quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Amsterdã Blues - Arnon Grunberg.

eu gosto de um livro chamado Amsterdã Blues. eu esbarrei com ele a primeira vez numa bienal. mas não pude levá-lo. pois já havia estourado o dinheiro com biografias dos Beatles. é um livro de um holandês de cabelos desgrenhados na capa. dos livros “recentes” é um livro que eu gostaria de ter escrito, como dizem. era óbvio que eu fosse gostar desse livro. então quando esbarrei com ele a segunda vez em uma biblioteca eu o levei comigo. é um livro sobre o tédio. os grandes escritores tiram historias de qualquer coisa. e esse escritor tirou uma historia do tédio. não me lembro de detalhes do livro. mas como diz Leonardo da Vinci, todo nosso conhecimento vem do que sentimos. e eu sempre me lembro desse livro. eu me lembro que o personagem ficava num bar, e que ele empurrava a cadeira de rodas do pai doente. eu me lembro que os diálogos do pai dele com os outros personagens no bar eram incríveis. o personagem principal frequentava prostitutas diariamente. E com elas ele mantinha uma relação blasé. que é a mesma relação que o personagem mantém com todo o mundo. a prosa desse escritor é uma prosa de mestre, e falar aqui sobre o miolo da historia, isso que chamam de roteiro, para os grandes escritores é apenas um detalhe. então não se iluda com a aparência da sinopse. o livro é grandioso e de uma profundidade abissal. e o autor tem o controle da pena. eu não me lembro se é o seu livro de estreia. a tradução às vezes pode acabar com um livro. o livro não é econômico, ele não tem uma edição seca daquelas em que nenhuma palavra parece sobrar na frase. mas, apesar de suntuoso, ele não é pomposo. Leia tranquilamente.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Vômito!

eu acordei com dor de cabeça e supus que estava com vontade de vomitar. fui a cozinha beber água. e rapidamente algo veio lá do fundo com uma força enorme. como se fosse um daqueles “aliens” dos filmes que se instalam nos corpos das pessoas. ainda pus a minha mão a frente da boca para poder conter aquela enxurrada até que chegasse ao banheiro. não deu tempo. explodiu e caiu sobre a tampa da privada. “sujou o chão todo, melecou tudo, nossa!” e vinha com tanta força. “a fúria da natureza!” “a gente não é nada nessa vida, menina!” “é mesmo, é sim!” e vinha cada vez mais forte. todas aquelas porcarias voavam. lógico que eu já vomitei. mas nunca com tanta força. quando eu fazia longas viagens de ônibus sempre passava mal. mas eu enfiava o dedo na goela e vomitava. eu havia aprendido aquilo com os alcoólatras que vomitavam para depois beber mais. eu não me lembrava dessa sensação do  corpo tomando as rédeas da ação, e dizendo “quem manda aqui sou eu!” ele estava expulsando todas aquela mazelas, todas as porcarias que eu havia ingerido. “foi a cereja do bolo?” “foi à azeitona da empada?”. não importava. “contra a azia, má digestão, e irritação no estômago experimente...” e vinha com toda a força de novo. e de novo. eu tentava tomar banho. limpar as coisas. não conseguia. “a gente não é nada nessa vida, menina!” “é mesmo, é sim!”. a natureza é quem diz chega. ela que detecta o erro. se havia algum animal microscópico dentro do meu corpo querendo zoar, ela não achou graça na brincadeira. não havia filosofia naquela hora. na hora em que somos impotentes. não há problemas morais. pecados. culpa. dívida. no livro Uma Longa Queda, do inglês Nick Hornby, um homem fracassa ao tentar cometer o suicídio. e depois do episódio ele diz algo como, “naquele momento em que eu caía, eu vi que o único problema que eu tinha era a morte” depois a mão da minha esposa brilhou no escuro com o chá de orégano e o remédio. Eu vomitei o remédio. numa sessão menor, mas não menos extenuante. acordei com a ressaca da noite, o corpo dolorido, e a garganta doendo! e suponho que tenha sido um pão de forma dentro da validade.

domingo, 24 de julho de 2016

BRT e Frases.

enquanto você vai esmagado embaixo de um sovaco, e com um osso cutucando a sua espinha, ouvindo música, enviando mensagens, olhando a rede social, ouvindo a conversa do vizinho, você pode ler as frases nos muros e paredes. a caminho da Ilha antes de entrar no Fundão, havia uma frase escrita que achei enigmática “eu sou a noite!” já em Ramos, Olaria, li frases que apelam direto ao coração, “ame mais”, “não maltrate os animais!”, “Mais amor, por favor!” são frases que aparecem no trajeto do BRT em direção a Penha. “para alguns, conforto, para outros, BRT! eu já vi escrito em algum lugar da cidade: fuzilamento já! e fiquei me perguntando, mas fuzilar quem? eu ignoro as frases religiosas para não cair na obviedade. eu vi escrito algo como, “hoje é o dia da alegria”, é tanto dia, atualmente, pensei. No trem em direção a Central, na frente do quadro da janela, você vê uma porção de viciados em crack, e numa das paredes está escrito ao fundo “Brasil país da vergonha!”. em outros locais “UPP sem projeto social é maquiagem”, “educação é investimento...”, na Avenida Itararé, onde deveria existir um ponto de ônibus está escrito “no país das olímpiadas não tem ponto de ônibus.”. Em Piracicaba tem alguém que sempre escreve numa porção de lugares: vai de bici! é um incentivo ao uso da bicicleta. e vi outra frase interessante em Piracicaba, em frente ao campo do XV, e era mais ou menos assim: “vai querer uma casa com quintal, ou uma cidade com prédios de vinte andares? pense nisso!” ainda em Piracicaba na Avenida Armando Salles puseram o preço da passagem e uma mensagem para o prefeito, “ 3,60 complica, parça!” não me lembro onde em Piracicaba vi uma frase interessante. Simples, direta e profunda. “ao mundo o meu mais sincero foda-se!”

sábado, 23 de julho de 2016

O Homem que Curou a Doença Incuravél!

o homem gordo de barba tinha uma intimidade enorme com Deus. chegava a dar inveja. eu sentia vergonha dos meus pecados. de repente ele falava algumas palavras em outra língua. daqui a pouco começava a ditar palavras que eram repetidas como oração pela multidão de fiéis. “eu tenho AIDS.” ele puxou o fiel para perto de si. “você está curado!”. o homem fez sinal para a assistente. “fura o meu dedo!” ela furou o dedo do fiel. o homem misturou o seu sangue ao sangue do outro. “Se você tem AIDS eu tenho também! Vai embora, você está curado!”.  agora surgia na câmera um exame que atestava que ele estava curado. eu pensava que deveria falar sobre aquilo. dizer a todo o mundo que existia um homem no Brasil que podia fazer o cego enxergar, e a pessoa que não podia andar se levantar de uma cadeira de rodas. quando a enfermeira meteu o dedo na televisão. “hora de tomar o remedinho para dormir...” mas eu fui para a cama pensando que deveria divulgar aquele milagre.

sábado, 16 de julho de 2016

Um Jorge...

Tudo começou com um sorriso
E não foi por falta de aviso
Jorge foi se juntar a Isabela
Lembro quando ele dizia que era a garota mais bela...
Logo veio o primeiro beijo
E com ele o primeiro desejo.
E o fruto do desejo despertou a paixão
E Jorge agia como se não houvesse razão
Todo aquele amor que começou com uma loucura
“Com uma pitada de humor, e um pouco de aventura”.
E que parecia um enredo de um belo filme
Sem contar a cena de ciúme...
De Jorge que emoção avassaladora
E agora Isabela se negava à sedutora
Com o ciúme de Jorge veio o rompimento
E com o rompimento veio o sofrimento
E junto dele veio o cigarro e a bebida
E Jorge passou a ter um comportamento suicida
E tem um Jorge em cada esquina
Sofrendo sem adrenalina
Tem um Jorge que não sabe não
Que vem sofrendo em depressão
Tem um Jorge em cada rua
Tem um Jorge em cada lua
Tem um Jorge em cada criança
Então, Jorge, Levanta-te,
E Anda!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Mais Presunto Que Linguiça!

Agora é só porrada é só filme de ação
É só sangue jorrando a saga de Lampião
Tiro pra todo lado carro virado explosão!
No morro na favela ou no deserto do sertão
O cinema americano é igual o Rio de Janeiro
Tem morte o tempo inteiro tem trabalho pra coveiro
Aqui só tem bala perdida e lá só tem tiro certeiro
Explode a mão do suicida a pólvora do morteiro
Mas igual acontece aqui nas ruas do Brasil
Não há vítima que morra com um tiro de fuzil
Morreu-se num “frame” num piscar você num viu
E o mocinho sempre mata o bandido e sua “crew”
Em filme de ação mãe de bandido não chora
A polícia é veloz e sempre chega na hora
E o rabecão que anda por lá por aqui sempre demora
E se a justiça falha a vingança vigora
Quando se aproxima o descer dos créditos
A vitória é sempre do policial honesto
A moral do filme te leva a agir correto
E fica aquela sensação “porra tudo vai dar certo1”
Se existe omissão, apatia e preguiça
E não há educação, a saúde, e a justiça
Entra em cena, a polícia, o bandido, e a milícia
É então que se produz mais presunto que linguiça!
Agora é só porrada é só filme de ação
Estado Islâmico Al Qaeda Penha Afeganistão!
Cai uma marquise e voa um bueiro
Pois se compra o fiscal e se compra o engenheiro
Uma é morta à facadas outra é apedrejada
Milhares de mulheres todos os dias são estupradas
E o gringo que vem pra cá arriscar a própria vida
Adora à vista da cidade que está suja e poluída
Onde pedofilia é coisa de televisão
Tem menina que engravida com o corpo ainda em formação
A gente dá uma moral, a gente paga propina
E depois a gente reclama que leva tiro na esquina
A gente reclama de político, mas ah se ele me desse um emprego...
A gente joga guimba no chão, mas anda morrendo de medo
Quem paga mais imposto tem sempre mais desgosto
Tem cristão que estaciona o carro na porta dos outros!
Tem intelectual que não perde um emprego público
Uma Lei Rouanet ou uma bolsa de estudos
Existem políticos mais ignorantes que seus próprios eleitores
Ao invés de técnicos profissionais apenas amadores
Mas também existe o medo, a apatia, e a preguiça
Quando não há educação, saúde e justiça
Entra em cena a polícia o bandido e a milícia
É quando se produz mais presunto do que linguiça

quarta-feira, 13 de julho de 2016

O Melhor Amigo Do Cão!


Trata gente igual bicho
Trata bicho igual gente
Diz que é o seu melhor amigo
Mas o cão é inocente!
Se ao invés de latir
Ele pudesse falar
Você ia ouvir
E não sei se ia gostar
De saber que o coitado
Odeia andar no colo
Que inveja o vira lata
Quatro patas no solo!
Lógico que é bacana
Poder dormir na cama
Não diz que ele é seu filho
O espelho não se engana
Você ama seu pupilo
Gato que não caça rato
Não falta é pretinho
Sofrendo no orfanato
Dá azar ter gato preto
Quer ter parto natural
Que dirá um filho negro
É você que é o animal!
Eu conheço esse Canil
Ele não se chama Suíça
Abandonado no Brasil!
Sofrendo na SUIPA!
Bicho tem aniversário
Tem velório tem enterro
O playboy queima o mendigo
E se enterra aí mesmo!
É só sacanagem
Ou falta vergonha na cara
No meio de uma crise
Comprando ração cara
O animal deve pensar
Não sabe como eu me sinto
Não posso me desenvolver
Nem usar o meu instinto
E com a sua moda pet
Ele se sente um engomado
Com a roupa do seu time
E o sapatinho apertado
Antigamente cachorro
Comia resto de comida
Quanto animal de pedigree
Viveu assim por toda a vida
O cachorro era da rua...
Não era de ninguém!
Hoje pode reparar
Que ninguém vira lata tem
Se pudesse responder
O que ele acha do frufru
Muito cão ia dizer.
Dono vai tomar no cu!

terça-feira, 12 de julho de 2016

Lapa de Luís Martins...

“Cinco horas da manhã. Depois de uma noite perdida nas pensões do amor barato...”. É desse jeito que Luís Martins inicia o seu livro Lapa. Ele te joga num ambiente sórdido apenas na primeira frase. Luís Martins foi mais um autor vítima da inveja e do falso moralismo brasileiro. O autor teve livro recolhido e tudo. Na introdução do seu livro Noturno da Lapa, ele narra magistralmente esse episódio de sua vida. O Lapa de Luís Martins pertence ao apagar das luzes do cabaré. Aconteceu no fim da época de ouro da Lapa. O Lapa de Luís Martins é um livro sobre o baixo meretrício. Um personagem vai se casar com uma das prostitutas. E isso fará fazer com que ele perca o emprego. Uma censura moral. Assim como aconteceu com o autor e seu livro. A Lapa de Luís Martins não é a futura Lapa dos turistas. É a Lapa da desesperança. Não existem descrições sexuais. O narrador Luís Martins é um romântico. Ele é aquele cara que no final da “festa” sente a depressão. Luís analisa a vida das prostitutas a fundo. Envolve-se com elas emocionalmente, as ajuda, e vê uma namorada sua, a qual ele negou fogo trocá-lo por outro para em seguida estrear na prostituição. Ele se apaixona. E se alguém esperava um boêmio garanhão, ou um malandro... O malandro só aparece para dar um bico na barriga de uma das prostitutas. e para apunhalar o rosto de outra. Não há glamour aqui. Não lembro se ele deixa explícito, mas bem diferente das prostitutas que frequenta, o narrador tem boas "condições". Mesmo que seu pai não seja rico, como ele diz, a sua situação era ótima para aquela época. A sua penúria é mais por não dançar conforme a música dos pais. A descrição dos lucros, da decadência, e da mudança de status dentro da prostituição são impressionantes. O livro não é um canto ao prazer. Ele está mais para denuncia e o desabafo. Nada do escritor que se apaixonou por uma prostituta e escreveu uma linda historia romântica. Nada do vivant feliz. Quando o narrador volta depois de um período de dois anos em que foi "estudar" em outro estado., ele percebe que a vida das mulheres mudou drasticamente. Agora ele sente pena de Odette por quem foi apaixonado, e a quem agora presta auxílio. Ele recebe o conselho de Odette para que abandone seu novo caso, pois ele não é precisa viver na zona com gente como elas... Soa como um medo de que ele se torne "homem de mulheres". Odette ateou fogo às vestes. Odette. Ela corre tentando se segurar nas companheiras... É terrível...  Mas ela não era a única. Como existia aquela "personagem" do samba de Wilson Batista que também pôs fogo às vestes...

domingo, 10 de julho de 2016

A Fantástica Fábrica De Cadáver! Carlos Eduardo Taddeo...

você já ouviu esses tiros? quando são de armas de calibre trinta e oito são secos. explodem. explodem. pipocam. se forem de calibre quarenta cinco eles são mais graves. eles vêm em sequência primeiro. e depois de segundos infinitos se tornam espaçados. depois de um silêncio constrangedor. começa a se ouvir passos. alguém surge primeiro na esquina com a cabeça esticada. depois aparecem mais e mais pessoas. os passos se tornam mais rápido. já se ouvem vozes. e lá se vem algum nome familiar. um novo silêncio. esse amedrontador. normalmente vêm os gritos, e os choros das mulheres. aí vem a pior parte. a hora dos choros das mulheres. e aquele último choro, que é o da mãe, ele é insuportável, saí do fundo da alma, é uma dor sem cura essa da partida. A dor do adeus...
na entrada da favela existe uma máquina. está tocando Eduardo o tempo todo. uma crackuda tá dançando sozinha. ela tem uma garrafa vazia na mão. um coroa caquético aperta um baseado. um grupo entra num beco que dá para o outro lado. mutilados. esfacelados. todos estão por ali. naquele lugar tão filmado, tão comentado, mas tão pouco frequentado por aqueles que deveriam, muito frequentado, muito “mal frequentado”. enquanto a voz do Eduardo ecoa...
antigamente os moleques balançavam a cabeça ouvindo rap, olhavam para o lado, e diziam: “Só a realidade!”. ninguém fala mais a realidade. Atualmente só o Eduardo fala a realidade. talvez alguns outros... eu sou um que não digo a realidade. ainda sou muito egoísta. mas reconheço que o Eduardo diz a realidade. antigamente eu ficava feliz quando ouvia um disco de rap com dez músicas boas, vai que fossem oito, mas duas horas?!... ele exagerou, e é como se dissesse quem sair por último apague a luz. Eduardo é uma metralhadora de palavras. e que porra é essa de cultura que ele tem que ele vem citando todos os teóricos revolucionários, e anarquistas, e mistura tudo isso com gírias das favelas de São Paulo, com a história do Brasil, com a história do mundo, eu nem tenho tempo de pesquisar todas aquelas citações. calibres. policias. leis. documentos. mas se tem aula sobre tanta coisa. ele parece um jornalista falando. para que o playboy entenda tem de explicar que ele é uma espécie de Ricardo Boechat. para que o playboy entenda tem de explicar que ele é uma espécie de Chico Buarque para a poesia. você tem de ouvir o disco com uma enciclopédia e um dicionário do lado. vai aprender muita coisa. a história do Brasil. tudo que ele fala só não vê quem não quer. Eduardo é bacharel na história do Brasil contemporânea. esse seu disco é o Dom Casmurro do rap. ele dá nome aos bois. as siglas. numa das músicas ele diz que se tornou o patinho feio do rap porque não é comercial. ele é mesmo! “enquanto o rap põe gelo no balde da ostentação...” Eduardo conta sobre tudo aquilo que nós, os brasileiros, sabemos, mas não podemos falar. tudo que está por debaixo do pano. e que não pode se revelado, pois, amamos nossas vidas. Eduardo cita de questões ecológicas, avanços da ciência... eu nem consigo ficar citando frases. porque são duas horas delas de frases de rap. seco. rap de verdade. para quem não gosta de mentira. para quem gosta da verdade que liberta. e é um disco para maluco, para todo mundo que olha pro outro lado da rua e pensa. porque a gente aceita viver assim? eu gosto de rap. de texto. Eduardo superou todo mundo. atropelou. mas é porque ele é bem mais do que um rapper, ele é um menestrel, está combatendo em contato com os revolucionários do mundo inteiro, creio eu, deve se conectar com eles telepaticamente, quando vejo os grandes raps do mundo, parecem crianças inocentes de frente para o Eduardo. Como ele diz, enquanto estão preocupados com flou. o Eduardo é o único que não se preocupa com nada. nem com ninguém. só com aquela missão que ele tem que cumprir. e a qual me parece nasceu destinado... é um herói que nós simples mortais vamos viver sonhando ter a mesma coragem. ele sempre irá nos inspirar. quando eu pensei que o rap ia acabar. Veio o Eduardo e renovou tudo aquilo que eu mais amava no rap. aquele lado havia me feito entrar no rap. Eduardo mostrou um caminho que chega a ser ridículo ficar olhando para o próprio umbigo. Ele fala a verdade. a sua verdade? não! a nossa verdade! a verdade que nós não queremos aceitar. tudo começou porque vi pichada A Era Das Chacinas... depois das dez todo excluído... vira alvo vivo!

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Nelson Rodrigues - A Mentira.

Lúcia vai arrumar o inferno naquela casa. A descrição da menina de Nelson Rodrigues nesse livro é tão viva, que enquanto se lê é quase possível ouvi-la respirar, ou sentir a sua brancura lívida... Ele é um mestre dos personagens, através de pequenos gestos, diálogos e atitudes. Lúcia é um desses casos. Ela é uma heroína de Nelson. Assim como Silene, de Asfalto Selvagem, ou qualquer outra, talvez Glorinha, ela é mais uma de suas personagens cínicas, e vilãs sem igual da literatura, e ao mesmo tempo heroínas. Mais uma Bonitinha, mas Ordinária.  Os personagens de Nelson são encurralados entre o lema do prazer arrebatador, e incontrolável, e a culpa incutida em seu íntimo, e o quê os outros vão dizer. O quê os vizinhos irão pensar. O Doutor Godofredo diz que Lúcia está grávida. Dona Ana vai ter de contar ao marido. Lúcia tem duas irmãs. Dora, e Isabel que tem maior participação no drama. Toda a família vai morar na Barra da Tijuca. É vontade da mãe que deseja cuidar das filhas. Então a casa acolhe as filhas com os genros, e essa caçula. Que é a obsessão do pai, que é Doutor coisíssima nenhuma. É apenas um título que imputou a si mesmo. Quando vem a notícia, a mulher quer saber, filho de quem? Todos querem saber, mas filho de quem? A menina não nega, Lúcia começa a fazer um jogo psicológico com todos, e a manipular a história do filho. O pai em sua fúria, odiosa, de quem detesta as outras filhas, e ama somente a essa como deixa bem claro, mostra toda a sua fraqueza no episodio. Culpa a mulher pela “desgraça” da filha, e consequentemente da família. Quando ele descarrega na esposa que seu amor por aquela filha, é de um longe um amor maior do que ele sente por ela, que ele diz sentir amor nenhum, e pelas outras filhas. Isabel, essa que aparece como esposa de três dos cunhados em situações diferentes, diz ter herdado uma úlcera por causa do pai. O pai em sua fúria acaba com a mulher, que Nelson diz ser pusilânime, com fraqueza de caráter, ou sem caráter, que nunca enfrentara o marido. A mulher dona Ana diz ao marido que Lúcia não é sua filha. Lembra-se daquela viagem a Curitiba. Lúcia veio depois de todo mundo. Era uma filha temporã. Ninguém acreditou quando Lúcia veio. Pois dona Ana já ia com idade avançada para engravidar. O homem insiste, diz que não tem ciúmes nem nada. Mas foi o Cláudio. Um amigo de Doutor Maciel já falecido. Um homem fraco, e com aspecto de doente. muitas vezes esse personagem do homem doente que ninguém dá nada por ele vai aparecer na obra de Nelson Rodrigues, vitima de um romantismo de uma mulher que sonha com um príncipe encantado, e que contrariando a todos, podendo escolher a quem quiser, algumas vezes opta pelo mais fragilizado, aquele que aparentemente não oferece perigo, e traz a tristeza no olhar, como se esse gesto elevasse a mulher, como se com aquele homem tudo fosse permitido, e com o canalha não. Lógico que na obra de Nelson existem muitas mulheres obcecadas por esse canalha. A história que se desenrola num ritmo alucinante e sem tempo para um suspiro. Leva a revelação de que o namorado de Lúcia, quem ela gosta? Como eles perguntam a ela o tempo inteiro você tem de gostar de alguém? Um filho não aparece assim, do nada. Eles nunca se referem ao ato, como se a simples menção fosse imoral. Mesmo que o escritor se sentisse pressionado, a escrever dessa forma por causa da moral vigente, a minha interpretação é que nesse caso, era isso mesmo que ele queria sublinhar, quem ela gosta, e não com quem ela “dormiu”, “deitou”, ou qualquer outro eufemismo. O namorado de Lúcia é o paralítico da casa ao lado. Nesse caso, ele é o inválido. Como dizem. Mas agora. Lúcia tem certeza de que o filho é dele. Mas ela não conta. O paralítico que odeia a todos e se odeia. Nonô. Diz a Lúcia que ela esteve com ele por pena. E ele insiste que todas as mulheres são iguais. Ele não aceita de forma alguma que a menina o tenha desejado. Ele tem dezenove. Ela tem catorze. Quando a mãe diz que ela é apenas uma criança. Uma das irmãs grita criança coisa nenhuma! Lúcia se fecha e aterroriza a todos com o seu cinismo. Menos o pai que insiste em sua defesa. Depois que a mulher diz ao pai que Lúcia não é sua filha. Tudo muda. É a mulher que lê seus pensamentos. E que o chama de monstro. Diz que sabe muito bem o que ele está tramando com aquela viagem para ficar sozinho com a filha. O argumento é que eles têm que tirar a filha dali. Para que não vire um escândalo e para que ninguém fique sabendo. A mulher percebe a manobra do marido, que agora não tem de encarar o incesto pela frente, assim como o ato de Lúcia mexe com a imaginação do pai, ele destroça com a dos genros, e com um deles em especial, Aparício, Marido de Isabel, a irmã da úlcera. Então se a menina fez isso, o quê mais ela poderia fazer, o velho como é tratado no diálogo dos genros que são excelentes, em seu cinismo, arma uma trama de que a velha está pirando, vendo se aproximar o dia da viagem Dona Ana tentar matar o marido. Que diz que a mulher está enlouquecendo, e faz de tudo para levá-la a um hospício, no quê a mulher jura ao marido que ele será morto pelo pai do filho de sua filha, o paralítico se derrama ao saber da gravidez, e de que a menina vai viajar, ela diz que tudo que fez foi por pena. Ela inventa uma mentira para o pai. Que a pressiona, com a praga de dona Ana na cabeça. Ela inventa uma história que na festa que aconteceu na casa de Nonô, num casamento, ela havia bebido e que não sabia quem fizera aquilo com ela. O pai que tanto insistira no nome do namorado, parece se resignar com aquela mentira. Que não dá a ele a obrigação de ter de saber quem é o pai, e que pode viver agora para cuidar da sua “filha” adorada. Que dona Ana diz, a única que não é a sua filha. Aparício, o genro, começa a pirar, se encontra com a garota. E sabendo da história toda que a esposa conta para ele dentro do quarto. Ele intercepta Lúcia que se despedira do vizinho na rua. Nonô. E diz a ela que ele é o pai da criança. e dizem sua loucura se declara apaixonado. Ela ameaça contar ao pai. Ele propõe a fuga. A menina parece gostar do assédio. Aquele era o genro que ela mais gostava. Aparício segue para cima do velho. E o ameaça. Ele confessa tudo. Diz que está apaixonado e enfrenta o velho. Ele diz, nós somos rivais! E dispara quatro tiros no velho. E diz. O que dona Ana não conseguiu fazer eu faço. Um amigo chamado Telêmaco tentou avisar a Aparício que o Doutor Godofredo estava louco. Aquela semana em que Lúcia fora se consultar com ele, o doutor havia dito que uma senhora de oitenta anos estava grávida, e uma menina de oito anos também. Era oito ou oitenta. O velho estava pirado. Aparício que gritava por Lúcia na cadeia. Ao saber da boca do outro que ela não era uma mulher feita. Como em muitos momentos os personagens se referem à Lúcia com a sua posição após o ato consumado. Em sua decepção de que ela não era apenas uma menina, Aparício mete uma bala na cabeça.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

John Fante, Charles Bukowski, Henry Miller e Louis-Ferdinand Céline!

eu li Pergunte Ao Pó por causa de uma introdução de Bukowski. eu não gostava de Bukowski porque a maior parte das pessoas que lêem Bukowski não entendem a sua literatura. então elas pensam que Bukowski é apenas sexual e alcoólico. e os cátedras moralistas se aproveitam disso para censurar Bukowski. embora não se encontre Bukowski nos sebos nem nas bibliotecas. pois está sempre esgotado. de Bukowski só se encontra livros novos e mesmo assim não é fácil. de segunda mão é mais através da internet. mas caiu essa introdução de Bukowski sobre John Fante em minhas mãos. Eu li os romances de Fante. não os contos. os romances. eu gosto de romances com Arturo Bandini. Eu sou Arturo Bandini! eu já gritei. quem leu esses livros e não gritou essa frase? Eu li Pergunte Ao Pó num sábado de tarde ensolarado. depois li Bunker-Hill, e Espere A Primavera, Bandini. Rumo A Los Angeles, esse último foi o primeiro que ele escreveu, e que só apareceu após sua morte. permaneceu inédito enquanto Fante esteve vivo (Assim como Diário de Um Jornalista Bêbado de Hunter Thompson que é maravilhoso.) o livro mostra o antes de Bandini. ele ainda em casa não conseguindo se enquadrar. depois disso eu li Bukowski. todos os romances de Bukowski. não li poesia porque não é meu o forte. quanto aos romances, contos, crônicas, eu li tudo. e depois que senti os mesmo engulhos daquela mulher que vomitou ao ter uma relação sexual com Bukowski, o vômito havia curado a ressaca, e eu estava livre. ele não me assustava mais. é a mesma sensação libertária que eu tive ao ler o Henry Miller. bem mais erudito que Bukowski, é claro. mais profundo. Henry Miller o memorialista. gosto dos livros de viagem. do Big-Sur... de tudo! Não li apenas algum ensaio e o livro sobre o palhaço. Amo Big-Sur, o livro sobre a Grécia, o Colosso de Marússia, e lógico a trilogia, a Crucificação Encarnada. Todos que eu li. Câncer, Capricórnio, Sexo, Clichy. Primavera Negra. Os Livros da Minha Vida, com esse livro Henry Miller me ensinou a ler. A Crucificação Encarnada é a libertação, como quando ele diz que um homem para chegar ao paraíso tem que chegar ao inferno primeiro. é uma catarse ler Henry Miller. ele rompe todas as barreiras morais, filosóficas, toda essa ladainha mentirosa que os autômatos conseguem manter junto com os seus senhores feudais através dos tempos. Henry Miller não deixa pedra sobre pedra. Sábio... Miller escreveu um texto aos oitenta anos em que dizia que a vida não era boa, nem má, nem uma coisa, nem outra. ele admirava o estilo de vida de Picasso. e se dizia um adolescente. Eu li os livros de Miller  na sequência. li aqueles livros crus do começo. Moloc. Crazy Cook. que não foram lançados em vida. Henry Miller é uma paixão antiga que encontrei na biblioteca por acaso. eu vi que o distrito que ele descrevia era igual ao distrito que eu vivia tanto tempo depois. assim como Bukowski encontrou John Fante. Já o Céline que é o pai de todos eles, inclusive influenciou os beats, que foram também influenciados pelo misantropo Salinger? os quais eu fui a procura. Bukowski falava sobre Céline. em um de seus livros. Céline é um personagem. no Pulp. creio que fosse seu escritor preferido. e lendo uma introdução sobre o livro Viagem Ao Fundo Da Noite, eu li que Henry Miller havia reescrito Trópico de Câncer, após ler esse livro. eu li. e cheguei a conclusão de que o grande autor era Céline. Céline não escreveu tanto como Nelson Rodrigues, por exemplo. mas esse livro é o melhor livro que sobre o ser humano. é um livro sobre a guerra. eu duvido que exista um romance que me agrade mais. se descobrir eu anuncio. o velho Céline ficou louco na guerra. assim como o meu avô que não podia ouvir barulho de bomba. mas ele continuou vivendo e escrevendo. com todas as perturbações. será que ele teve a Síndrome de Estocolmo? era neurótico de guerra. eu li Viagem Ao Fim da Noite. Morte A Crédito.que realmente é tão bom quanto Viagem como as pessoas juravam. existem escritores que escreveram mais que Céline. mas poucos alcançaram a velocidade da fala e do pensamento como Céline conseguiu. e que desnuda o mundo para qualquer incauto. ele nos conheceu profundamente. ele sabe que estamos mentindo. como ele diz em Morte A Crédito, ah, minhas inclinações...não li Norte. graças a Deus! ainda falta um belo livro de Céline... vou ter o prazer de ler uma página por dia. como tenho feito com o Lapa de Luis Martins.  outro escritor injustiçado. por esses mesmos motivos. censura moral. inveja. panela. e o cacete a quatro! mas um conselho que dou, acho que se não tivesse lido Viagem primeiro, eu não teria viajado no Morte! Eu já li Marcel Proust que é um escultor de catedrais da palavra que amo. li Flaubert, Kafka, Dostoiévski, Machado, mas nada no mundo nada me toca tanto, e tão profundamente quanto esse famigerado Céline. é uma pena que o seu nome tenha sido associado ao nazismo. é uma pena que as pessoas não entendam a loucura da guerra. o meu avô não podia ouvir barulho de bomba. uma vez falei sobre Céline e ouvi uma pergunta. ele num era nazista? que pena. a força da literatura dele é de poucos. ele põe o ser humano em seu devido lugar. embora os puritanos. os atrasados. as pessoas comuns. normais. os burros. os carentes de inteligência, de imaginação. de sensibilidade. os insensíveis. os chatos. os caretas. os janotas. que são a maioria esmagadora do planeta, não entendam que é libertador. assim como entrar num trem fantasma. e no final dele, novamente, poder respirar, e ver a luz do dia. é uma pena que não entendam que assim como Cristo, o Henry Miller de a Crucificação Encarnada sofre por você. Céline ouvia barulhos. e escrevia. devia ter insônia e tudo. ele foi o maior pacifista que existiu. o escritor que escreveu sobre a guerra e a odiou mais profundamente. e um dos que mais sofreu com ela. por isso ele me impressiona. ele foi para o inferno e escreveu sobre ele. e através de sua leitura, podemos purificar nossos pecados, e nos ver sem ilusão. límpidos e claros como água. como num espelho. eles não oferecem o fim dos sofrimentos. esses escritores cruéis e realistas. assim como Nelson Rodrigues (outro injustiçado em alguns momentos), e que assim como Bukowski, que é um poço de desejos e que sucumbe a todos eles... . através da saturação nos mostram o caminho para sossegar os instintos por alguns instantes. eles não nos vendem o fim do sofrimento e sim o fim das ilusões quanto ao ser humano. ou melhor, quanto a si mesmo!

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Praça...

no começo havia aquele espaço vazio. e um dos caras que estava no bar em frente jogando cartas, e bebendo deve ter dito. a prefeitura deixou aquele espaço vazio. aquele espaço vazio fica no entroncamento das ruas. então eles decidiram. vamos fazer as mesas, e as cadeiras de cimento. a gente faz uma vaquinha na rua. alguém deve ter dito. fechou! e lá estava a mesa. os banquinhos que sempre exibiam a sua utilidade. ou era o descanso no trajeto dos que vinham com as bolsas de supermercado. e a natureza colaborou enchendo as arvores, e deixando uma sombrinha. quando chovia parte do pessoal improvisava uma lona. até que alguém deu a ideia de que eles fizessem uma cobertura. e novamente eles se cotizaram para tal. e aí apareceu a cobertura. e começaram os churrascos comunitários, pois boa parte daqueles moradores eram criados na área. ou moravam ali fazia algum tempo. então alguém deu a ideia. porque a gente não faz uma churrasqueira. da churrasqueira nasceu o pagode improvisado. e do pagode improvisado nasceu o bloco. e a festinha do dia das crianças. e a festinha junina. e sempre que eu passo por ali, eu me lembro que aquela pracinha era apenas um espaço vazio.

domingo, 13 de março de 2016

Você Conhece Daniel Panão?



Assim como as suas rimas a história de Daniel Panão é sinuosa. Às vezes quebrada. Às vezes acelerada. Sentado ali naquela cama de solteiro ele me explicava. É um bagulho estudado. Pensado. Não é algo que eu fiz, assim, não... De qualquer jeito... Panão gesticula como se conseguisse guiar as palavras com as mãos, o que parece ser a vontade expressa em seus olhos. Quando dá aquela risada zombeteira. Daniel Panão está com uma camisa do N.W.A. Daniel Panão é o cara que canta com o Daniel Shadow. Aquele maluco naquele programa do Canal Show Livre que está no YouTube, de boné e de óculos escuros. E que é apresentado pelo Clemente do Inocentes. Paralelo a isso ele mantém seu trabalho solo. Daniel Shadow era do Cartel MC´s. Durante a conversa com Panão perguntei sobre algumas frases... Sobre algumas frases que eu havia conseguido captar ouvindo sua música. Mas hoje quando abri a música Você Que Faz Versos, no YouTube, Daniel Panão em parceria com DJ Erick Skratch. Desisti. Fiquei com a impressão de que todas as frases eram memoráveis, e que seria uma injustiça escolher uma. Você Que Faz Versos é aquela letra que se sustenta no papel. Não precisa de ninguém que segure a folha no ar. O refrão da música cita um trecho extraído do Poema, E Agora, José? Daniel Panão tocou teclado numa banda cover do Pink Floyd, e assim como muitos músicos aprendeu música na igreja. No caso dele numa igreja batista na Penha. Onde tocou teclado e flauta durante parte de sua adolescência. Panão se envolveu com a vida errada. E assim como inúmeros cantores de rap. Saiu da vida errada. E voltou para o rap. Daniel Panão, carioca nascido no Grajaú, e cria da Penha, morou dos 11 aos dezoito anos na zona noroeste de BH. Daniel Panão passou um tempo zanzando nas ruas do centro de BH. Simplesmente para gravar, ele afirma. Nada do quê eu vivi foi por necessidade... Fiz porque eu tava maluco! Panão dormiu no sofá de um, e de outro, igual ao líder do Nirvana. Tudo por causa da música. Música essa que ele me diz, tudo é música! Para ajudar em casa Panão trabalhou numa lanchonete famosa. Trabalhou numa torcida do Vasco. Time do seu coração. Trabalhou. E trabalhou. Ele trabalhou para ajudar a mãe, e uma época simplesmente deixou o rap de lado. Até que veio o convite de Daniel Shadow. Panão voltou para a música. Ele que trabalhou como camelô na Praça Sete em BH. Assim como o dramaturgo Plínio Marcos Panão trabalhou com o quê pôde. E nessas idas, e vindas. Entre um trabalho e outro. Panão trabalhou no estúdio de rap. E apresentou um programa numa radio comunitária da Lapa, Madame Satã. E assim como Geraldo Pereira, que dizem ter morrido em consequência de uma briga com o famoso travesti que dá nome a radio, Panão caminhou por aquelas ruas com a música na cabeça. Ele era frequentador assíduo de um evento chamado Reciclando Pensamentos, que acontecia na Fundição Progresso semanalmente, e que acabou por causa de um incêndio no local. Mas as chamas não puderam apagar os laços que Panão havia estreitado com o rap. Panão começou a cantar rap influenciado por um amigo de BH, Brow, que colocava um CD de bases para rolar em sua casa, e improvisava.  Tudo movido a altas doses de suco de tomate. E assim como Brow outro incentivador foi o amigo Minhoca. Amizade das ruas. Dos moleques que andavam de skate. Sua “família de rua”, os Kamikaze Crew de BH. O seu irmão Diedro, Pelão, emprestou um CD do Jigaboo a Panão... Pronto. Daniel ia se divertir. O amigo Brow, que morreu assassinado em 2014, deixou para sempre a lembrança daquele dia na mente de Panão. No dia em que Panão rimou a primeira vez... Passou minutos rimando sem parar. E era a primeira vez que rimava! Lá foi ele no dia seguinte comprar um CD de bases. Desde então, parece que toda vez que a vida aponta um caminho é em direção à música. Panão me diz. Eu canto rap. Rap é música! Quando a gente levanta Panão me pergunta: tem um careta? Eu queria perguntar a ele sobre a tatuagem... Mas esqueci. Digo que não. Caminhando na Penha Daniel Panão já deu autógrafo até para adolescente de igreja que gosta de rap. Embora outras pessoas olhem desconfiadas, ele me diz, saí de madrugada, de dia em casa, pensam que é vagabundo... Eu me lembro das frases de um dos seus amigos. EAZY CDA. Na música Somos. “Nosso ofício é visto para os de fora como esquisito. Mas a largada já foi dada. Não tem volta. Não ligo. Vou indo. Seguindo. Erguido firme no destino. Aonde iremos chegar já se tornou um detalhe mínimo!” Panão só tem aqueles quatro sons que estão na internet. Ele diz que está pensando... Ele quase não grava nada. Demora a gravar. Mostra pouca coisa. Fica desconfiado. “Todo Rapper que escreve, fará livros também” Disse Sabotage. Mas esse não é o desejo de nosso amigo. Ele diz, não gosto de escrever! Eu já ouvi isso da boca de alguns escritores. Daniel Panão está de mudança. Não vai mais morar na Penha. Pena. É a música... Eu me despeço de Panão que mergulha na noite das nossas ruas tortuosas, e de nossas calçadas quebradas, que mais parecem estacionamentos... Panão some ao virar a esquina. É a música... Eu penso.
fotos: Sergio Vinicius.



sábado, 30 de janeiro de 2016

Ela Conversava Com as Plantas...

Ela conversava com as plantas
Ela falava com toda a confiança
Ela parecia enluarada
Mas as plantas nunca lhe disseram nada
E ninguém conseguia explicar
O que ela queria dizer
Se é que ela dizia alguma coisa
Que as plantas conseguissem entender...
Um dia eu perguntei as plantas
Se e a gente incomodava indo ali no jardim
Mas pelo que deu para perceber
As plantas só fizeram rir de mim
Só fizeram rir de mim
As plantas só fizeram rir de mim
Só fizeram rir de mim
As plantas só fizeram rir de mim
Ela conversava com o gato
Que nunca falou mal de nenhum rato
Que sempre a ouviu com paciência
Durante toda aquela convivência
Ele também nunca comentou nada
Ele sumia quase toda a madrugada
E um dia eu perguntei a ele
Se a gente não atrapalhava a vida dele
Ele me disse que eu não era nada dele!
E que nem ela era da família dele...
Ele me disse que eu não era nada dele!
E que nem ela era da família dele...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O Veneno da Natureza...

Nem toda fruta que se come tem sabor
Nem toda flor que se cheira tem odor
Nem toda fruta que se come tem semente
Nem toda flor que se cheira a gente sente
Nem toda fruta que se come é madura
Nem toda planta que se cheira é da pura
Nem toda a planta que se planta tem raiz
E nem tudo aquilo que se fala a gente diz
Nem toda casca diz quem é o alimento
Nem toda terra que se pisa é firmamento
Nem todo alimento tá próprio pra consumo
Nem toda bosta de vaca é pra insumo
Nem todo o interior tem o ar puro
Nem todo fruto que está verde está duro
Nem todo animal está pronto pro abate
E nem toda erva que se planta é erva mate
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza
Nem todo o solo fértil é arado
Nem todo bife do bom é bem passado
Nem toda vaca louca é para o matadouro
Nem toda serra pelada vale ouro
Nem toda terra boa é adubada
Nem toda cratera saliente é apertada
Nem todo boi que eu conheço usa chifre
E nem todo gado de esquife é bom pra bife
Nem toda praia está imprópria para banho
Nem toda erva maldita leva cânhamo
Nem todo pica pau é amarelo
Nem todo chá de boldo é chá de cogumelo
Nem toda planta que se planta é pra queimar
Nem toda natureza é pra se preservar
Nem todo animal está em extinção
E nem todo veneno é pra incineração
Nem tudo na natureza é uma beleza
Eu conheço o veneno da natureza

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Cidade...

A cidade segue o seu rumo secreto
Existe algo que não funciona nem por um decreto
A cidade segue o seu ritmo diurno
A cidade segue o seu ritmo noturno
Eu não sei quem acelera de verdade.
Se é ela ou se sou eu.
Tem fiança quem atropela
E morte! Quem morreu?
A cidade se une em prol da sua crença
Desmorona em sua desavença
Na cidade tem quem manda
E quem é mandado
A cidade tem vítima
Não tem culpado
A cidade tem multa
A cidade tem tarifa
A cidade tem pedágio
A cidade tem rifa
A cidade tem ladeira
Cidade é marginal
Cidade tem velocidade
Cidade tem perimetral
A cidade tem defeito
A cidade tem excesso
Na cidade há quem veja
E quem não chegue perto!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Três Minutos Naquela Rua...

esse preto que tá em pé tá com uma touca bordada. verde, amarela e vermelha. ele deve ter uns cinquenta anos ou mais. tá grisalho, mas parece o rosto de um menino no corpo de um homem. ele diz pro outro. mosquito maldito! o governo esconde os números... olha quantas mulheres grávidas... o outro sentado no meio fio pergunta... será que vamos ser dizimados? os outros não respondem. ignoram o seu comentário. passa uma menina branca magrinha de cabelo pintado de azul com uma camisa do Ramones. do outro lado da rua tem um bar, e dentro do bar três malucos. eles dançam ouvindo Vida Loka Parte Dois na máquina de música. eles dançam, e fazem cara feia olhando em direção ao outro lado da rua onde estão os outros três malucos. eles dançam como se tivessem fazendo uma apresentação para eles... Mas os malucos parecem impassíveis. eles estão com os olhos vermelhos de tanto pegar sol. sobe uma fumaça da churrasqueira. eles ficam encobertos pela fumaça que sobe da churrasqueira. esse cara mais velho tá com os dois dedos frente à boca. como se segurasse uma caneta. mas, não há nada ali... ele só está prendendo o ar. com as mãos. passam duas meninas conversando. uma delas pergunta: você já foi assaltada? ela vai dizer que não. acho que por causa da minha cor... o outro pergunta. vocês vieram de trem? Infelizmente... ele responde. viemos esmagados num vagão da SuperVia. porque não vieram de ônibus? você só tem essas duas opções? ele responde com outra pergunta. passa um moleque olhando para o chão. o cara que tá sentado no meio-fio pergunta. hei, moleque! tá procurando o quê? o moleque não responde. o outro diz. ele deve ter perdido alguma coisa. passa um cara correndo. o cara que está no meio fio grita. se eu pudesse gritar eu gritava. mamães: não deixem seus filhos na rua! o mais velho diz. qual é maluco tá ficando doido! quando explodem as sirenes... de bombeiro. e todo mundo que está na rua corre. para ver o quê é.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A Rua...

De dentro do boteco vem o som da maquininha
Sentado no caixote, esperando uma quentinha
Um de cadeira de roda, outro de muleta.
Sentado no alambrado ou encostado na mureta
Mosquito no nariz derramado de plantão
Tem quem passe a vida toda procurando algo no chão
Mal tempo, clima tenso, rotina, levanta a blusa!
Tem velho, tem menina, porque todo mundo usa!
Ficha na maquininha, pilha no radinho.
Faz fila, abre a visão, não atrapalha o caminho.
Vagando ou andando sob o efeito zumbi
Deita-se não descansa quando cai é pra dormir
Sente o aroma da de galo vem guiado pelo cheiro
Mete a boca no gargalo desce o ralo do banheiro
Correndo e se debatendo com um tica nervoso
Tremendo se mordendo tipo um cão raivoso
Onde se vê mendigo ou cachorro faminto
Não há dama de honra cavalheiro distinto
O quê você vê na tevê ou então na internet
É o quê ali se vê e nunca se esquece
Faz rolo barganha, ganha qualquer dinheiro.
Na barraquinha tem bala, copinho d´água e isqueiro.
Na rua da vala, da linha ou do valão.
Na rua do campinho, da escadinha, ou do lixão.
Alguns são mortos e outros vivem encarcerados
Existem os que desistem e os que vivem mutilados
Seus complexos, neuroses, suas depressões.
Sujeito a divagações que apavoram os corações
Esperando o fim da guerra, dentro do mundo moderno.
Nesse cantinho da Terra, Rio de Janeiro, um inferno!
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!
De onde você é? Quem é você? Onde você mora?
O quê faz aqui? Passeando a essa hora?
Não vem mandado, ninguém passa batido.
Pra chegar ao farmacêutico tem que ter olho clínico
De dia o tempo fecha a noite brilha feito sol
Medida de segurança, por favor, pisca o farol.
Onde não tem ONG, nem igreja, nem estado.
Onde a vala é negra e os impostos são cobrados
Onde não tem padre, pai de santo, ou pastor.
Ansiolítico vicia na neblina do vapor
O círculo vicioso se ainda está vivo
Se dirige a farmácia toma um antidepressivo
Tem tido ansiedade sudorese uma dose
Joga na celulose não morrer de overdose
Na hora do recreio no intervalo da escola
Em busca de uma dola dentro daquela sacola
Na hora do almoço com uniforme do trabalho
Maltrapilho, esmolando, parecendo um espantalho
Na rua do sofrimento, ou na rua da amargura.
Dá soco, leva chute, toma tiro, leva dura.
Referendo, votação, maioridade penal.
Injeção letal, para a pena capital.
Sem a instituição da reabilitação
Masmorra, calabouço, cadeia ou prisão.
O quê não há em casa procura em outro lugar
Um beco sem saída para se chamar de lar
Cuide de você mesmo, não conte com o governo.
Se for bala perdida vai ter flor no teu enterro
A previsão é de mal tempo e de muito sofrimento
A esperança floresce, mas carece de exemplo.
Naquela rua têm uns tipo psicótico
Naquela rua tem uns tipo neurótico (paranoico)
Naquela rua tem uns tipo eufórico
É lógico! É lógico!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Eu, Christiane F, e David Bowie...

tudo começou com Christiane. pois havia em sua casa dois álbuns do Bowie. o mesmo álbum. que nós ficamos ouvindo a tarde inteira enquanto elas se arrumavam. antes de irmos a Sound. isso foi antes de Christiane conhecer Detlef. eu deixava o disco rolar. e sempre que a agulha chegava ao final do disco. eu me encaminhava até o aparelho. pegava a agulha. e a levava ao início do disco. eu não queria que aquele disco parasse. Babsi veio até a porta e me mostrou a blusa, ela perguntou, gostou? balancei a cabeça dizendo que sim. ela disse na direção do quarto. Christiane, acho que ele gostou mais do Bowie! Christiane, gritou de volta. num te disse que todo mundo gosta, Babsi! eu disse a Babsi. igual dizem os críticos de jornal. ele possui uma sonoridade própria. ela entortou a boca como as mulheres fazem quando nós fazemos um comentário irrelevante. e voltou para o quarto. continuei sacudindo o pé esquerdo. em cima do joelho direito. nós fumamos um. e ficamos chapados ouvindo música. eu pensava naquele cara viciado em heroína que havia vendido sua coleção do Bowie. e sentia pena dele não poder mais ouvir o David Bowie.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Quentin Tarantino – Os Oito Odiados...

Tarantino fala do bandido. da violência humana. ele é a voz do assassino. a voz da sociedade que se auto destrói. a sua violência não é a mesma violência chorosa dos filmes que vemos todos os dias. é a violência real dos assassinos e psicopatas que abatem seres humanos, como quando esmagamos formigas entre o farelo, e o papel de pão. é Lógico que Tarantino tem filmes como Bastardos Inglórios, e Tempo de Violência, que as pessoas vão querer assistir em todo novo filme seu. por exemplo, eu vou sempre querer assistir aquelas caretas do Brad Pitt de Bastardos Inglórios, e aquele nazista com a sua tortura psicológica. sempre vou querer ouvir os diálogos de Samuel L. Jackson com John Travolta, de Tempo de Violência. mas aí, é que está, Tarantino de Os Oito Odiados é o Tarantino da palavra. o Tarantino do ambiente claustrofóbico.  inóspito. com toda a tradicional violência que perde o sentido. Tarantino nos mostra isto, que a violência sequenciada, acaba não parecendo tão chocante, quanto parecia, assim como nas tardes televisivas brasileiras, como alguns seres humanos querem nos fazer supor. neste filme está todo o ufanismo americano. o ódio racial. o personagem de Samuel L. Jackson dá voz ao outro lado. a articulação das palavras na boca dos atores é clara, e objetiva, não sei se por causa da época, ou da região em que a historia se passa, ou se é um dos focos da direção.... mas você fica ali sentado. aquele tempo todo sem piscar. e quando acaba você pensa é o Tarantino de sempre.  os conflitos políticos estão no filme. a guerra civil americana. a discussão sobre as leis que no filme nos mostram quanto o óbvio pode ser absurdo. eu tenho um pedaço de papel no qual diz que posso te enforcar, eu digo algo para que você pegue aquela arma, e tente me matar, aí então eu te mato em legítima defesa. o bom é que Quentin Tarantino, assim como os grandes escritores, e outros grandes cineastas, ele criou o seu universo, e mesmo que explore outros universos, a sua marca estará sempre com ele, sem perder aquilo que lhe é mais característico. como o Quentin Tarantino de Os Oito Odiados confirma.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Júpiter Maçã...

a gente falava de um desses festivais brasileiros de rock que são conhecidos no mundo todo. eu disse, fecha com o Júpiter Maçã! ele disse. Júpiter Maçã morreu. eu fiquei sabendo cinco dias depois. Júpiter teve uma morte bufona. bateu com a cabeça no banheiro. Júpiter Maçã não morreu aos 27. e sim aos quarenta e sete do segundo tempo. não quis abrir mão da atitude rock. fiel a ela até o último momento. a última entrevista que assisti do Júpiter. ele tirou um sarro com a entrevistadora que não conhecia seu trabalho. disse a ela, se referindo, a um de seus discos. esse disco que é um clássico! Júpiter já um clássico. não adianta nada guitarra em museu. o quê fica são as músicas. Júpiter soava original. fazia o quê gostava. sua sonoridade é própria. suas influências muitas vezes são claras. como na clássica marchinha que é um pastiche do Caetano que reverenciou um de seus discos Plastic Soda. assim como Sean Lennon. por falar nisso Júpiter Maçã era um beatlemaníaco. eu acho Modern Kid. um dos melhores clipes brasileiros. não só por sua interpretação, também. pra onde Júpiter Maçã foi? a resposta é óbvia. ele abandonou essa caretice toda... e foi pra um lugar do caralho!