eu não sei mais o quê é realidade e o que é literatura. às vezes caminhando num dia de sol numa das ruas do meu bairro, tenho a impressão de ser o personagem de um livro que ainda será escrito. e às vezes sentado em meu sofá, lendo, e ouvindo os trens na linha férrea, por alguns segundos me transporto para o seculo retrasado. isso é sinal de que eu estou livre, livre! vocês não conseguiram me acorrentar com as suas ideias... ideias essas, que eu ajudo a compor. sei que não importa o que eu faço, sou um um artista. e sei que sou "mais feliz" (felicidade é um conceito complicado) do que a maioria das pessoas que conheço. por fazer o quê nasci para fazer. embora se pudesse voltar num tempo, anterior a este em que vivemos, provavelmente seguiria outra forma de aprendizado, menos doloroso.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
Dez Por Cento de Vida!
toda a sua vida passa por sua cabeça. mas dizem que isso acontece quando a pessoa está para morrer. o filho grita enquanto joga. pai, só estou com dez por cento de vida! desde a infância desgraçada. esse sempre foi o percentual que ele teve para acertar. mesmo naquela peneira com uma porção de meninos. talvez com todo mundo seja assim. ele está próximo de se aposentar. sabe que se acertar esse último tiro, tudo pode mudar tremendamente. todas aquelas pessoas vão fazer com que ele se sinta nas nuvens. talvez em retribuição por elas se sentirem assim. é o último minuto, e o último chute do último jogo. o time adversário tem a vantagem do empate. ele caminha até a bola como num ritual e a fixa no chão. toma distância. se acertar será o herói da nação no dia seguinte. se errar vai passar o resto da noite explicando o que não tem explicação. vai dormir com a cabeça quente. talvez tenha que mudar de cidade e clube de novo. tudo o que não deseja. ele pensava que depois que se tornasse profissional, as coisas seriam mais fáceis. ledo engano. elas parecem mais difíceis. assim como no jogo do filho a cada nova fase o jogo se torna ainda mais complicado. ele chegou até ali por ter aceitado esses desafios. olha para a maior torcida do mundo, no maior estádio do mundo, e vê que ela balança as mãos como se enviasse energias positivas para o seu batedor oficial. corre e chuta. fica olhando o trajeto da bola, que em câmera lenta passa por cima da barreira, e em seu trajeto faz uma curva em direção ao gol. o goleiro se estica todo. por um segundo ele consegue ouvir o silêncio. quando percebe que a bola entra, corre desnorteado. não sabe mais para onde correr... todo mundo corre para todo lado... ele está louco de emoção ao ouvir aquele monte de gente gritando. faz a única coisa que vem em sua cabeça. se joga na grama, como se agora pudesse descansar.
domingo, 10 de fevereiro de 2013
A Mala no Quintal...
a mala cheia de
dinheiro estava no quintal da minha casa. jogaram por sobre o meu muro. não
tive dúvida, e me encaminhei direto para a delegacia. devolver aquela
dinheirama toda. as notas de cem faziam cócegas entre os meus dedos. eu sabia
que talvez elas não voltassem para o seu destino de origem. para as mãos
que haviam arremessado. o delegado me fez as perguntas de praxe. eu não sabia a
procedência da grana. se soubesse talvez não estivesse ali. ele disse que polícia
ia investigar o caso. algum alcaguete comunicou a impressa. eles se dirigiram a
delegacia, e enfurnaram os microfones na minha boca, como fazem com os
políticos envolvidos em escândalos. não disse nada. não engoli muito aquela
história de papai noel, de algum rico empresário ajudando pessoas pobres. a
falta de uma declaração, foi dada como uma prova da minha integridade, ao
recusar os meus cinco minutos de fama pelo meu feito. havia me tornado um
exemplo a ser seguido. a honestidade é a exceção. eu estava era fulo
da vida por não poder ou não ter coragem de ficar com o dinheiro. fiquei foi
com medo que as cédulas pertencessem a ladrões em fuga, que talvez voltassem
para buscá-las. sei muito bem que o dinheiro pode ser rastreado pela sua
numeração. não queria passar pelo que passou aquela gente da cidadezinha em que
caiu um avião recheado de bufunfa. polícia, bandido, tudo foi atrás do faz me
rir. não ia dar uma declaração dizendo que não havia ficado com a farpela por
causa de meus escrúpulos. pois na situação em que me encontro, não recusaria
dez pratas. na capa dos jornais estava escrito, O Homem Honesto. sou honesto
sim, mas não pelo motivos apregoados.
sábado, 9 de fevereiro de 2013
O Garoto da Bicicleta...
ele pedala pela rua principal do centro da cidade. o centro da cidade todo é esta rua. é uma cidade pequena do interior. uma dessas cidades que crescem em volta de alguma fábrica. a única diferença é que onde ele vive tem cachoeira, e faz frio. pois fica no alto da serra. enquanto o Garoto da Bicicleta pedala passando o canivete nas portas das lojas que estão fechadas, pensa que se o Gordo estivesse por perto eles poderiam jogar videogame. ou quem sabe andar de moto com o Cérebro e o Cabeça. Mas não. foi todo mundo para o litoral atrás daquelas praias. e daquela balbúrdia. todos eles atrás dessa festa idiota. só ele não foi. e mesmo o Velho Comandante estava fora com os netos. o Garoto adorava parar na barbearia para ouvir aquelas histórias de marinha. ele deu meia volta com a bicicleta. parou na esquina, e imaginou que talvez deveria tentar ler um daqueles livros que a sua mãe mantinha na estante contra a vontade de seu pai. a mãe dizia: as palavras ficam! e o pai: são apenas um monte de palavras empoeiradas... quando foi visitar a avó na capital, ele entrou numa livraria enorme com a mãe, e chegou a conclusão de que existiam muitos escritores. e que se a mãe insistia tanto para que ele lesse, e se todos aqueles caras e aquelas mulheres também perdiam tanto tempo a escrever, devia ter alguma importância naqueles livros. ele ia deixar de preguiça. e iria tentar ler um livro pela primeira vez. pedalou de volte em direção de casa.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Ele Não Faz Festa...
o menino está sentado na cerca de madeira. ele tem uma bermuda que vai até um pouco abaixo do joelho, e sapatos antiquados. os cabelos desgrenhados e as sardas. ele se chama David ou Miguel. algum nome bíblico. embora a sua família não seja cristã, e o seu pai seja um sacerdote de uma seita, como dizem os crentes. o menino vê a procissão, o cortejo, a passeata, não sabe muito bem o que se aproxima. eles usam máscaras e fazem festa. ele está sentado na cerca que fica na estrada de terra do outro lado da beira do rio. o menino é da roça. roça, não. ele diz. não gosta que chame o lugar onde mora de roça. mas quando eu digo roça, não falo com preconceito. é apenas um jeito carinhoso de lembrar do cheiro de terra, de acordar com o galo, do bolo de milho e da comida no fogão de lenha, que tem um gosto especial. ele olha para a menina que está no entrudo. ela olha para ele. ele pensa que não sabe porque não participa dessa porcaria de festa. ele olha a menina que olha dentro dos seus olhos enquanto a mãe a empurra, e ele pensa que se fosse por ela, ele participaria dessa porcaria de festa. e deus não ia tá nem aí pra isso. ele tem mais o que fazer. mas quando tiver aula a menina vai ser uma das pessoas, que vai espalhar para as outras pessoas, que ele não participa da festa.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
O Fim das Palavras...
eu vejo as palavras sumirem após a digitação. então viro para olhar o caminhão de lixo que faz barulho próximo à minha janela. depois que leio, lixo extraordinário, as palavras somem. de repente ao olhar o boné que descansa no braço do sofá, percebo que o nome impresso em sua aba desaparece. não é um bloqueio criativo. não é como sentir a angústia de viver num país onde se lê pouco. não é como estar cego, ou de mãos atadas. não é como escrever algo, e depois não gostar. e não é como não entender o que está sendo dito. não existem mais as palavras. acabou. as pessoas falam. você vê os seus lábios em movimentos, mas não ouve o que elas dizem. as palavras pulam como pipoca na sua frente, e desaparecem como bolha de sabão, e não importam mais os erros ou os clichês. é como se diminuíssem o volume suficientemente para não se ouvir mais nada do que o outro diz. é o fim das palavras. e isso é pior do que o medo do livro eletrônico. talvez a gente volte a tradição oral. antes se sabia onde armazenar conhecimento. mas, agora, com o fim das palavras...
sábado, 2 de fevereiro de 2013
Trilogia... (Fim)
No último ano ele
relutou mais. Ao mesmo tempo sabia que era o seu inconsciente tentando
dominá-lo. No dia do lançamento do livro estaria lá. O terceiro. O último da
série. Da trilogia. E o último capítulo dessa sua trilogia tresloucada. Era
vítima da mesma obsessão acometida por Beatriz a Dante Alighieri. Ouvia o seu
interior agitado. Embora pessoalmente fosse um tímido incapaz de pronunciar uma
palavra e temeroso até mesmo de abrir a boca. Clichês. Os conselhos suburbanos
vinham à tona. Casamento se acaba até na porta da igreja! Filho não segura
ninguém! Ele fez o mesmo trajeto sem olhar para o balcão. Pensou novamente que
ela podia ter morrido, faltado ou sido mandada embora. Mas não se entreteve com
esses pensamentos. Foi até a prateleira com uma nova determinação. Dessa vez, ruim
de tudo, estaria livre. No mais, não havia o que temer. O escritor havia dito
que esse era o último da série e ponto final. Ele olhou para o caixa. Ela havia
cortado e pintado o cabelo. Estava mais bonita e vestia uma jardineira. Ele
olhou para ela e o coração deu aquela porrada. Ela olhou para ele e ele sentiu
aquele mesmo olhar primário de admiração. O rosto dela se iluminou de maneira
que deixasse bem claro o prazer de ver aquela pessoa. Ele pagou. Ela disse: é o
último. Sabe aquela esperança ridícula a qual temos de nos agarrar às vezes,
então, ele se agarrou a ela. E a menina disse: espero que dessa vez você me
convide para tomar um café. Ele disse: sim, claro. Ela disse: chega aqui nesse
mesmo horário. É mais ou menos no fim do expediente. Ele disse: até amanhã,
então. Ela compreendendo a sua timidez respondeu: até amanhã. Ele
saiu veloz para que ela não gritasse o seu nome o chamando de volta. Essa noite
um rapaz naquela cidade não iria dormir de tão ansioso que estava.
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