domingo, 19 de fevereiro de 2012
Um ou Dois Contos
Eu tava na casa dele. E lá é tudo sujo, jogado e quebrado. Ele
mora num buraco e trabalha varrendo aquelas ruas sujas. Do lado de fora existe
um armamento pesado de guerra. Crianças, mulheres e homens que vivem no meio do
lixo em função do deus crack. E meninas que se prostituem por um ou dois contos.
Roubam qualquer coisa. Comem qualquer coisa. E sempre me lembram zumbis sem
vontade própria. Quem me levou naquele lugar não interessa mais. E sim a propaganda
que fez sobre aquele homem. O barraco parecia uma casa de ópio de tanta
fumaça. Eu li parte do meu livro pro homem que ouviu com o olhar mais sereno
que já vi. Nunca ouvi um silêncio tão respeitoso. E o riso no canto da boca e
dos olhos era de quem tava gostando muito. Todo homem do pensamento é assim
igual a você, ele disse. Não entendi a frase, mas senti que era algo
maravilhoso vindo de quem vinha. E respondi: tem o lado bom de quase ninguém ter
acesso ao que eu escrevo, ou ouvir as minhas músicas; que assim eu posso fazer
aquilo que realmente gosto de fazer. Ele disse: é isso aí. Temos que fazer o
que deve ser feito. E me olhou como se a gente não tivesse conversando em clichês.
Logo assim que entrei naquele ambiente pensei que ele não devia ter nada a me
dizer. E ele não me disse quase nada. Mas fiquei com a sensação de ter
conhecido um homem sábio. E não entendi aquela serenidade no meio daquele
inferno.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Quatro Cervejas Bem Geladas
Eu tava no fundão do ônibus. Vinha meio sonolento nesse calor dos
diabos que ta fazendo no Rio. Quando olhei pro lado. Pra fora da janela. Vi aquilo
que parecia parte do sonho que tava tendo. Era, ela, mesma. Sentada numa mesa as
três da tarde do horário de verão. Nada de anormal. Desci do ônibus puto e
corri em direção ao boteco que fica naquela praça perto do hospital. Eu perguntei
a ela: que porra, é essa? Ela respondeu: cerveja. Ela tava sozinha. Eu tentei
olhar em volta pra ver se existia alguma explicação praquilo. Olhei pro
atendente que passou a toalhinha no rosto pra limpar o suor. Ele nem me deu bola.
Eu disse a ela: garota, quatro garrafa, já?! E ela: quem é você pra falar? Ela se
referia ao baseado encontrado no quarto da minha mina. Eu tava vindo do trabalho,
cansado, sujo, suado. Ela tava de camisa da escola. Eu disse: e-a-porra-da-escola? E ela: eu matei aula. E completou: a tua mãe sabe. E grogue repetiu:
quem é você pra falar? E passou o batom na boca. Essa situação era pra ser
normal. Se ela não tivesse apenas catorze anos. Eu desisti e fui andando
por aquela rua da academia.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
O Rei do Passinho
Um dia eu fui cantar e tinha um grupo de moleques se apresentando
com a dança do passinho. No começo achei aquilo forçação de intelectuais da
zona-sul querendo fazer média com o povo. A minha mina falou: nada de diferente,
eles só misturam os estilos. Eu falei: verdade. Mas aí surgiu um moleque. Ele dançava,
passava a mão na barriga, imitava uma bicha afetada, e sorria pra todo mundo. E
todo mundo sorria pra ele. E eu e a minha mina aos poucos fomos quebrando a carapaça,
e começamos a sorrir também. Ela disse: legal. Ele sorria pra todo lado, como se
aquilo que tava fazendo, fosse à coisa mais maravilhosa do mundo. E era. E ele
tava ali no lugar certo, e na hora milimetricamente exata. Era provavelmente um
cara que dançava porque a coisa que ele mais gostava de fazer era dançar. E
naquele dia deu uma inveja danada da alegria do moleque. Por ele ser realmente O
Cara. E por todo mundo gostar realmente dele. E eu nem sabia que ele era tão
conhecido assim. Outra vez fui cantar. Ele fechou o evento, mas não fiquei
sabendo. Saí antes. Dias depois vi os jornais nas bancas e reconheci a foto do
figura. Se você é jovem, negro, e pobre como eu, sabe muito bem que o Brasil é
um país perigoso para se viver. Ainda mais pra gente. As estatísticas comprovam
isso. Então ninguém mais se choca com esse tipo de coisa, como dizem. Até
porque gente como ele, que ninguém conhece, é assassinada aos montes. Mas confesso
que quando ouvi aquele funk no YouTube, no dia seguinte, dizendo: já bateu
saudade, hein! Porra, maior saudade, maior saudade do Gambá... vi uma
lágrima descer no reflexo da tela do computador. Mas isso não deve ter muita
importância. Que nem nossas vidas.
sábado, 11 de fevereiro de 2012
O Segundo Piso do Shopping
Ela olha do segundo piso do shopping. E sabe que o velho com tufos de cabelos nos ouvidos, terno preto, e carteira recheada está à sua espera. Ele e aquele rapaz andrógino que parece não querer estar ali. E que logo, logo, fará coisas às quais parece não querer fazer. Mas que sempre, faz. O carro é longo e preto. Ela lembra do noivo que está em casa, tão doce ao telefone, igual um personagem de uma comédia romântica. E pensa no casamento. Quando a amiga ameaça falar, ela diz: já tô indo.
domingo, 29 de janeiro de 2012
Preso No Elevador
Ele ouviu um estrondo. Viu o teto desmoronando. E correu pra
dentro do elevador pra tentar se proteger. Mas não se lembra de mais nada do
que aconteceu. Ele deve ter ficado alguns segundos, desacordado. Então tentou o
botão de emergência, e nada. Quando viu uma bota em cima do elevador. Senhor,
eu tô aqui no sexto andar! Era um bombeiro que respondeu: amigo, você não tá no
sexto andar, não, você tá no primeiro! Quando ele foi retirado do elevador,
descobriu que o prédio em que tava havia caído. O homem olhou o cenário de
guerra, e foi a primeira vez que alguém agradeceu ter ficado preso num
elevador. Ele saiu andando entre os escombros. Ileso.
domingo, 22 de janeiro de 2012
Dez Por Cento
Eu pego a nota e digo: amigo, tem coisa demais aqui. Ele com aquela cara de tédio, boceja. O quê? Eu digo: esses dez contos, por exemplo? Ele: dos músicos, mas é opcional, se não quiser não paga. Então respondo motivado pela falta de respeito e por meu pãodurismo. Não quero pagar. O outro me diz: eu quero pagar os músicos. Então fico com aquela cara de pão duro. Embora o corporativismo sempre fale mais alto. Tudo bem. Depois pergunto, e esses outros dez contos? Ele diz: é do garçom. Eu me lembro que os taxistas nunca tem troco, e que os garçons e os músicos nem sempre recebem esses dez por cento.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
O Dia De Lixo
Ele chega do trabalho suado. senta no sofá e puxa uma cerveja. O irmão pergunta: como é que tá a rua? Ele responde: cheia de lixo! Depois pendura a camisa de gari nas costas da cadeira. E percebe que na tevê é um jogo sem importância. Parte do calor desce com o suor do rosto. Ele ouve uma gritaria e vai até a janela pra ver o que é. Não é nada demais. Apenas alguns moleques de férias batendo bola. Um senhora enrugada desce a rua conduzindo, ou sendo conduzida por um poodle tosa e banho. Em uma das mãos ela segura uma sacola. Antes de olhar a lua, ele vê que a velha joga o saco na árvore do vizinho da frente. Ele diz: fiadaputa! É um sussurro para si próprio. E se vira para o irmão e pergunta: esses putos aqui jogam o lixo fora do dia do recolhimento? O irmão não diz nada, como se aquilo não fosse importante, e continua olhando para o jogo. Ele pensa que talvez aquela velha pense que o lixo não é dela. Ou que é algo do qual tenha que se livrar. E que simplesmente não deixar o lixo em sua casa, resolva o problema. Mas ele pensa que aquilo não é só um problema de quem recolhe o lixo. E que talvez ela acredite que há alguma diferença entre a rua e a sua casa. Fiadaputa!
Assinar:
Postagens (Atom)