José girou o taco de sinuca. Deu um pinote. E saiu cambaleando. Ganhou a rua. E os homens correram atrás dele. Quando as pessoas se davam conta o vulto já havia passado. Ele era ligeiro. Arisco. Rápido. E dizia de si para si. É ruim me pegar, otário! Próximo às aglomerações José fazia cara de paisagem, diminuía o passo, sorrateiramente. Eu corro pra caramba! Para driblar os homens José quase derrubou uma doceira em seu caminho, e pôs no chão um caixote com laranjas. As laranjas rolaram na rua de paralelepípedos causando furdunço entre os passantes. O homem preto ao se aproximar do grupo perguntou, onde ele foi? Um velho apontou para a rua em frente. Ele foi por ali. José estava cansado. Entrava num beco. Entrava em outro. Ele cortava caminho. José era sagaz. Pensava rápido enquanto corria. Ele derrubara dois dos homens em frente ao bar. Com uma pernada só. José girou sobre o próprio pé. Enquanto a outra perna ganhava o ar, atingindo os homens que corriam em sua cola. Próximo a um grupo de lavadeiras que se encontrava na esquina com as suas trouxas de roupa na cabeça, e os seus filhos pendurados por um pano. José puxou as moedas que havia ganhado na sinuca. E arremessou para o alto. Causando tumulto entre as mulheres que buscavam as moedas, e atrapalhando os homens que vinham em seu encalço. Ele ganhara a rua do cortiço. Só havia o cortiço no final da rua. Quando chegou próximo ao cortiço, José viu Pai João sentado à calçada. Era um domingo de tarde bucólico. O velho estava sentado no caixote pitando o seu cachimbo. Pai João mastigava o fumo no canto da boca. José passou por ele em direção à entrada principal do cortiço. As crianças do cortiço ao verem José correndo começaram a fazer o rebuliço costumeiro. José começou a chutar a terra do chão para o alto, formando assim uma nuvem de poeira. No que recebeu a ajuda das crianças. Os adultos entravam nos barracos e batiam as portas. José entrou no barraco. Foi até o esconderijo da arma. José pulou, e conseguiu se pendurar no teto de telha frágil. Puxou o revólver. Pôs e começou a alisá-lo. Pensando em puxar o gatilho. Os homens chegaram. As crianças correram. Esconderam-se. Logo assim que os homens entraram no cortiço a rua ficou vazia. Pai João sumiu dali com o seu caixote. Enquanto os homens entravam no cortiço ouviam as portas batendo. Mesmo quem não havia saído ao perceber o burburinho puxava a porta. O homem preto e alto que era apelidado de Pezão. Disse: José... Ele disse bufando... Apoiando as mãos nos dois joelhos para tomar o ar. Ele havia jurado que ele fosse correr para a favela. Ali devia ser esconderijo de algum malandro. E soltando o nome do outro... Como se ele pudesse fazer eco. Ou reverberar até sumir como as reticências. José eu vou te pegar... No fundo ele pensava porra cheguei tão perto... José... Os dois homens brancos, e de bigode bufaram. Eles estavam de suspensórios, calças beges, e camisas brancas encardidas. O homem negro estava com uma calça preta, uma blusa azul, com botões pretos enormes. E usava barba. Era alto. Os outros dois eram baixos, e troncudos. Ele disse, e quando eu voltar aqui José, se eu não te pegar. Eu vou levar um desses canalhas em seu lugar, seja mulher, criança, velho, quem tiver no caminho! E te digo mais, não vai ser na navalha nem na capoeira, nós vamos te comer bala! Vai ser na pólvora! Eles olharam para todas as portas. O silêncio era estarrecedor. Como se não tivesse ninguém ali. Como se de repente as pessoas tivessem parado de respirar, e ficado estáticas. Era como se elas tivessem morrido. E nem o barulho de seus corpos batendo no chão fosse capaz de ouvir. Agora o ar de José ficara grave. Era como se ele não respirasse. Olhava os homens que estavam em sua direção. No meio do quintal do cortiço. José podia avistá-los, e ao fundo, um varal feito de bambu. Um lençol branco. E logo após o poço. José estava na direção dos homens, e pensava. “Daqui de onde eu estou eu acerto os três”. Ele olhava por aquele filete da fresta da porta. Encostava o ombro direito. E não estava atrás da porta. Mas sim do outro lado. E a sua mão esquerda ia ao revólver justamente na direção dos homens. Eles foram se arrastando para fora. E andando de costas. Como se fosse possível que alguém pudesse abocanhá-los. Ou armar alguma arapuca como aquela que eles haviam armado para José. Mas ninguém fez nada. A ordem era sempre nunca fazer nada. José sempre dizia aos seus. Aos moradores do cortiço. Da favela. Da Lapa. Quando eles estavam no meio do carteado, e por sobre as cartas, era possível ver seus olhos, e o seu cavanhaque. Tia Ciata dizia para que José não andasse de cavanhaque, pois quem andava de cavanhaque era o próprio! José gargalhava. Melhor não fazer nada... José dizia. O bom é não fazer nada. E aos moradores do Morro da Favela ele dizia o mesmo. E o mesmo para o pessoal do Estácio. O quê vem de nós é a educação... A paz. Falou. José mostrava as cartas encerrando a conversa. Ele dizia. Bati. Era a mesma coisa quando os dados batiam no chão. Bati. Com as bolinhas. Com o dominó. Com a dama. Com o gamão. Em qualquer tabuleiro. Além de tudo José tinha uma baita sorte no jogo. Fosse jogo do bicho no zoológico. Se vivesse futuramente o seria na maquinha. Bambu que era o negro mais revoltado de todos, sempre com o seu chapéu de palha, sua calça larga, e sua camisa aberta. É José, mas tem hora que dá vontade de esfolar um pilantra desses, Ó! José dizia, deixa... Eles querem nos colocar nos prejudicar. Não adianta entrar na provocação. Deixa esses otários pra lá! Joga... De repente José meteu a mão na blusa branca. E viu que estava manchado de sangue. O filho da puta havia acertado José de raspão. Ele enfiou o revólver dentro do saco de arroz. Foi ao barril igual de um armazém de secos e molhados. E pôs um pouco de pinga no copo italiano. E pingou na ferida. José se deitou na cama. As crianças começaram a sair aos poucos. Joãozinho foi até a entrada do cortiço, e meteu a cabeça do lado de fora. A rua estava vazia. Os homens já tinham ido. Joãozinho correu para avisar a José. Quando entrou no barraco José estava deitado na cama. Com a mão sobre o ferimento. Ele disse: João... Corre, vai chamar Maria! João saiu correndo. Aquela treta era por causa de mulher. Joãozinho pensava. A fraqueza de José era essa... Rabo de saia! Como ele mesmo diz. Chave de cadeia. Vendo o sangue no chão se misturar com a areia. O amigo Joanete, perguntou ao Joãozinho, José morreu? Não, José não morreu! E aquela gargalhada característica de José ecoou pelos céus da cidade. Aquela gargalhada. Que no começo. Quando as crianças ouviam tinham medo. José começava a sorrir aos poucos. E de repente o seu riso ia ficando maior, e maior, e maior. José parecia uma matraca. Era um riso cadenciado que cobria o espaço. Aquele riso que as pessoas gostavam de ouvir. Era um riso seguro. Uma risada deliciosa. Uma de alegria inspiradora. Ele mostrava os dentes. E daqui a pouco todo o cortiço estava sorrindo, mesmo os adultos, as lavadeiras, os estivadores, os mascates, todos sorriam, e eram contaminados por aquela gargalhada...