir a Globo.

sábado, 12 de setembro de 2020

Eu Nasci em Mil Novecentos e Setenta e Sete!

Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
É por isso que não me entrego a esse mundo da internet…
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
É por isso que eu leio livros inteiros
E ainda ouço álbuns completos
Eu sei o que é uma câmera Rolleiflex
Fui eu quem descobriu o Basic e o disquete
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
Foi por isso que eu não nasci adulto,
eu tive infância
Eu que nem sempre sou velho, 
também já fui criança
O meu pensamento pertence a outro tempo
O meu raciocínio é mais cadenciado,
E não mais lento!
Eu não vivo em busca de passatempo
O meu tempo passa em busca de conhecimento
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
Por isso que dou valor a coisas que você desconhece
E ignoro outras com as quais toda a gente se diverte
Eu não sinto saudades da época em que eu nasci
Mas sou muito grato ao tempo em que eu cresci
E você que não aprendeu a ler
E você que não aprendeu a escrever
Ainda vem me dizer em sua postagem como eu devo viver
Faça-me o favor!
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
É por isso que eu valorizo coisas que você desconhece
Mas quem nasceu na minha época às vezes se esquece
Eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!
Dou tempo ao tempo
E a cada tempo o tempo que ele merece
Porque eu nasci em mil novecentos e setenta e sete!

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

José Terra e o Senhor Smithers

Infelizmente José Terra Periquito era um homem feio. Ele se parecia com o senhor Smithers de Os Simpsons. Semelhança esta que provocava risos em alunos de faculdades onde ia dar palestras. “Ele se parece com o senhor Smithers.” Precisava constatar se a semelhança era real. Fez uma busca no Google e se deu conta da triste coincidência. Os olhos esbugalhados encovados em órbitas de olheiras profundas e a careca saliente não deixavam dúvidas. Interpelou um amigo e confidente. Fernando Henrique Manhoso foi sucinto em sua resposta: “Parece sim.” Depois de exibir a figura de Smithers pôs o aparelho de volta ao bolso e não esqueceu do assunto.
Com o pensamento científico decidiu aceitar o infortúnio da aparência. Aquele era mais um dos sorteios da natureza. Nem todos possuíam a sorte de ser um privilegiado ao qual a estampa servisse para cartazes de Hollywood. Em seu carro ouvia alto a polêmica música da banda Ira! que dizia não querer mais ver aquela gente feia em São Paulo. Isso dava a ele a sensação de não ser um deles. Mas sabia que era como a maior parte dos simples mortais brasileiros que ou se habituavam ao seu destino ou passariam a vida toda sonhando com procedimentos estéticos em clínicas clandestinas de fundo de quintal que invariavelmente terminavam em morte. Não era o seu caso. Já havia dado provas de ser resiliente em muitos aspectos da sua existência. No debate político partidário o seu tom de voz pausada e o seu manejo para negociações haviam conquistado a confiança de aliados e correligionários.
Sempre que José Terra tinha algum pesadelo, ele cria ser um aviso e temia que o dia não corresse bem. Em seu carro ouvia escondido músicas que os amigos da mesma geração e classe que ele não entenderiam. Naquele dia, por exemplo, ao adentrar a rua engarrafada onde a filha morava cantava o rap dos Racionais que dizia: “Tem dia que é melhor não acordar que dá tudo errado.” O dia transcorria modorrento com uma garoa fina. Aquilo era um mau presságio assim como em sua concepção o famoso fog londrino. Na fila de carros José Terra suspirava e lembrava do sonho. Em sua quimera onírica da noite, um japonês dentro de um carro preto tirava os óculos escuros do rosto. e dava diversas piscadelas em sua direção. Sonhou com isso à noite inteira. Sempre a mesma cena a se repetir como num loop ou um samples do rap que curtia às escondidas.
Pensou que o congestionamento se desse por uma operação de combate ao Coronavírus, “Se eu fosse o ministro da saúde nada disso estaria acontecendo! Mas puseram um imbecil na presidência da república!” Ao perceber a aproximação de um dos guardas abaixou o som. Tirou a música dos Racionais e pôs novamente o Tchaikovsky. Ele sempre fazia isso. Quando alguém se aproximava, José Terra sacava a música clássica ou um clássico da MPB como Chico Buarque. Nada daqueles raps e rocks malucos que ouvia. Ele sorriu para o guarda que passou direto ao largo do seu carro.
 O seu automóvel já estava parado ali há um quarto de hora sem conseguir se aproximar da casa da filhota como ele chama a filha. “Meu Deus como é difícil ser tupiniquim, dai-me paciência senhor!” José dizia ao abaixar a cabeça apertando o volante do carro. Quando entrou uma mensagem no celular: “Pai, o senhor já está vindo?” Ele respondeu: “Engarrafamento na sua rua.” – “Ah, meu Deus!” a filha devolveu. José Terra resolveu telefonar. A filhinha atendeu. “Vem logo pai.”, “O que aconteceu?” “Vem logo”. Não disse mais nada e ela desligou o telefone. Não devia ser um problema de foro íntimo e sim uma jurupoca em seus negócios. “Vou andando.” Ele decidiu. O atraso do país José.
José Terra desceu do carro na esperança de que alguém o reconhecesse e fosse facilitada a sua passagem. Enquanto se dirigia ao tumulto viu muitos carros da polícia próximo ao muro da casa de sua filha. “Algum vizinho deve ter feito asneira”, pensou. Ele se aproximou como quem se exibe para ser visto. Novamente lembrou os Racionais. “Quem não é visto não é lembrado.” Ninguém na pequena multidão que se formava reconheceu a sua caroça, como diria um integrante da plebe rude. Ele lembrava da banda de mesmo nome.
O máximo foi um garoto que cutucou a mãe: “Parece o senhor Smithers!” A mãe respondeu: “É mesmo! Igualzinho!” Ele fingia não ouvir, mas em seu íntimo pensava “Esses bárbaros só conhecem o Caneta Azul e a Anitta!” José Terra perguntou a um homem: “Com licença, o senhor sabe o por que da confusão?” No que o popular com o jornal debaixo do braço respondeu: “Um figurão da política foi pego com a boca na botija, e a PF está na casa da filha dele!” Depois de ouvir a frase entrou uma mensagem em seu celular. “Pai chame os advogados!” Ele correu para o carro.
“Aí meu Deus prenderam a minha Periquita!” Agora José deu meia volta embicou o carro na direção contrária e pôs a gravação de Paulo Diniz, baseada no poema de Carlos Drummond de Andrade, que seus amigos julgavam popular demais. A Festa acabou, a luz apagou, o bonde não veio. E agora, José?

sábado, 22 de agosto de 2020

Ponha-se em seu lugar...

Às vezes, você, foi…

não… você quer ser!

O melhor se puder,

com o pior de você.

Não, é quem quer?

Sim, o que precisa!

Identifique-se firme,

acolha a sua brisa.

Quem, você, será?

Mundo não deseja.

Seja para si mesmo,

Todo mundo, veja!

O que você, quer…

é disparidade.

Satisfaz outro,

sem veracidade.

No que você peca,

não é ser fecundo…

algo desconhece,

embaixo de ti,

rés-do-mundo.

Pode surpreender,

conhece a ti mesmo?

Sentimento íntimo,

em seu bojo de berço.

Vai perceber a beleza…

franquezas da intimidade.

Amparado de solidão…

quem és tu… de verdade?

E vais ver…

um big-bang, explosão.

Dentro de ti, renascer…

um Deus, da recreação.

Um ser onisciente,

bem-disposto,

condizente,

com o que há, no rosto.

Aí sim… ressurgir!

da morte,

reencarnar,

quem sempre existiu…

subtraído, desamparado,

Ponha-se no seu lugar!

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Chatô: o rei do Brasil de Fernando Morais


Assis Chateaubriand era um homem malvado. Depois de ler o livro pensei como alguém tão ruim que mandou um dos seus jagunços capar um homem com um tiro pôde fazer coisas tão boas? Assim como Getúlio Vargas seu amigo/inimigo, que segundo o mesmo Fernando Morais no livro Olga, teve a coragem de enviar uma mulher grávida para os nazistas a mandarem para a câmara de gás. Após isso, o pai de seu filho, Luís Carlos Prestes, herói dos comunistas nacionais, subiu no mesmo palanque ao lado de Getúlio Vargas. Tudo em nome da política!
Chatô revolucionou os jornais no Brasil com os seus Diários Associados. Ainda adolescente cutucou a maior sumidade nacional, o Águia de Haia, Rui Barbosa. Quando foi da província paraibana para a antiga capital, o mundo teria sido alertado pelo Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, ao vaticinar que todos deveriam tomar cuidado com ele, pois aquele rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro só estava interessado em poder. E não deu outra. Chatô se tornou o homem mais poderoso do Brasil, a ponto de uma lei ser criada por Getúlio – a “Teresoca” - para que ele pudesse tomar da sua antiga esposa, a filha que não estava registrada em seu nome; em represália por ela o ter traído depois de praticamente ter sido abandonada por ele.
Chateaubriand construiu o seu império atropelando os seus inimigos. Um desafeto poderia ir parar na capa do seu jornal com algum crime inventado. O mesmo tratamento era dado a um simples concorrente ou a alguém que simplesmente não anunciava os seus produtos em nenhum de seus veículos, como era o caso de Francisco Matarazzo um dos homens mais ricos do Brasil à época. E a quem Chatô não queria pagar o valor cobrado do aluguel de um prédio onde funcionava o seu jornal, o homem era achincalhado com mentiras diárias.
Mas Assis também criou o MASP – Museu de Arte de São Paulo. Fundou o primeiro canal de televisão, a extinta TV Tupi, e inúmeras estações de rádio, além da antológica Revista Cruzeiro. Empregou e deu chance para que muita gente boa renovasse as telecomunicações brasileiras. Pessoas às quais muitas vezes sem pagar o preço devido. Entre os seus feitos está uma campanha para o aprimoramento das escolas de aviação no Brasil. Embora tudo que fizesse fosse polêmico e recheado de acusações de desvios de recursos. O homem até criou uma campanha para beneficiar a infância.
Num de seus caprichos Assis Chateaubriand quis ser diplomata. Conquistou a promessa do estimado Juscelino Kubitscheck em campanha – com a ajuda de parte da reserva moral do país: Tancredo Neves – em troca de apoio. E lá foi ele ser diplomata. Numa carta da diplomacia inglesa, é dito que Chatô desejava conhecer a rainha depois de uma tentativa frustrada em sua coroação. Tudo isso com um inglês deficiente. Não há como não lembrar do filho de Bolsonaro.
 Talvez por inveja Chatô tenha odiado tanto o seu filho Gabriel, apesar de sua aparência física não deixar dúvidas, ele dizia não ter uma gota de seu sangue. O filho era diplomata de carreira, respeitado no “circuito”. Bastante doente e debilitado em uma cadeira de rodas, o pai ainda o acusava de ser um meliante, segundo palavras do próprio Chateaubriand, que no final de uma briga queria que Gabriel devolvesse um quadro com o qual foi presenteado.
Certa feita cismou que seria senador da república de estados onde mal punha os pés, como em sua Paraíba, e no Maranhão. Depois de eleito nem sequer se dava ao trabalho de ir até à terra daqueles que o elegeram.
Chatô, mudava de opinião como quem muda de roupa, e agia de acordo com os seus interesses, embora desse um tom ideológico às suas atitudes. Um dia ele pegava em armas para lutar ao lado de Getúlio e no outro queria o derrubar. Um dia era a favor da ditadura e no outro estava defendendo um antigo inimigo comunista russo por causa da “diplomacia”. Para ele parecia servir a máxima, os inimigos de meus inimigos são meus amigos. No fim da vida reatou com gente que dizia odiar. Muitas delas foram prejudicadas por sua fúria.
Assis Chateaubriand era um tarado que chamava divorciadas inimigas suas de devassas. Ele catava mulheres simples na rua, em pontos de ônibus, e as dava carona em seu carro de luxo. Mesmo que aparentemente não possuíssem nenhum atributo físico especial. Em sua fase cadeirante, depois de duas tromboses, quando segundo os médicos a ele só restava o sexo oral; mal conseguindo articular as palavras, sabendo que um de seus jornalistas havia sido assassinado por um pedreiro mineiro, de quem desencaminhara a filha de 15 anos. Com o homem preso e o empregado morto, Chateaubriand fez com que buscassem essa menina na favela em que morava nas Minas Gerais e a levassem num avião para a sua mansão em São Paulo, pois queria saber o que ela fez sexualmente para encantar o seu jornalista. Mas ao se ver decepcionado mandou a menina de volta para casa.
Impressiona como Assis Chateaubriand conseguia transformar uma briga de família numa crônica memorável. Embora fosse preconceituoso, as suas tiradas e frases de efeito, os apelidos que punha em seus contemporâneos, seu jogo de palavras, eram inteligentíssimos. Em campanha ele dava discursos ininteligíveis para algumas plateias atônitas. Ia falar com homens simples do interior e começava a discorrer sobre filosofia. Chatô em sua juventude aprendeu alemão; autodidata, ganhou uma biblioteca inteira com livros na língua germânica.
Chatô, O Rei do Brasil, lembra O Anjo Pornográfico de Ruy Castro sobre Nelson Rodrigues, que inclusive escrevia em seus jornais. Existe semelhança nas acidezes de ambos em seus textos. O leitor comum de jornal era um privilegiado. O homem da rua que lia o jornal no trem a caminho do trabalho. Talvez por isso que no tempo da escassa, mas boa educação pública brasileira, e dos grandes jornais populares, era possível encontrar pessoas comuns com o pensamento articulado e a caligrafia impecável.
Assis Chateaubriand é um personagem de seu tempo. Não haveria lugar para o seu texto no mundo de paranoia e censura moral que vivemos; mesmo no ocidente, e depois do maio de 68. Além do mais ninguém tem tempo para ler. No planeta de aparelhos eletrônicos e mensagens de palavras reduzidas. Assim como eu duvido que alguém leia este texto até o final.

Referências:


Chatô: o rei do Brasil, a vida de assis Chateaubriand / Fernando Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

O Anjo Pornográfico / Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Olga / Fernando Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Vazef!

A repórter bonitinha que vive atrás de mim me liga. O famigerado Albatroz é um deslumbrado que adora aparecer. Falem mal, mas falem de mim. Enquanto ela fala comigo o inconveniente dono da loja de conveniências onde o Albatroz comia aparece na televisão. Se ele queria aparecer, ele conseguiu.
Eu queria poder ligar para ela e quem sabe convidá-la para jantar. A Cuíca está sorrindo no canto da sala. Ela diz, o Ovídio era o maior da cuíca, ele era um poeta como o seu antecessor… ele fazia a cuíca falar! Ouço o barulho dos helicópteros e tento me esconder. Os sons de suas hélices me incomodam. Vou até a janela e fecho as cortinas. Do outro lado a menina bonitinha não para de falar. Escuto uma estática e penso, será que o Japonês me grampeou? Ele não tinha sido preso?
O fato é que eu jamais escondi o Maurício Albatroz! Adoro esta frase, não sei porquê. Ela diz, então o Albatroz pulou o murou? Ele apareceu voando na casa do senhor? A Cuíca explode numa gargalhada. Eu quase tenho um acesso de riso. Tento não rir para conter o estrago. Mas, claro! Ele é um albatroz! A Cuíca diz e rola no canto da sala. Ela levanta as suas patinhas. Ela me persegue desde que eu visitei o México. Tampo o bocal do telefone.
Num grampo o Albatroz fala sobre o pessoal da cúpula. Que cúpula é esta? Uma família de insanos! Eu mastigo um comprimido. Na televisão ninguém sabe pronunciar o seu nome. Não é Vassef, é Vazef! A Cuíca diz, quem vazou foi o ministro que não sabia escrever! Ele não saberia escrever! E quem vaza a jato é o Sérgio Mouro. A Cuíca diz, eu sou argentina. Vazef me lembra o Aleph de Borges. Vendo que não entendi nada a Cuíca debocha, Maradona é melhor que Pelé, entendeu agora? O marsupial debochado me persegue aonde quer que eu vá. Meto a boca na bica e engulo mais dois comprimidos. Deve ser uma alucinação. Tem cuíca d`água no Brasil? Não.
O Albatroz bêbado com sua esposa e o dono da conveniência cantam Tonturas de Amor de Wagner num noticiário. A Cuíca comenta. Será que o ministro nazista que pôs a música do Wagner sabe que eles são diferentes? Não posso perder tempo com estas besteiras. Tenho de trabalhar. Desligo o telefone na cara da repórter bonitinha. Era para este Albatroz e sua mulher Fársia estarem em Rio das Perdas a esta hora comprando pizzas para o jantar. Ele foi para Bangu. A Cuíca grita, O Isaías do Borel vai tá lá! Você lembra daquele Garotinho? Ela me pergunta.
O William Donner está falando sobre mim no jornal. Ele fala sobre a minha ex-esposa. A Cuíca grita, será que ele não pensa nem por um segundo se a sua esposa é da família dele? Não. Eu respondo. O Doner dela é com um N só. O dele é com dois. A Cuíca não para de sorrir. Ela consegue ler os meus pensamentos. Estou preocupado com isto. Ex-esposa é para sempre! Diz a Cuíca. Esposa acaba. Ex-esposa, não. A sua está enrolada, mas a Ex do Soldado Expulso do Exército também. Capitão uma ova! Capitão lá para os biscates dele! Soldado Expulso! Expulso! Eu grito com o marsupial que dança comigo na sala.
A Cuíca sorriu quando a repórter loura veio em minha direção na farmácia… como eles tem repórteres bonitas neste canal! O fato é que jamais escondi Maurício Albatroz! Não existe isto! Ela também adora esta frase. Perguntei a ela no carro. Eu me saí bem? Ela sorri e diz que sim. Ela repete empunhando a pata como se fosse um dedo em riste. O fato é que jamais escondi Maurício Albatroz, este é o fato!
eu digo à Cuíca que nós sempre descobrimos uma traição. Ô raça ruim é advogado! Eu sou advogado, mas eu vou te contar hein? A polícia denunciou a minha empregada mandando o Albatroz se esconder de mim. Não conta nada para o Anjo Caído, ela disse. Eu me sinto um anjo de asas quebradas, mas este Albatroz vai ver como é viver numa gaiola! Abro a cortina devagar. O helicóptero está literalmente parado no ar em minha janela. Nem as hélices se movem. Tenho medo de que eles tenham vindo me buscar.
Outra advogada. Ela diz que eu nunca fui advogado da família. Mastigo outros comprimidos. Vamos passar um trote? Oi, tudo bem Karina Cuba? O meu nome não é assim! Quem é que tá falando? Aqui é o advogado do diabo! Ela xinga um palavrão e bate desliga. A Cuíca sorri. Você é tão da água quanto eu sou da verdade! Engulo comprimido. Você nunca ouviu uma cuíca falar? Ela me diz, vai, liga para ele! Esfrego as minhas mãos, eu vou ligar…
Alô, okay? Okay! A Cuíca pega o telefone da minha mão e pergunta. Sabe quem estava no sítio em Atibaia junto do Lula Molusco? Ele diz, não. O Albatroz! Ela cai na gargalhada. Eu pego o telefone e mudo a minha voz, cade o Léo Primo? O Carlinhos não sente saudades dele? Quem é que tá falando? Maconheiro comunista! Eu te dou um tiro nos cornos!
Vejo que os olhos da Cuíca d`água têm olheiras iguais às minhas. Ela diz, antes de cair no sono Anjo Caído… se o seu o codinome é Anjo Caído, e você é amigo do Maurício Albatroz, qual é o nome do filme? Eu não sei te responder. Ela sorri. Os Pássaros de Hitchcock! Ela caia na gargalhada. Eu caio no sono...

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Não é de Berlim...

Mercúrio cromo usado pra brincar de sangue

Vinho tinto escorre bang-bang

Faroeste espaguete à italiana

Brincou de casinha foi de cana

Pólvora que não é de espoleta

Lágrima clara pele preta

Vendeta, omertà, inocente gang

Comando Ilha Grande e falange

O inimigo morto não é "alemão"

É quem corria com você pelo quarteirão

 

Não é de Berlim, não é de Berlim

O boneco não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berli

A maquete não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

O muro não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

 

Brincava no pátio fugia da prisão

Exibe algema na programação

Quem pulava o muro fazia coisa feia

Dorme num canto numa cela cheia

Bala videogame e atiradeira

A consolação morte ou cadeia

Furor patriótico e armamentista

Mancha sangue capa de revista

O inimigo morto não é "alemão"

Quem corria com você pelo calçadão

 

Não é de Berlim, não é de Berlim

O boneco não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berli

A maquete não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

O brinquedo não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim