Ninguém
veio do nada. Esta frase é um clichê. Mas é necessária. Até aonde vão os
limites que nos dizem que não devemos usar os famigerados clichês. Posso estar
satisfeito em relação à frase em questão. O que quero dizer quando repito a
mesma, é que sofremos influências, e que mesmo a nossa única e exclusiva
persona com à qual somos identificados, é um poço de influências; de gente,
coisas, e acontecimentos que vieram antes ou caminham junto conosco. Nós somos únicos
e originais dentro desta mistura idiossincrática.
Quando
um artista pop enumera as suas influências todos entendem que isto não faz dele
um mero plagiador. Ele é um conjunto único daquelas referências. Como não se
repete um DNA, não se duplica uma personalidade ou mesmo determinada visão de
mundo. Somos seres únicos. Ninguém leu os mesmos livros, ouviu as mesmas
músicas, ou esteve presente nos mesmos acontecimentos e os sentiu da mesma
forma. Por mais que um artista se esforçasse o tempo todo para copiar outro, em
algum momento a sua marca pessoal viria à tona. Embora seja possível identificar
nas palavras de um escritor, o estilo de alguns dos seus autores preferidos.
Muitas
músicas que assobiamos no metrô são pastiches. Alguns exemplos são os
brasileiros Tim Maia e Raul Seixas que têm plágios entre algumas de suas
músicas conhecidas. Segundo a lei artistas populares como Rod Stewart e George
Harrison plagiaram. Mas estes são casos extremos que envolveram brigas
judiciais. O cantor brasileiro Lobão disse que os seus compatrícios da banda Paralamas
do Sucesso plagiaram um dos seus discos. Mas não será que eles ouviam tanto Cena
de Cinema, que reproduziram em Cinema Mudo à sua maneira de fazer? Segundo
relato do próprio Lobão em sua autobiografia (Lobão 2010), o vocalista Herbert
Vianna teria dito que gostava demais da obra. Depois deste episódio Lobão
gravou músicas dos mesmos.
Alguém
pode ficar decepcionado ao saber que àquela música, àquele livro ou filme são
uma versão. Talvez possamos acreditar que é possível que algumas obras advindas
de outras sejam transformadas em arte. Assim como reinterpretações. O Hip-Hop
desde o seu início é feito com colagens de samples. Através desta
prática o estilo se fez e cresceu. No caso do rap é mais um sinal de reverência
ao início de sua história do que alguma relação com a falta de criatividade. Para
os seus pares é uma prova de conhecimento acumulado; e de reconhecimento dos
artistas homenageados, e isto traz o respeito de admiradores deste gênero
musical.
Muitos
trabalhos originais e com suas assinaturas são reflexo de reverências anteriores.
Assim como Henry Miller dizia ter reescrito o Tropic Of Cancer (1934)
após ter lido Voyage au Bout de La Nuit (1932) de Céline. Da
mesma forma que Charles Bukowski que pôs Céline como personagem de uma de suas
novelas, Pulp (1994), era influenciado pelo mesmo. E vemos em Bukowski traços
de John Fante que no final da vida teve o auxílio do admirador para ser
publicado. Mas estes são exemplos que partem de influências. Dom Quixote
de Miguel de Cervantes é inspirado em romances de cavalaria com enredos comuns
à época. Romeu e Julieta tem um enredo entre outros que já eram conhecidos
de o dramaturgo inglês antes mesmo de Shakespeare molhar a pena na tinta.
A
collage e a apropriação são responsáveis pelo novo significado dado a um
objeto. O urinol de Duchamp, não pode ser considerado arte. Mas a forma de
olhar para ele, sim. E artístico é o modo como Duchamp chamou a nossa atenção
para o objeto em seu randy made. Da mesma forma que veremos na Pop Art
de Andy Warhol e Yoko Ono. A collage e a apropriação são como releituras
e novas representações. “E a própria "voz" de Benjamin está presente
através de notas brilhantes e comentários sobre as citações copiadas”
(Goldsmith, 2015, p.1).
“Acho que não devemos falar de collage quando nos referimos
ao cinema. Devíamos falar sobre montage.” Bruce Conner. (apud, Sonia
García, Laura Gómez, 2009, pg.1). Seguindo este raciocínio podemos
pensar na montagem como arte. A montagem é o mesmo que a “limpeza” de uma peça
de teatro para alguns diretores brasileiros. Quando dizem que uma representação
está cheia de “barriga” ou “gordura” e que precisa ser “enxugada”. A montagem no
cinema leva ao tempo-ritmo teatral. Será que diretores de teatro que ainda
montam Shakeaspere são plagiadores? Eles também trabalham com Found Footage.
A montagem de uma peça assim como a montagem de um filme é releitura e
reinterpretação. E uma função muito similar à do editor de livros e do produtor
musical.
A
montadora Sally Menke de Pulp Fiction de Quentim Tarantino talvez tenha
decidido o destino do filme na mesa de edição quando mudou a ordem das cenas. Quando
um filme é montado ele dá um novo sentido à imagem. O material apresentado em
fragmentos é praticamente reinventado na mão do montador. Ainda mais se este
não participou de todo o processo, e nem esteve presente no set de
filmagem. Ele faz com que o bruto ressurja com a sua visão. Onde está a arte
neste caso? Em suas escolhas. Não é todo mundo que consegue fazer esta
reinvenção com as suas junções. Por mais que exista um guião, a arte está em
suas escolhas. Quando reconhecemos uma marca e criação de sentidos. Só àquele
montador poderia ter juntado àquelas peças. O sentimento de autoria impresso. O conceito de autoral segue o mesmo
caminho de onde vem a inspiração, com suas idiossincrasias ao juntar uma imagem
à outra que irá criar um sentido nesta nova fusão. Para isto também é preciso
que exista uma personalizada por trás dela.
Referências
Goldsmith, Kenneth (2015). Escritura no-creativa: Gestionando el
lenguaje en la era digital Buenos Aires: Caja Negra Editora
in LÓPEZ,
Sonia García e VAQUERO, Laura Gómez (2009). Piedra, papel y tijera – el
collage en el cine documental. Ayuntamiento de Madrid e Ocho
y Medio.
https://www.academia.edu/43176227/Sobre_Colagem_e_Apropria%C3%A7%C3%A3o_Art%C3%ADstica
https://www.academia.edu/43176227/Sobre_Colagem_e_Apropria%C3%A7%C3%A3o_Art%C3%ADstica