você já ouviu esses tiros? quando são de armas de calibre trinta e oito são secos. explodem. explodem. pipocam. se forem de calibre quarenta cinco eles são mais graves. eles vêm em sequência primeiro. e depois de segundos infinitos se tornam espaçados. depois de um silêncio constrangedor. começa a se ouvir passos. alguém surge primeiro na esquina com a cabeça esticada. depois aparecem mais e mais pessoas. os passos se tornam mais rápido. já se ouvem vozes. e lá se vem algum nome familiar. um novo silêncio. esse amedrontador. normalmente vêm os gritos, e os choros das mulheres. aí vem a pior parte. a hora dos choros das mulheres. e aquele último choro, que é o da mãe, ele é insuportável, saí do fundo da alma, é uma dor sem cura essa da partida. A dor do adeus...
na entrada da favela existe uma máquina. está tocando Eduardo o tempo todo. uma crackuda tá dançando sozinha. ela tem uma garrafa vazia na mão. um coroa caquético aperta um baseado. um grupo entra num beco que dá para o outro lado. mutilados. esfacelados. todos estão por ali. naquele lugar tão filmado, tão comentado, mas tão pouco frequentado por aqueles que deveriam, muito frequentado, muito “mal frequentado”. enquanto a voz do Eduardo ecoa...
antigamente os moleques balançavam a cabeça ouvindo rap, olhavam para o lado, e diziam: “Só a realidade!”. ninguém fala mais a realidade. Atualmente só o Eduardo fala a realidade. talvez alguns outros... eu sou um que não digo a realidade. ainda sou muito egoísta. mas reconheço que o Eduardo diz a realidade. antigamente eu ficava feliz quando ouvia um disco de rap com dez músicas boas, vai que fossem oito, mas duas horas?!... ele exagerou, e é como se dissesse quem sair por último apague a luz. Eduardo é uma metralhadora de palavras. e que porra é essa de cultura que ele tem que ele vem citando todos os teóricos revolucionários, e anarquistas, e mistura tudo isso com gírias das favelas de São Paulo, com a história do Brasil, com a história do mundo, eu nem tenho tempo de pesquisar todas aquelas citações. calibres. policias. leis. documentos. mas se tem aula sobre tanta coisa. ele parece um jornalista falando. para que o playboy entenda tem de explicar que ele é uma espécie de Ricardo Boechat. para que o playboy entenda tem de explicar que ele é uma espécie de Chico Buarque para a poesia. você tem de ouvir o disco com uma enciclopédia e um dicionário do lado. vai aprender muita coisa. a história do Brasil. tudo que ele fala só não vê quem não quer. Eduardo é bacharel na história do Brasil contemporânea. esse seu disco é o Dom Casmurro do rap. ele dá nome aos bois. as siglas. numa das músicas ele diz que se tornou o patinho feio do rap porque não é comercial. ele é mesmo! “enquanto o rap põe gelo no balde da ostentação...” Eduardo conta sobre tudo aquilo que nós, os brasileiros, sabemos, mas não podemos falar. tudo que está por debaixo do pano. e que não pode se revelado, pois, amamos nossas vidas. Eduardo cita de questões ecológicas, avanços da ciência... eu nem consigo ficar citando frases. porque são duas horas delas de frases de rap. seco. rap de verdade. para quem não gosta de mentira. para quem gosta da verdade que liberta. e é um disco para maluco, para todo mundo que olha pro outro lado da rua e pensa. porque a gente aceita viver assim? eu gosto de rap. de texto. Eduardo superou todo mundo. atropelou. mas é porque ele é bem mais do que um rapper, ele é um menestrel, está combatendo em contato com os revolucionários do mundo inteiro, creio eu, deve se conectar com eles telepaticamente, quando vejo os grandes raps do mundo, parecem crianças inocentes de frente para o Eduardo. Como ele diz, enquanto estão preocupados com flou. o Eduardo é o único que não se preocupa com nada. nem com ninguém. só com aquela missão que ele tem que cumprir. e a qual me parece nasceu destinado... é um herói que nós simples mortais vamos viver sonhando ter a mesma coragem. ele sempre irá nos inspirar. quando eu pensei que o rap ia acabar. Veio o Eduardo e renovou tudo aquilo que eu mais amava no rap. aquele lado havia me feito entrar no rap. Eduardo mostrou um caminho que chega a ser ridículo ficar olhando para o próprio umbigo. Ele fala a verdade. a sua verdade? não! a nossa verdade! a verdade que nós não queremos aceitar. tudo começou porque vi pichada A Era Das Chacinas... depois das dez todo excluído... vira alvo vivo!