Assim como as suas
rimas a história de Daniel Panão é sinuosa. Às vezes quebrada. Às vezes acelerada. Sentado ali naquela cama de solteiro ele me explicava. É um bagulho
estudado. Pensado. Não é algo que eu fiz, assim, não... De qualquer jeito...
Panão gesticula como se conseguisse guiar as palavras com as mãos, o que parece
ser a vontade expressa em seus olhos. Quando dá aquela risada zombeteira.
Daniel Panão está com uma camisa do N.W.A. Daniel Panão é o cara que canta com
o Daniel Shadow. Aquele maluco naquele programa do Canal Show Livre que está no
YouTube, de boné e de óculos escuros. E que é apresentado pelo Clemente do
Inocentes. Paralelo a isso ele mantém seu trabalho solo. Daniel Shadow era do
Cartel MC´s. Durante a conversa com Panão perguntei sobre algumas frases...
Sobre algumas frases que eu havia conseguido captar ouvindo sua música. Mas
hoje quando abri a música Você Que Faz Versos, no YouTube, Daniel Panão em
parceria com DJ Erick Skratch. Desisti. Fiquei com a impressão de que todas as
frases eram memoráveis, e que seria uma injustiça escolher uma. Você Que Faz
Versos é aquela letra que se sustenta no papel. Não precisa de ninguém que
segure a folha no ar. O refrão da música cita um trecho extraído do Poema, E
Agora, José? Daniel Panão tocou teclado numa banda cover do Pink Floyd, e assim
como muitos músicos aprendeu música na igreja. No caso dele numa igreja batista
na Penha. Onde tocou teclado e flauta durante parte de sua adolescência. Panão
se envolveu com a vida errada. E assim como inúmeros cantores de rap. Saiu da
vida errada. E voltou para o rap. Daniel Panão, carioca nascido no Grajaú, e
cria da Penha, morou dos 11 aos dezoito anos na zona noroeste de BH. Daniel
Panão passou um tempo zanzando nas ruas do centro de BH. Simplesmente para
gravar, ele afirma. Nada do quê eu vivi foi por necessidade... Fiz porque eu
tava maluco! Panão dormiu no sofá de um, e de outro, igual ao líder do Nirvana.
Tudo por causa da música. Música essa que ele me diz, tudo é música! Para
ajudar em casa Panão trabalhou numa lanchonete famosa. Trabalhou numa torcida
do Vasco. Time do seu coração. Trabalhou. E trabalhou. Ele trabalhou para
ajudar a mãe, e uma época simplesmente deixou o rap de lado. Até que veio o
convite de Daniel Shadow. Panão voltou para a música. Ele que trabalhou como
camelô na Praça Sete em BH. Assim como o dramaturgo Plínio Marcos Panão
trabalhou com o quê pôde. E nessas idas, e vindas. Entre um trabalho e outro.
Panão trabalhou no estúdio de rap. E apresentou um programa numa radio
comunitária da Lapa, Madame Satã. E assim como Geraldo Pereira, que dizem ter
morrido em consequência de uma briga com o famoso travesti que dá nome a radio,
Panão caminhou por aquelas ruas com a música na cabeça. Ele era frequentador
assíduo de um evento chamado Reciclando Pensamentos, que acontecia na Fundição
Progresso semanalmente, e que acabou por causa de um incêndio no local. Mas as
chamas não puderam apagar os laços que Panão havia estreitado com o rap. Panão
começou a cantar rap influenciado por um amigo de BH, Brow, que colocava um CD
de bases para rolar em sua casa, e improvisava. Tudo movido a altas
doses de suco de tomate. E assim como Brow outro incentivador foi o amigo
Minhoca. Amizade das ruas. Dos moleques que andavam de skate. Sua “família de
rua”, os Kamikaze Crew de BH. O seu irmão Diedro, Pelão, emprestou um CD do
Jigaboo a Panão... Pronto. Daniel ia se divertir. O amigo Brow, que morreu
assassinado em 2014, deixou para sempre a lembrança daquele dia na mente de
Panão. No dia em que Panão rimou a primeira vez... Passou minutos rimando sem
parar. E era a primeira vez que rimava! Lá foi ele no dia seguinte comprar um
CD de bases. Desde então, parece que toda vez que a vida aponta um caminho é em
direção à música. Panão me diz. Eu canto rap. Rap é música! Quando a gente
levanta Panão me pergunta: tem um careta? Eu queria perguntar a ele sobre a
tatuagem... Mas esqueci. Digo que não. Caminhando na Penha Daniel Panão já deu
autógrafo até para adolescente de igreja que gosta de rap. Embora outras
pessoas olhem desconfiadas, ele me diz, saí de madrugada, de dia em casa,
pensam que é vagabundo... Eu me lembro das frases de um dos seus amigos. EAZY
CDA. Na música Somos. “Nosso ofício é visto para os de fora como esquisito. Mas
a largada já foi dada. Não tem volta. Não ligo. Vou indo. Seguindo. Erguido
firme no destino. Aonde iremos chegar já se tornou um detalhe mínimo!” Panão só
tem aqueles quatro sons que estão na internet. Ele diz que está pensando... Ele
quase não grava nada. Demora a gravar. Mostra pouca coisa. Fica desconfiado.
“Todo Rapper que escreve, fará livros também” Disse Sabotage. Mas esse não é o
desejo de nosso amigo. Ele diz, não gosto de escrever! Eu já ouvi isso da boca
de alguns escritores. Daniel Panão está de mudança. Não vai mais morar na
Penha. Pena. É a música... Eu me despeço de Panão que mergulha na noite das
nossas ruas tortuosas, e de nossas calçadas quebradas, que mais parecem
estacionamentos... Panão some ao virar a esquina. É a música... Eu penso.
fotos: Sergio Vinicius.