segunda-feira, 18 de maio de 2020

Béla Belázs e o Homem Visível

Vivemos num tempo em que o cinema é sobretudo diálogo e os nossos sentidos são pouco explorados. É como diz a máxima: “Olha, mas não vê, escuta, mas não ouve”. Nosso repertório de expressões e capacidade de leitura das mesmas engessaram com o tempo. Num contato mais aprofundado com a história do cinema é perceptível como o mesmo tem perdido ao longo do tempo como arte da imagem. O cinema tornou-se uma arte das palavras. A expressão dos sentimentos dentro das imagens cinematográficas tem ficado em segundo plano. Não se pode generalizar, mas é um fato. Os atores em cena estão sempre a nos guiar com as suas palavras. A imagem passou a ilustrar a fala quando poderia ser o inverso. O texto analisado foi escrito em 1923. Com o passar dos anos os estudos de psicologia e neurociência vieram corroborar ainda mais com o que escreveu Beláz quase um século antes. Béla Belázs nos alerta que cada vez mais somos amparados por discursos, e não conseguimos perceber que muitas vezes eles não estão de acordo com gestos e olhares. É crucial para um artista perceber que dentro do universo do cinema; a fotografia é tão importante quanto o roteiro, os diálogos, e a expressão dos atores. Porque não seguir os personagens e suas atitudes e interpretar o que eles sentem e pretendem? E se nós fôssemos educados nesta arte? É sabido que os psicopatas são incapazes de sentir empatia. Nós também seremos dentro de uma sociedade que caminha para se tornar cada vez mais neurotizada e robotizada. Belázs fala em educação dos sentidos. Vivemos no automático, como se diz, com medo dos outros e incapazes de nos pôr em seu lugar. O problema sempre está lá fora, nunca aqui dentro. A arte é apenas um reflexo da realidade, talvez por isto, esta falta de expressão tenha se refletido no cinema. Se hoje o cinema voltasse a ser mudo, quantas pessoas seriam capazes de seguir as suas estórias? Belázs nos lembra que o cinema sonorizado também não explorou os nossos ouvidos de todo. Feche os olhos e ouça quantos sons você não percebe à sua volta. Quantos prédios localizados em ruas pelas quais você passa todos os dias e não os percebe a não ser que alguém chame a atenção para eles. Podemos mesmo tergiversar que se a sociedade receber educação sentir e interpretar o mundo, talvez não fosse tão violenta e desigual. Quantas pessoas podem fazer uma leitura de si mesmas através de um terapeuta? Quantas são as pessoas ao redor do mundo que podem se orgulhar de parar em frente a um quadro e tentar entender as intenções do artista? Não é uma questão de puritanismo, mas sim de escolhas. Quando a maior parte do mundo acredita que uma batida frenética e colorida da música pop é o ápice que um artista pode chegar, há cada vez menos o tempo para a contemplação e exercício do cérebro. Quem perde com este espectador educado para ser um robô; que assim como uma criança de poucos anos que só entende o livro com figuras descritivas, não é o cinema, e sim, todos nós. Estudar Béla Belázs é dar um salto qualitativo na expressão de suas próprias experiências. E ampliar não só sua arte, mas também o seu entendimento e sua capacidade de expressão diante de um mundo que se encontra anestesiado.

Bibliografia:
Ismail Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal, 1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.
https://www.academia.edu/43097441/Recens%C3%A3o_Cr%C3%ADtica_O_Homem_Vis%C3%ADvel_de_B%C3%A9la_Bel%C3%A1zs

quarta-feira, 13 de maio de 2020

O Som do Universo…

O som do silêncio é a música do universo.

A canção que sibila todo dia no deserto.

O som ao redor,

a marcha em ré maior,

da lama ao caos,

do barro ao pó.

Nem Grand Canyon,

nem John Lennon.

Imagine no falsete...

no breque.

O som do silêncio é a música das esferas.

É a palavra staccato.

No vibrato.

A música do universo um dia faz cantar,

e no outro silenciar.

A música do universo é o som dentro do som.

A música do Big Bang,

do poder da criação.

A música tocada em conjunto ou em solo.

O eco da acústica em ambiente sonoro.

O som do silêncio é a música do universo.

A música das esferas acompanha,

e sublinha o verso.

A palavra que ecoa,

quando o sino soa.

Quem joga fora uma palavra má,

absorve uma palavra boa.

Precisa ser cantada.

Roupagem a ser reeditada.

Versão regravada.

Não comercializada.

Não precisa ser tudo.

Não tem de ser nada!

terça-feira, 12 de maio de 2020

Tartamudear...

Estou mancomunado com você
Mancomunado com você
Nesse teu jeitinho de ser
Nesse teu tartamudear

Estou equânime com você
Equânime com você
Nesse teu jeitinho de ser
Nesse teu tartamudear

A palavra a gente fala
A pessoa a gente come
Palavra que não conhece
Pessoa que não tem nome

Estou sorumbático com você
Sorumbático com você
Nesse teu jeitinho de ser
Nesse teu tartamudear

Estou concomitante com você
Concomitante com você
Nesse teu jeitinho de ser
Nesse teu tartamudear

A palavra a gente fala
A pessoa a gente come
Palavra que não conhece
Pessoa que não tem nome

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Pós-Pandemia!

Você conseguiu levar a quarentena bem?  No começo não… Mas depois eu me acostumei. Acho que este tempo trancada em casa me fez pensar sobre algumas coisas. Que tipo de coisas? Eu tinha tanta pressa para tudo, e de repente veio algo que envolveu todo o mundo, e me mostrou que a minha pressa e desespero não faziam sentido.
Eu também estava tão preocupado… Eu nunca fiquei em casa tanto tempo. Eu li mais, assisti mais filmes e fiz mais exercícios na escada do que na academia. O mundo podia ser assim, menos violência, poluição e acidentes. Temos de ter a semana de isolamento social todo ano! Isso, parar e fazer um balanço! Concordo. E quando vamos nos ver? O mais rápido possível. Agora você vai ter tempo? Agora eu vou ter tempo. Não quero mais perdê-lo. Eu tive tempo suficiente para pensar! Ufa!

Dois Ouvidos e Uma Paixão...

Eu vou Como Uma Onda
Com as Águas de Março,
Com as Cordas de Aço
Com os Nervos de Aço
No Estácio, Holly Estácio
Sentado À Beira do Caminho
Eu sou um Homem na Estrada
O Quê Será Que Será?
Eu vou num Táxi Lunar
Para Um Bom Lugar

Eu tenho dois olhos
E um só coração
Para dois ouvidos
E uma paixão

Na Lanterna dos Afogados
Eu sou o Maior Abandonado
Do Faroeste Caboclo
Desse meu Ouro de Tolo
Eu sou Asa Branca
Dentro dessa Construção
Desse teu Papel de Pão
Desse Luar do Sertão
Dessa Anunciação

Eu dois olhos 
E um só coração
Para dois ouvidos
E uma paixão

Ela Vai Chegar Agora…

Ela vive no mundo do centro da cidade.
Ela é a minha visão da Avenida Rio Branco.
Deve ter 50 anos, ou mais, quem sabe.
Penso nisto parado na fila do banco.

Ela é discreta com uma postura ereta.
Desfila segura em cima de um salto.
Eu sei a hora que ela vem almoçar,
O coração avisa num sobressalto.

Não sei se vem a pé,
se vem de carro,
ou de metrô.
Sei, foi ela quem me encontrou.
Não sei se é secretária,
executiva, ou funcionária,
ela ainda não me contou.

Um dia desses uma sessão no Odeon.
Depois do filme um chopp no Amarelinho.
Ou quem sabe à noite ir à praia no Leblon.
Foi ela quem parou no meio caminho.

Ouça Sete de Setembro e Rua do Ouvidor.
Não sei de onde ela vem ou onde mora.
Cada segundo é uma imensa demora.
Está na hora ela desceu do táxi agora.

Não sei se vem a pé,
se vem de carro,
ou de metrô.
Sei, foi ela quem me encontrou.
Não sei se é secretária,
executiva, ou funcionária,
ela ainda não me contou.

sábado, 9 de maio de 2020

Argentina...

Os teus olhos verdes na vitrine
Os meus olhos vermelhos em você
Os frascos de vidro na prateleira
Frágeis, talhadas em madeira

Os perfumes são tão caros
E os amores são tão raros
Assim como os santos de capela
E os atores de fotonovela

Mas se toda menina argentina
Fosse latina, assim, como você
Veria que o mundo é o mundo
E que nós temos sido tudo o que se pode ser

Àquela atriz da capa da revista
A essência que arde na minha vista
No teu jeito já sem jeito
Com a minha visita

No teu anel de prata
No meu brinco de ouro
No leão da quinta casa
Do teu ascendente em touro

Mas se toda menina argentina
Fosse Latina, assim, como você
Veria que o mundo é o mundo
E que nós temos sido tudo o que se pode ser

As meninas do colégio
Que fica bem em frente, aqui
Elas almejam imitar
O teu jeito de sorrir

Nem os teus pés muito brancos
Nem o meu escuro paletó
Nada me incomoda tanto
Quanto o medo de viver só

Mas se toda menina argentina
Fosse latina assim como você
Veria que o mundo é o mundo
E que nós somos tudo o que se pode ser

Mas esse teu cheiro
Ainda é o que nos une
E não ninguém há no mundo
Que tenha o teu perfume

Que me lembra daquele tempo
Em que o mundo era mais lento
Em que se havia menos sonhos
Porém menos sofrimento