toda a sua vida passa por sua cabeça. mas dizem que isso acontece quando a pessoa está para morrer. o filho grita enquanto joga. pai, só estou com dez por cento de vida! desde a infância desgraçada. esse sempre foi o percentual que ele teve para acertar. mesmo naquela peneira com uma porção de meninos. talvez com todo mundo seja assim. ele está próximo de se aposentar. sabe que se acertar esse último tiro, tudo pode mudar tremendamente. todas aquelas pessoas vão fazer com que ele se sinta nas nuvens. talvez em retribuição por elas se sentirem assim. é o último minuto, e o último chute do último jogo. o time adversário tem a vantagem do empate. ele caminha até a bola como num ritual e a fixa no chão. toma distância. se acertar será o herói da nação no dia seguinte. se errar vai passar o resto da noite explicando o que não tem explicação. vai dormir com a cabeça quente. talvez tenha que mudar de cidade e clube de novo. tudo o que não deseja. ele pensava que depois que se tornasse profissional, as coisas seriam mais fáceis. ledo engano. elas parecem mais difíceis. assim como no jogo do filho a cada nova fase o jogo se torna ainda mais complicado. ele chegou até ali por ter aceitado esses desafios. olha para a maior torcida do mundo, no maior estádio do mundo, e vê que ela balança as mãos como se enviasse energias positivas para o seu batedor oficial. corre e chuta. fica olhando o trajeto da bola, que em câmera lenta passa por cima da barreira, e em seu trajeto faz uma curva em direção ao gol. o goleiro se estica todo. por um segundo ele consegue ouvir o silêncio. quando percebe que a bola entra, corre desnorteado. não sabe mais para onde correr... todo mundo corre para todo lado... ele está louco de emoção ao ouvir aquele monte de gente gritando. faz a única coisa que vem em sua cabeça. se joga na grama, como se agora pudesse descansar.
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