segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Roberto Carlos na Vitrola...

a mãe de Samuel dizia a ele, Samuel, se o seu pai não voltar pra casa eu me mato! eu taco fogo na casa com você dentro! você vai ver, Samuel! você vai ver! eu mato a gente, Samuel... nós dois! Samuel era muito novinho. era criança, ainda. ele estava no início do antigo primário. Samuel olhava para a mãe, e imaginava a casa pegando fogo, crepitando, com eles dentro. Samuel se lembrava daquele filme em que a mãe do psicopata suava. Samuel não conseguia se lembrar se o psicopata morria queimado no final, ou se a sua mãe morria queimada, ou se a casa do psicopata terminava em chamas, pegando fogo. a mãe de Samuel em nada se parecia com a mãe do psicopata. em alguns momentos ela nem parecia irritada. acabava colocando Roberto Carlos na vitrola, e passando a cera vermelha no chão. a cera era de uma vermelhidão, tremenda. ela passava a cera no chão, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. enquanto Samuel jogava bola sozinho no quintal. ou com o primo que era mais ou menos da mesma idade que ele. quando a mãe de Samuel estava de bom humor, ela não falava nem da morte, e nem da piranha que o pai de Samuel havia arrumado. e aquelas manhãs de sábado de sol eram tranquilas. com Samuel jogando bola no quintal.

domingo, 2 de agosto de 2015

Sangue Bom!

tava jogando a pelada de segunda meia noite na praça. quando ainda tinha algum fôlego para correr. enquanto eu passava eles gritavam, tá na capa! físico de jogador de dominó! tá malhando? pele e osso. aí eu me lembrava daquela música em que o Cartola diz, e quando eu passo, a gurizada pasma, horrorizada, como quem vê um fantasma! e o esqueleto humano, assim vai, cambaleando, quase cai, não cai. eu falei pro moleque no meio da pelada. passa a bola, sangue bom! ele explodiu, caraca! sangue bom! da antiga aí, valeu! ele ficou deliciado em ouvir aquela gíria. talvez ela o remetesse a algum pai, ou a algum tio com quem tenha convivido quando era criança. ou trouxesse a ele lembranças da rua.

Bater Ponto...

todo dia naquele horário nós estávamos sentados naquele portão. então ele passava por nós, e dizia. eu vou bater o ponto. e se encaminhava até o orelhão da esquina. um dia eu disse, nossa, que legal... cool. você bate o ponto por telefone! o pai dele me olhou como se eu estivesse viajando. eu havia achado o máximo uma pessoa trabalhar em casa, e bater o ponto pelo orelhão. era algo que me remetia a grandes empresas de tecnologia. achei aquilo super evoluído. e moderníssimo para a visão mundo cão, que parte de nós brasileiros temos do trabalho. quando cheguei a casa comentei o acontecido com a minha esposa. e fiquei decepcionado ao descobrir que o rapaz não se referia ao trabalho. e sim, ao ato de telefonar para a mesma pessoa todos os dias, ritualisticamente, no mesmo horário. fiquei triste ao vê-lo dia seguinte de manhã cedo de uniforme do trabalho no ponto do ônibus.

sábado, 1 de agosto de 2015

A Crise!

ele não sabe responder ao filho porque existem tantas placas de aluga-se, e vendem-se penduradas por todo o bairro. já que quando eles foram procurar casa para alugar, a mãe havia dito que não havia casas para alugar naquele lugar. agora as placas se multiplicavam uma por cima das outras. então ele diz ao filho, é a crise. o filho pergunta, o quê é a crise, pai? ele corta. quando as coisas estão ruins. e o filho insiste, as coisas estão ruim pai. ele diz, sim, meu filho. as coisas estão ruins. mas elas irão melhorar. então o pai se afasta dizendo. vamos embora, meu filho, e o menino o segue... este outro homem estava assustado. não sabia o quê fazer. ele não era alguém que a cerveja conseguisse ludibriar. depois que passava a ressaca. ele sempre se lembrava dos filhos adolescentes. sendo educados ao léu. e ele estagnado naquele emprego. ele sabia que homens que tiveram tudo na vida acabavam espremidos em quartinhos. os seus medos eram muitos. quando olhava para a filha, ele temia que um dia aparecesse com outra criança nos braços. ele se preocupava ao ver que os seus seios começavam a brotar. e pensava. ou eu tenho dinheiro para dar de comer aos meus filhos. ou eu tenho tempo para educar meus filhos. era assim que ele pensava. imaginava quando o filho fumaria o primeiro baseado. e temia que experimentasse  a cocaína. e  crack que era o maior sofrimento que ele presenciava em sua vida. ou que assim como ele, que não admitia ser alcoólatra, o filho bebesse todos os dias. meninas também não estavam livres de nada. ele vivia num lugar onde era perigoso andar nas ruas. na escola em que seus filhos estudavam havia de tudo. agora havia de tudo em todo lugar. às vezes ele sonhava que seus filhos batessem com suas cabeças, e se convertessem a alguma religião. ou quem sabe se apaixonassem por alguma coisa que fosse além da violência, e da pornografia, assim como ele era viciado nessas coisas. ele estava espremido na cama igual a um feto. era apenas uma criança assustada, que se pudesse gritaria. mãe!

domingo, 26 de julho de 2015

Tim Maia, Fábio e Hyldon... Velho camarada!

um skatista desce a rampa. Fábio de branco caminhando canta a parte dele. lentamente. o letreiro anuncia Velho Camarada de Augusto César. Fábio dubla a parte com vozes femininas. faz aquela expressão de felicidade em tom agudo. uma porção de figurantes estão sentados ao fundo. Tim Maia canta a sua parte metido num blazer azul, enquanto dança fazendo pose. Hyldon está sentado no meio de umas minas que são o "must" da época. a cor dos olhos de Hyldon está singular. Hyldon veste calça branca e camisa praiana. todos estão tostados pelo sol. eu não acredito que esteja vendo isso! que ano era aquele, mesmo?

terça-feira, 24 de junho de 2014

Eu Vou Fazer 20 Anos...

eu vou fazer 20 anos. e como eu queria ter aprendido com quinze o que eu sei hoje. teria evitado todos excessos. todos estresses. toda ansiedade que vai corroendo por dentro, toda pressa de viver como se fosse morrer no dia seguinte. pois o mocinho sempre fica vivo no final da estória, e descobre que a princesa é uma boneca inflável, e o príncipe um sapo. quando você se torna uma careca equilibrada sobre uma barriga de cerveja, ou uma cabeleira sedosa sobre uma pança, você descobre que os filhos nascem. e que eles comem, comem e cagam. mas que o sorriso de um deles, vale mais que qualquer flerte. se eu pudesse voltar no tempo teria limpado os meus ouvidos, e prestado atenção quando me diziam, você vai se ferrar por isso! eu não quis acreditar, mas espera lá... eu era muito novo. pelo menos estou vivo. quantos da minha geração morreram assassinados. morreram de overdose. quantos estão jogados nas ruas, entregues à bebida, ou ao crack, ou derramados no pó. pelo menos estou vivo. tenho trabalho. tenho saúde. não me lincharam, e nem me estupraram neste país perigoso em que vivemos. não contraí nenhuma doença em noites sem preservativo. nunca tirei a vida de ninguém. e ninguém tirou a minha. ninguém me prejudicou. e não me matei como tantos fizeram, direta ou indiretamente. que ótimo poder respirar num dia nublado, ou ensolarado. com, ou sem dinheiro. sozinho, ou acompanhado. e que bom poder fazer vinte anos de carreira...

terça-feira, 17 de junho de 2014

Nós Temos de Nos Desviar dos Caminhos Ruins...

...aquela senhora ia em sua cadeira de rodas motorizada pelo meio da rua. havia um ônibus estacionado, por ali, e ela havia emparelhado com ele. só que ela estava na contramão dos carros. olhei para a calçada para saber por qual motivo... e percebi que a calçada se dividia entre carros, e buracos. buracos, e carros. ela seguia tirando finos, impressionantes dos carros que passavam, eu estava distante, mas pude vê-la cruzar a esquina. enquanto rezava para que não acontecesse nada. nada aconteceu. e ainda deu tempo de ouvir um amigo aconselhando o outro. nós temos que nos desviar dos caminhos ruins!...