terça-feira, 18 de outubro de 2016

Edson Jorge!

Como em todos os outros dias da minha vida aquele dia eu ia trabalhar. Estava lendo quando fui interrompido pelo telefonema de Carlos Macedo. Eu não tinha o dinheiro para voltar para casa. Mas ia arrumar no trabalho. não me importava se ia voltar para a casa de trem, metrô, avião, ou a pé. Como eu ia voltar não importava mais. Era isso que eu pensava quando desci daquele ônibus. E agora eu me encontrava em frente ao empresário Carlos Macedo. Ele estava atrás de uma mesa de vidro gigantesca, e as suas costas eu podia ver parte da Baía de Guanabara, Eu me encantei com a vista e percebi o riso de Macedo perante o meu deslumbre “Eu sei que aí dentro tá cheio de esgoto, mas mesmo assim a vista é bonita!” pensei. Carlos Macedo estava com um blazer azul e uma calça jeans clara. Ele calçava um sapato de couro marrom que reluzia assim como a sua careca. E também exibia uma barriga de chope. Apesar do estilo do cinto e da calça de grife. Carlos Macedo ostentava um relógio enorme no pulso que me lembrava dos emergentes e dos bicheiros. A secretária entrou na sala com uma pasta onde estava impresso Edson Jorge em letras enormes. Estela virou o rosto sorriu mexendo os cabelos. Seja bem vindo Edson Jorge! Eu senti como um baque aquela frase acompanhada do sorriso gratuito. E respondi muito obrigado tentando ser o mais simpático possível. Eu espero corresponder às expectativas, concluí. Eu diria: sexuais também, mas não disse. O senhor aceita um café? Estela perguntou com toda a simpatia. Respondi, aceito. Eu estava morrendo de fome. Estela saiu da sala rebolando. Os seus músculos iam sendo delineados por todo o caminho na medida em que pressionavam suas pernas tonificadas. E os bicos os mamilos roçavam a blusinha de seda. Estela vestia uma saia até os joelhos e estava de saltos altos. Estela era morena e possuía um sinal no canto da boca. Dizer uma pinta no canto da boca talvez fosse vulgar. Ela voltou com um carrinho de metal e pôs a minha frente. Eu agradeci a gentileza. Ele olhou para ela como se quisesse me dizer que ela era “sua”. É lógico que ela é parte de sua propriedade, assim como o prédio, e o carro no estacionamento. Nessa hora eu me lembrei de uma das frases pichadas: “A Propriedade é um roubo!” Joseph Proudhon. Eu olhava para o caminho que o raio de sol fazia dentro d’água, e pensava que logo assim que pedisse demissão eu me ia me sentar em Ipanema e torrar um baseado enorme. Era só nisso que eu pensava. Seria a coroação de todo a minha caminhada. Eu não me importava com a pressão psicológica que Carlos Macedo me impunha com o olhar, que me dizia: você não é nada sem mim! Eu não ligava mais pra nada! eu aceitei algumas questões do contrato porque eu sabia que não era mais tão novo para tantas exigências. É lógico que ela é parte de sua propriedade, assim como o prédio, e o carro no estacionamento. O gerente do supermercado em que eu trabalhava era mais covarde do que todos os empresários do mainstream juntos. Aquele filho da puta com bigodinho de Hitler! De repente a música Como Uma Onda do Lulu Santos começou a tocar no som embutido do escritório. Eu percebi que a vida era realmente como uma onda, vai e vem, e uma hora nós estamos por cima, e na outra por baixo. Eu me lembrei de uma vez em que eu estava em um ônibus em direção a Pavuna, e um motorista de ônibus começou a cantar aquela música. E percebi o quanto aquela mensagem era forte, e mesmo que ela fosse massificada, e saturada em nossos ouvidos, quando ela se interpunha entre nós é que nós víamos o seu peso. É isso que nós queremos Edson Jorge! Eu percebi a empolgação do empresário falando como se fosse fácil fazer um hit com conteúdo e transformá-lo num clássico. Assim como uma mulher havia rezado ouvindo o Epitáfio dos Titãs para que o avião não caísse. E um cara desistira de cometer o suicídio ao ouvir Tente Outra Vez do Raul Seixas no rádio na hora do ato. Aquela música me vinha na hora exata. Carlos Macedo sorriu e disse, assine aqui, por favor. Eu assinei lá no canto, embaixo daquelas letrinhas pequeninas, que eu tive não tive coragem suficiente para tentar decifrar.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Mulher...

Mulher... É o teu cheiro, teu pelo, teu cabelo.
É ter você em março ou fevereiro
Do sempre seu, pra ti, mulher...
Mulher... É o teu jeito, o teu idioma...
Esse carinho que não te abandona
Que eu sempre faço, em ti, mulher...
Mulher... Você é ruiva, ou é cor de rosa.
A flor cheirosa orquídea mais formosa
Em minha prosa, é sim, mulher...
Mulher... A flor que Deus deixou em meu caminho
Você é rosa onde não há espinho
Nunca sozinho, em você, mulher...
Mulher... Você é negra é loura e é branca.
Você princesa, rainha, louca ou santa...
A vida nasce, em ti, mulher...
Mulher... Você é mãe é filha é avó...
Dorme ao meu lado, o sono é melhor.
Nunca me deixe, só, mulher...
Mulher... É um bom dia que muda o meu dia
É um sorriso que faz minha alegria
É todo o dia, assim, mulher...

E Quando o Eleitor é Preconceituoso...

Eu recebi uma mensagem de um amigo falando que o candidato Freixo (que não terá o meu voto) defende bandido porque é a favor dos direitos humanos e ao que me parece é contra as milícias que assim como os criminosos que existem na polícia têm apoio de maior parte da população que é a favor da pena de morte para negros e pobres. Muitas vezes para os seus próprios filhos. Não voto mais porque nunca acreditei nesse modelo de sociedade. Essa ladainha dos direitos humanos é velha. Ouvi isso na época do Brizola quando era criança. Estou cagando para o Freixo. Mas sinto engulhos ao perceber que as pessoas ainda acreditam que vão conseguir a paz através da guerra. Quando nos países ricos e pacíficos se chegou a essa relativa paz (possível) através da educação e da cultura. Depois veio aquela do Gabeira que era viado e maconheiro e ia transformar nossos filhos em viados maconheiros. Quanto aos preconceitos, nós devemos lembrar que maior parte da população enche o bucho de cerveja e é alcoólatra. Sem contar o imenso prejuízo que a máquina do alcoolismo causa em nossa sociedade direta ou indiretamente que faz maconha parecer pirulito na boca de criança. Sobre o preconceito sexual temos hábitos pouco ortodoxos. E quando os gringos nos jogam na cara, nós sempre nos saímos com aquela! Ele pensa que nós somos assim! Nossas mulheres não podem amamentar em público nem fazer topless. Mas olhar pra bunda de garotinha, quem é que não olha? E aquele travesti na rua escura, lembra? O outro candidato é o Crivella (que também não terá o meu voto). Do pessoal que diz, ah, pelo menos ele é cristão! Isso está longe de ser verdade, pois se ele fosse cristão não seria da igreja que reinventou o dízimo. E não teria alianças tão espúrias. Não pense você, que irá ter o prefeito menos mal, talvez nem você, nem eu (com certeza), sejamos cristãos só porque fazemos figuração numa igreja. Não creio que Cristo seja a favor da pena de morte, se ele próprio foi vítima dela, assim como Sócrates. E independente de quem ganhar, nessa cidade que é a mesma desde a época de João do Rio, que se você não sabe quem é, tem que começar a pensar, e conhecer essas palavras, autômato, analfabeto funcional, talvez você seja um deles... E não esteja apto para opinar sobre o futuro da maioria.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Seu Madruga da Penha...

Seu Madruga está sentado numa daquelas esquinas da Penha onde tem um barzinho e onde homens de todas as idades se encontram. Salvo alguma avó que aparece para arrastar alguém para a casa as mulheres não têm muito o quê fazer ali. Aliás, ali não há muito o quê fazer. Mas agora é final de tarde e mais pessoas circulam. É tempo de pipa. Seu Madruga pita seu cigarro e olha para o alto. Eu estou sentado entretido com o celular. Jogando. Matheus levanta a cabeça do celular e diz: nada para fazer nessa Penha! O Seu Madruga fala para dentro do bar. Fala para o céu e para os moleques soltando pipa. Vai pegar um livro cara, eu não vejo vocês com um livro! É mole, nada para fazer! Eu penso que desde que eu conheço o Seu Madruga, ou seja, desde que eu nasci que ele não sai das primeiras páginas do Alquimista de Paulo Coelho. Um cara passa de caminhão, reduz, e diz: Seu Madruga, me dá um dinheiro aí! Seu Madruga diz: dinheiro... Palavra fácil de ser pronunciada! Papel difícil de ser obtido! E o bicho, Madruga? Macaco! O cara do caminhão acelera e vai embora. Passa uma mulher que eu vejo todos os dias. Ela deve ter metade da idade do Seu Madruga. Sempre que ela passa a expressão do Seu Madruga se transforma e ele resmunga coisas para si. Eu sempre tento escutar. Nossa... Meu Deus... Que isso... Ele diz outras coisas sem sentido. Matheus sorri. Um cara de óculos todos os dias quando vê Seu Madruga pergunta: e o Flamengo? Dá pra ser campeão? Seu Madruga sempre faz com que ele fique com uma expressão preocupada. Vamos ver... Vamos com calma! O cara de óculos segue angustiado. De repente o telefone toca. Seu Madruga pega o telefone da minha mão e diz, vão vamos que a sua avó já tá enchendo o saco. Matheus pergunta, Seu madruga, esse moleque não vai aprender a falar, não? Seu Madruga me puxa pela mão e me pergunta: o quê eu sou seu? Vovô! Eu respondo. Ele olha para Matheus sorrindo e nós caminhamos.

sábado, 1 de outubro de 2016

O Encontro de Bambu Com Prata Preta...

Quando o líder capoeira Prata Preta esbarrou com José no Estácio ele perguntou: Zé, você conhece algum capoeira bom que eu não conheça? Prata Preta sempre fazia essa pergunta como que para se atualizar de sua profissão.  José respondeu na lata: Bambu! Bambu já era um mito na roda do cortiço. Bambu era só um adolescente nessa época. Mas ele já fazia história. Bambu devia ter uns dezesseis anos. Naquela noite ao ver Prata Preta na roda do cortiço Joãozinho decidiu que futuramente seria um deles. Joãozinho disse para Joanete, agora você fica vigiando se os meganhas vêm que eu vou lá...  Prata Preta vai entrar na roda! Joãozinho jogou uma moeda para Joanete. Bambu caiu na baianada. Bambu em um dos poucos momentos de sua vida carregava um sorriso sereno no rosto. Ele ali jogando com o ídolo Prata Preta. Mas aquela noite não foi fácil para Bambu, ele quis superar o mestre, e tentou catar o seu pé de todo jeito. Bambu tentava agarra o tornozelo de Prata Preta com o seu pé que parecia uma foice... Prata Preta como se afastasse tranquilamente de algo que vinha em sua direção. Dava pequenos saltos para trás. Se Bambu pudesse frequentar no Municipal teria viso àqueles passos num ballet. Ele fugia dos pés de gancho de Bambu. Mas na responsa. No talento. Bambu suava. Joãozinho estupefato com a expressão de Prata Preta que parecia fazer uma força mínima para se livrar dos golpes, e em seu rosto não havia uma exaustão relacionada ao movimento que ele acabara de fazer.  Quando Bambu caiu no chão que era o seu forte, era como se Prata Preta pudesse adivinhar os movimentos de Bambu. Prata Preta estava sempre dois passos antes de Bambu. Bambu se cansou de girar e ver Prata Preta as suas costas. Era com se ele se movimentasse em câmera lenta. Na última o mestre teve a ousadia de pisar na perna de Bambu e em seu ombro. Bambu desistiu. Caiu exausto. José havia levado suas mulheres, ele queria que todas vissem Prata Preta na roda. Prata Preta jogara com Bambu. Maria levantou o copo quando Bambu caiu no chão. Isso significava arrego. Prata Preta deu a mão para que Bambu se levantasse. Bambu aceitara a derrota aquela noite. A única que aceitaria em sua vida. Sem sentir ódio do inimigo. Embora ele não soubesse o que era perder. O mestre gostou do que viu, e no meio daquelas fogueiras, onde se assavam batatas doces. Prata Preta disse. Todos devem respeitar Bambu como capoeira! José gargalhava. Bambu lutaria ao lado de Prata Preta na Revolta da Vacina. O mestre que sumiria enviado para o Acre. Bambu. Prata Preta disse, Esse é o nome do homem! Bambu não era bem um nome. Então era o quê? Um apelido? Um vulgo? Uma alcunha? Ele era conhecido por Bambu tanto no meio da cavalaria, quanto por aquela Joaninha com o Cosme e o Damião dentro. Bambu era freio de camburão. Bambu. Olha o apelido da criatura... Bambu tinha dois metros de altura. Bambu era um dos melhores capoeiras das maltas do centro. Um tipo que seria extinto com a expansão da pólvora no mercado...

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Terra... (Pós-Apocalíptico)

De repente um estrondo muito forte. Alguma coisa preta bateu no carro. Jerry Lennox freou bruscamente cruzando a banheira na estrada. Só se ouve a música ao fundo. Juno Lee desliga o som. Fica em silêncio. Carrey Luna apura a audição. Dá para ver que ele movimenta as orelhas. Jerry Lennox sai do carro com a pistola em punho. Em posição de combate ele caminha em direção ao corpo estranho. É possível ouvir os seus passos. As suas botas batendo no chão. O grupo se entreolha. Ao se aproximar Jerry Lennox percebe que é o corpo de um urubu. Jerry Lennox levanta o urubu do chão. Ele cheira o animal, e fareja o ar... Jerry Lennox olha para Joshua Carter que freou a motocicleta depois do viaduto. Jerry Lennox olha para cima do viaduto de onde veio o ataque. Little Boniek faz um círculo no ar em cima dos garotos agachados. Um dos garotos, o que parece mais novo, olha para o céu... O que esta idiota pensa que está fazendo... Ele pensa sobre a pomba que vê no ar, voando alto. Joshua Carter dá a volta com a moto, e segue em direção ao retorno para subir o viaduto. Joshua Carter vê os dois garotos se movimentando. Ambos com barras de ferro nas mãos. Correndo em sua direção. O outro dá um berro, ah! Susan Boniek está na garupa da moto. Ela puxa a escopeta das costas como se fosse uma espada, e atira em direção aos garotos que correm desnorteados. Um dos tiros arranca o tampão da cabeça do garoto que vai para cima da moto cambaleando... Ele leva outro tiro de escopeta. Só que este no meio da barriga. Ele cambaleia até a mureta de proteção, e tomba do viaduto. O outro garoto parece não acreditar ao ver a mulher velha de cabelos prateados armada na garupa da moto. Ele olha para trás para dar uma última conferida na cena. Em desespero o garoto pula do viaduto, mas é interceptado no ar por um tiro de Jerry Lennox. O garoto dá um urro ao ser abatido. E cai em cima do outro garoto. Os dois formam uma imensa poça de sangue na estrada. Ao se aproximar dos mortos Jerry Lennox percebe que eles parecem irmãos gêmeos. Jerry Lennox e Joshua Carter arrastam os corpos dos garotos em direção ao carro. E quando eles abrem a mala do carro, o quê se vê são outros corpos esquartejados lá dentro. Igual à mala de um psicopata, pensa, Susan Boniek, Carrey Luna olha para ela... é como se perguntasse o quê... E as moscas zumbem em volta de sua cabeça. Carrey Luna tapa as narinas com os dois dedos da mão direita em forma de gancho e espanta as moscas com a mão esquerda. Jerry Lennox diz, divirta-se! Susan Boniek se aproxima novamente, e joga algo que parece sal em cima dos corpos. Carrey Luna fecha a mala do carro. Jerry Lennox olha para Little Boniek que sobrevoa as suas cabeças, e mostra o dedo indicador para a pomba branca. Little Boniek segue o seu caminho pelo ar. Surge à imagem de Henry Boniek em sua mente, dizendo, siga para o norte, sempre em direção ao norte. Sempre para o norte. Voltar não. Henry Boniek diz isso no alpendre de sua casa. A sua imagem é a de um homem negro, velho e magro, de cabelos grisalhos, camiseta florida, barba por fazer. Joshua Carter caminha em direção à moto. Susan Boniek segue atrás dele, Jerry Lennox, Juno Lee, e Carrey Luna seguem em direção ao carro. Little Boniek vai à frente. E o comboio segue o seu caminho na estrada...

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Seu Zé!

José girou o taco de sinuca. Deu um pinote. E saiu cambaleando. Ganhou a rua. E os homens correram atrás dele. Quando as pessoas se davam conta o vulto já havia passado. Ele era ligeiro. Arisco. Rápido. E dizia de si para si. É ruim me pegar, otário! Próximo às aglomerações José fazia cara de paisagem, diminuía o passo, sorrateiramente. Eu corro pra caramba! Para driblar os homens José quase derrubou uma doceira em seu caminho, e pôs no chão um caixote com laranjas. As laranjas rolaram na rua de paralelepípedos causando furdunço entre os passantes. O homem preto ao se aproximar do grupo perguntou, onde ele foi? Um velho apontou para a rua em frente. Ele foi por ali. José estava cansado. Entrava num beco. Entrava em outro. Ele cortava caminho. José era sagaz. Pensava rápido enquanto corria. Ele derrubara dois dos homens em frente ao bar. Com uma pernada só. José girou sobre o próprio pé. Enquanto a outra perna ganhava o ar, atingindo os homens que corriam em sua cola. Próximo a um grupo de lavadeiras que se encontrava na esquina com as suas trouxas de roupa na cabeça, e os seus filhos pendurados por um pano. José puxou as moedas que havia ganhado na sinuca. E arremessou para o alto. Causando tumulto entre as mulheres que buscavam as moedas, e atrapalhando os homens que vinham em seu encalço. Ele ganhara a rua do cortiço. Só havia o cortiço no final da rua. Quando chegou próximo ao cortiço, José viu Pai João sentado à calçada. Era um domingo de tarde bucólico. O velho estava sentado no caixote pitando o seu cachimbo. Pai João mastigava o fumo no canto da boca. José passou por ele em direção à entrada principal do cortiço. As crianças do cortiço ao verem José correndo começaram a fazer o rebuliço costumeiro. José começou a chutar a terra do chão para o alto, formando assim uma nuvem de poeira. No que recebeu a ajuda das crianças. Os adultos entravam nos barracos e batiam as portas. José entrou no barraco. Foi até o esconderijo da arma. José pulou, e conseguiu se pendurar no teto de telha frágil. Puxou o revólver. Pôs e começou a alisá-lo. Pensando em puxar o gatilho. Os homens chegaram. As crianças correram. Esconderam-se. Logo assim que os homens entraram no cortiço a rua ficou vazia. Pai João sumiu dali com o seu caixote. Enquanto os homens entravam no cortiço ouviam as portas batendo. Mesmo quem não havia saído ao perceber o burburinho puxava a porta. O homem preto e alto que era apelidado de Pezão. Disse: José... Ele disse bufando... Apoiando as mãos nos dois joelhos para tomar o ar. Ele havia jurado que ele fosse correr para a favela. Ali devia ser esconderijo de algum malandro. E soltando o nome do outro... Como se ele pudesse fazer eco. Ou reverberar até sumir como as reticências. José eu vou te pegar... No fundo ele pensava porra cheguei tão perto... José... Os dois homens brancos, e de bigode bufaram. Eles estavam de suspensórios, calças beges, e camisas brancas encardidas. O homem negro estava com uma calça preta, uma blusa azul, com botões pretos enormes. E usava barba. Era alto. Os outros dois eram baixos, e troncudos. Ele disse, e quando eu voltar aqui José, se eu não te pegar. Eu vou levar um desses canalhas em seu lugar, seja mulher, criança, velho, quem tiver no caminho! E te digo mais, não vai ser na navalha nem na capoeira, nós vamos te comer bala! Vai ser na pólvora! Eles olharam para todas as portas. O silêncio era estarrecedor. Como se não tivesse ninguém ali. Como se de repente as pessoas tivessem parado de respirar, e ficado estáticas. Era como se elas tivessem morrido. E nem o barulho de seus corpos batendo no chão fosse capaz de ouvir. Agora o ar de José ficara grave. Era como se ele não respirasse. Olhava os homens que estavam em sua direção. No meio do quintal do cortiço. José podia avistá-los, e ao fundo, um varal feito de bambu. Um lençol branco. E logo após o poço. José estava na direção dos homens, e pensava. “Daqui de onde eu estou eu acerto os três”. Ele olhava por aquele filete da fresta da porta. Encostava o ombro direito. E não estava atrás da porta. Mas sim do outro lado. E a sua mão esquerda ia ao revólver justamente na direção dos homens. Eles foram se arrastando para fora. E andando de costas. Como se fosse possível que alguém pudesse abocanhá-los. Ou armar alguma arapuca como aquela que eles haviam armado para José. Mas ninguém fez nada. A ordem era sempre nunca fazer nada. José sempre dizia aos seus. Aos moradores do cortiço. Da favela. Da Lapa. Quando eles estavam no meio do carteado, e por sobre as cartas, era possível ver seus olhos, e o seu cavanhaque. Tia Ciata dizia para que José não andasse de cavanhaque, pois quem andava de cavanhaque era o próprio! José gargalhava. Melhor não fazer nada... José dizia. O bom é não fazer nada. E aos moradores do Morro da Favela ele dizia o mesmo. E o mesmo para o pessoal do Estácio. O quê vem de nós é a educação... A paz. Falou. José mostrava as cartas encerrando a conversa. Ele dizia. Bati. Era a mesma coisa quando os dados batiam no chão. Bati. Com as bolinhas. Com o dominó. Com a dama. Com o gamão. Em qualquer tabuleiro. Além de tudo José tinha uma baita sorte no jogo. Fosse jogo do bicho no zoológico. Se vivesse futuramente o seria na maquinha. Bambu que era o negro mais revoltado de todos, sempre com o seu chapéu de palha, sua calça larga, e sua camisa aberta. É José, mas tem hora que dá vontade de esfolar um pilantra desses, Ó! José dizia, deixa... Eles querem nos colocar nos prejudicar. Não adianta entrar na provocação. Deixa esses otários pra lá! Joga... De repente José meteu a mão na blusa branca. E viu que estava manchado de sangue. O filho da puta havia acertado José de raspão. Ele enfiou o revólver dentro do saco de arroz. Foi ao barril igual de um armazém de secos e molhados. E pôs um pouco de pinga no copo italiano. E pingou na ferida. José se deitou na cama. As crianças começaram a sair aos poucos. Joãozinho foi até a entrada do cortiço, e meteu a cabeça do lado de fora. A rua estava vazia. Os homens já tinham ido. Joãozinho correu para avisar a José. Quando entrou no barraco José estava deitado na cama. Com a mão sobre o ferimento. Ele disse: João... Corre, vai chamar Maria! João saiu correndo. Aquela treta era por causa de mulher. Joãozinho pensava. A fraqueza de José era essa... Rabo de saia! Como ele mesmo diz. Chave de cadeia. Vendo o sangue no chão se misturar com a areia. O amigo Joanete, perguntou ao Joãozinho, José morreu? Não, José não morreu! E aquela gargalhada característica de José ecoou pelos céus da cidade. Aquela gargalhada. Que no começo. Quando as crianças ouviam tinham medo. José começava a sorrir aos poucos. E de repente o seu riso ia ficando maior, e maior, e maior. José parecia uma matraca. Era um riso cadenciado que cobria o espaço. Aquele riso que as pessoas gostavam de ouvir. Era um riso seguro. Uma risada deliciosa. Uma de alegria inspiradora. Ele mostrava os dentes. E daqui a pouco todo o cortiço estava sorrindo, mesmo os adultos, as lavadeiras, os estivadores, os mascates, todos sorriam, e eram contaminados por aquela gargalhada...