segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
O Rei do Passinho
Um dia eu fui cantar e tinha um grupo de moleques se apresentando
com a dança do passinho. No começo achei aquilo forçação de intelectuais da
zona-sul querendo fazer média com o povo. A minha mina falou: nada de diferente,
eles só misturam os estilos. Eu falei: verdade. Mas aí surgiu um moleque. Ele dançava,
passava a mão na barriga, imitava uma bicha afetada, e sorria pra todo mundo. E
todo mundo sorria pra ele. E eu e a minha mina aos poucos fomos quebrando a carapaça,
e começamos a sorrir também. Ela disse: legal. Ele sorria pra todo lado, como se
aquilo que tava fazendo, fosse à coisa mais maravilhosa do mundo. E era. E ele
tava ali no lugar certo, e na hora milimetricamente exata. Era provavelmente um
cara que dançava porque a coisa que ele mais gostava de fazer era dançar. E
naquele dia deu uma inveja danada da alegria do moleque. Por ele ser realmente O
Cara. E por todo mundo gostar realmente dele. E eu nem sabia que ele era tão
conhecido assim. Outra vez fui cantar. Ele fechou o evento, mas não fiquei
sabendo. Saí antes. Dias depois vi os jornais nas bancas e reconheci a foto do
figura. Se você é jovem, negro, e pobre como eu, sabe muito bem que o Brasil é
um país perigoso para se viver. Ainda mais pra gente. As estatísticas comprovam
isso. Então ninguém mais se choca com esse tipo de coisa, como dizem. Até
porque gente como ele, que ninguém conhece, é assassinada aos montes. Mas confesso
que quando ouvi aquele funk no YouTube, no dia seguinte, dizendo: já bateu
saudade, hein! Porra, maior saudade, maior saudade do Gambá... vi uma
lágrima descer no reflexo da tela do computador. Mas isso não deve ter muita
importância. Que nem nossas vidas.
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