Como em todos os outros dias da minha vida aquele dia eu ia trabalhar. Estava lendo quando fui interrompido pelo telefonema de Carlos Macedo. Eu não tinha o dinheiro para voltar para casa. Mas ia arrumar no trabalho. não me importava se ia voltar para a casa de trem, metrô, avião, ou a pé. Como eu ia voltar não importava mais. Era isso que eu pensava quando desci daquele ônibus. E agora eu me encontrava em frente ao empresário Carlos Macedo. Ele estava atrás de uma mesa de vidro gigantesca, e as suas costas eu podia ver parte da Baía de Guanabara, Eu me encantei com a vista e percebi o riso de Macedo perante o meu deslumbre “Eu sei que aí dentro tá cheio de esgoto, mas mesmo assim a vista é bonita!” pensei. Carlos Macedo estava com um blazer azul e uma calça jeans clara. Ele calçava um sapato de couro marrom que reluzia assim como a sua careca. E também exibia uma barriga de chope. Apesar do estilo do cinto e da calça de grife. Carlos Macedo ostentava um relógio enorme no pulso que me lembrava dos emergentes e dos bicheiros. A secretária entrou na sala com uma pasta onde estava impresso Edson Jorge em letras enormes. Estela virou o rosto sorriu mexendo os cabelos. Seja bem vindo Edson Jorge! Eu senti como um baque aquela frase acompanhada do sorriso gratuito. E respondi muito obrigado tentando ser o mais simpático possível. Eu espero corresponder às expectativas, concluí. Eu diria: sexuais também, mas não disse. O senhor aceita um café? Estela perguntou com toda a simpatia. Respondi, aceito. Eu estava morrendo de fome. Estela saiu da sala rebolando. Os seus músculos iam sendo delineados por todo o caminho na medida em que pressionavam suas pernas tonificadas. E os bicos os mamilos roçavam a blusinha de seda. Estela vestia uma saia até os joelhos e estava de saltos altos. Estela era morena e possuía um sinal no canto da boca. Dizer uma pinta no canto da boca talvez fosse vulgar. Ela voltou com um carrinho de metal e pôs a minha frente. Eu agradeci a gentileza. Ele olhou para ela como se quisesse me dizer que ela era “sua”. É lógico que ela é parte de sua propriedade, assim como o prédio, e o carro no estacionamento. Nessa hora eu me lembrei de uma das frases pichadas: “A Propriedade é um roubo!” Joseph Proudhon. Eu olhava para o caminho que o raio de sol fazia dentro d’água, e pensava que logo assim que pedisse demissão eu me ia me sentar em Ipanema e torrar um baseado enorme. Era só nisso que eu pensava. Seria a coroação de todo a minha caminhada. Eu não me importava com a pressão psicológica que Carlos Macedo me impunha com o olhar, que me dizia: você não é nada sem mim! Eu não ligava mais pra nada! eu aceitei algumas questões do contrato porque eu sabia que não era mais tão novo para tantas exigências. É lógico que ela é parte de sua propriedade, assim como o prédio, e o carro no estacionamento. O gerente do supermercado em que eu trabalhava era mais covarde do que todos os empresários do mainstream juntos. Aquele filho da puta com bigodinho de Hitler! De repente a música Como Uma Onda do Lulu Santos começou a tocar no som embutido do escritório. Eu percebi que a vida era realmente como uma onda, vai e vem, e uma hora nós estamos por cima, e na outra por baixo. Eu me lembrei de uma vez em que eu estava em um ônibus em direção a Pavuna, e um motorista de ônibus começou a cantar aquela música. E percebi o quanto aquela mensagem era forte, e mesmo que ela fosse massificada, e saturada em nossos ouvidos, quando ela se interpunha entre nós é que nós víamos o seu peso. É isso que nós queremos Edson Jorge! Eu percebi a empolgação do empresário falando como se fosse fácil fazer um hit com conteúdo e transformá-lo num clássico. Assim como uma mulher havia rezado ouvindo o Epitáfio dos Titãs para que o avião não caísse. E um cara desistira de cometer o suicídio ao ouvir Tente Outra Vez do Raul Seixas no rádio na hora do ato. Aquela música me vinha na hora exata. Carlos Macedo sorriu e disse, assine aqui, por favor. Eu assinei lá no canto, embaixo daquelas letrinhas pequeninas, que eu tive não tive coragem suficiente para tentar decifrar.