quarta-feira, 18 de julho de 2012

A Marquise

A marquise fica numa esquina próxima a minha casa. Antes ali funcionava um bar onde um daqueles senhores portugueses que te olham por cima dos óculos ficava sentado o dia inteiro. Ele olhava as pessoas paradas no ponto do outro lado da rua. Esse era o seu passatempo. Analisar as pessoas. E talvez ele reparasse nas suas roupas ou para onde elas iam. E talvez ele traçasse até um perfil psicológico delas. Antes do bar fechar as portas, e esse senhor botar a viola dele no saco, os adolescentes ficavam ali parados a noite. Fumando maconha e fugindo do frio. Quem sabe até espantando alguém que quisesse se recolher da chuva. Ficavam ali e pareciam fazer questão que todo mundo visse que estavam fumando maconha. Eu passei a nutrir uma simpatia silenciosa por eles. Pois me lembram de uma adolescência longínqua. Andam dizendo que estão roubando. E se isso for verdade, daqui a pouco vão aparecer mortos. E será uma pena saber que eram apenas crianças que pularam a infância, e estavam brincando de herói. Como dizem os sociólogos em jornais de hora do almoço. Mas logo após o bar fechar e os adolescentes darem uma sumida. É impressionante, como rapidamente apareceram uns mendigos para se acolher. Como se na cidade não houvesse nenhum lugar vago. E muita gente precisasse apenas de um pedaço de concreto para se ficar embaixo.

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Lista de Promessas Que Um Homem Faz A Si Mesmo

O menino passou todo ensino básico olhando para aquela menina. Que devia se chamar Maria Clara ou Clarice. Algum nome desses que os ricos põem em seus filhos. O menino devia se chamar Zé ou Beto, uma dessas corruptelas que os pobres ganham junto dos seus nomes. A menina era branca de feições finas e narizinho arrebitado. Mas não era metida. Ela exibia uma cabeleira vermelha encaracolada. O menino era preto da cor da borracha do meu tênis. Mas por essa época ele ainda não sabia nada sobre racismo. Então isso não era nada que impedisse uma aproximação. Ele pressentia ser diferente. Mas não pela cor. Talvez por ter ganhado uma bolsa para estudar, e a sua mãe ser uma das faxineiras da escola. Todos os dias ele voltava para casa sozinho. Enquanto a sua mãe ficava varrendo a escola, a mãe da menina ia buscá-la. Todos os dias. A menina tirava as melhores notas. O menino era um aluno medíocre. Estava sempre a espreita da menina pelos corredores. Ela sempre retribuía o olhar. Ele sentia isso como uma forma de caridade. Aquele olhar era complacente. De santa. Como quem diz. Eu sei que você olha pra mim. Em nenhum momento ela era indiferente aquele olhar, ou tentava evitá-lo. O menino passou todo o ensino básico assim. Na esperança de que um dia ela retribuísse aquele olhar com alguma palavra. Terminou a escola. Nunca mais eles se viram. Até que um dia. Num supermercado. Os dois já bem crescidinhos. Se esbarraram. A menina disse "oi" para o menino. E escandalosamente pronunciou seu nome. Foi só isso. Depois ela se afastou com o carrinho. Mas era como se tivesse selado o segredo dos dois. Ele ficou feliz. Mas também arrependido de não ter tentado nada na época. E agora prometia a si mesmo nunca mais deixar de tentar. Mas aí ele já era um homem. E essa promessa entrou na lista de promessas que um homem faz a si mesmo. E que nem sempre cumpre.

domingo, 8 de julho de 2012

Estou Fora Para Ti!

Ela atendeu ao telefone e disse: fala. Eu odeio quando ela faz isso, pois me dá a sensação de que está falando com um cachorro. Eu disse: sou eu. Ela disse: eu sei, fala! A minha mãe gritou da cozinha. Não demora no telefone que a conta vem alta! Eu tapei o bocal com vergonha. Mas ela do outro lado continuou em silêncio. Eu disse: e aí quando você volta pra casa? Ela me disse: quando acabar a feira, sabe aquele cara aquele prêmio no ano passado, aquele eu te falei, ele tava falando aqui hoje! Nossa, ele é legal, é sim, Como ele é legal! Eu queria dizer a ela que o baile acabou porque prenderam o frente. Não tive coragem. Logo veio a minha cabeça aquele escritor afetado de echarpe que ela admira. e me deu vontade de desligar. Eu disse a ela: quando... Ela me cortou: está uma barulheira danada aqui, e o Brian tá falando comigo... Ela disse: já vou, Brian! Esse deve ser um puta intelectual, pensei. Um baita intelectual. Um puto desses que usa óculos, boina, e pronuncia as palavras corretamente. Ela disse: João, eu vou ter que desligar. Eu sei que quando ela fala João, ao invés de falar “Jão”, é porque ela quer esquecer daqui. Eu também, ás vezes eu quero. Eu disse: tudo bem. A minha mãe gritou: já vai desligar, ou não? Interurbano, pô! Ela disse: eu vou estar fora para ti por enquanto. Eu pensei "eu também". Estou fora para ti!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Emissário do Capeta!

Ele tem seis, ou sete anos no máximo. É de uma família da classe média. Ou média baixa. Mas os pais dele pensam que são ricos. Eles moram num condomínio metido a besta que fica próximo a um bairro realmente chique. Mas não dentro dele como eles dão a entender. O pai é não sei o quê da Petrobrás. A sua mãe é uma espécie de mulher de jogador de futebol ou dançarina de funk, que usa aquele rádio horroroso em que todo mundo no supermercado ou no salão ouve a sua conversa bocejante. Em que ela diz o quanto gastou com o quê, ou chama as outras mulheres de traveca. E o moleque é o capeta. O cão. Mete a porrada em todas as crianças do condomínio. É o dono da bola. Ele apaga a velinha dos outros quando há festa de aniversário. Um dia desses ele estava conversando com um comparsa no corredor. Um cupincha. Um parceiro. Quando uma menina com o dobro de sua idade, que pelos dias de hoje, obviamente podia ser sua mãe, passou. E o mancomunado disse a ele: que gostosa! e ele, como se fosse um homem experiente. É isso que você chama de gostosa? Talvez por isso o seu apelido seja, O Emissário do Capeta.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Eu vou ser capa do New York Times de Amanhã

(Selecionei o trecho que considero mais polêmico)

Você é um artista desconhecido em seu país, como é ser estudado por um dos maiores antropólogos do mundo numa das maiores universidades do mundo? Eu disse: não faz diferença. Você faz isso e pronto. É o que tem que fazer. Eu sou um artista como outro qualquer. O repórter me perguntou: e ser estudado em inglês, se você escreve... Eu disse: é como ler Henry Miller sem saber inglês. Você olha aquelas palavras ali no papel, e não entende nenhuma delas. Mas sabe que tem alguma coisa. A barreira da língua não existe. Nem todo mundo que gosta dos Beatles sabe inglês. Mas saber um pouco de inglês é bom, eu disse, e o repórter sorriu. Você defende a legalização da Marijuana... Defendo porque eu vivo na América latina. E por que lá morre muito mais gente do que aqui, por exemplo, por causa da bebida, do cigarro, e da violência do tráfico de drogas. Se bem que lá agora o crack que está fortíssimo. E o tráfico é uma empresa que não sabe lidar com produtos e clientes. Seria melhor que fosse regulamentado para que existisse controle, e fiscalização. O seu argumento é esse? Não é o meu argumento, a lei seca não acabou com a bebida no seu país... É a mesma coisa. No outro dia o Presidente Obama falou que era a favor do casamento gay, dias depois foi feita alguma coisa por aqui, e acredito que isso tenha ajudado. Dependemos de vocês. E espero que entendam isso, até porque as maiores vítimas somos nós, e não vocês.

Tomara que eles publiquem na íntegra.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

3 Dentes Arrancados e Cinco Costelas Quebradas

Ele era o único da turma que não fumava maconha. Todo mundo fumava. Menos ele. Ele não. Sempre que alguém saía em direção a rodinha dizia a ele: nem um tapinha, fulano? Ele respondia: não, e levantava a garrafinha de água em direção a pessoa. Por esse motivo ele nunca seria parado numa blitz e preso por tráfico de entorpecentes ou porte ilegal de armas. Pois era um cara do bem. Da paz. E também não seria preso e levado a delegacia por dirigir embriagado. Já que ele não bebia. Ele levou um susto ao ser parado numa curva por carro policial. Ele era o tipo de cara que quando cruza com polícia começa a gaguejar. E ao ser indagado para onde ia, ele disse o óbvio. Pra casa. Quando ele atendeu um desses rádios em viva voz. Era um de seus amigos. Marinho. Marinho disse: tô indo pra boca! E para explicar aos policiais que boca era uma amiga de boca grande? Só depois de 3 dentes arrancados e cinco costelas quebradas.

domingo, 17 de junho de 2012

Eu Atirei Num Homem Só Para Vê-lo Morrer

Ele está ali no chão estrebuchando e virando os seus olhinhos japoneses em minha direção. Eu queria sentir alguma coisa por ele. Pena, ou sei lá o quê. Mas por mais que eu tente não consigo. Ele fica me olhando sem acreditar. Daquele mesmo jeito que me olhou a primeira vez que foi se encontrar comigo naquele prostíbulo de quinta categoria. Ele sempre me olha como se o dinheiro não fosse importante. Da mesma maneira quando ele me olhou a primeira vez. Como se a coisa menos importante fosse o que eu ia carregar na bolsa no outro dia de manhã. As outras meninas ficavam impressionadas com esses idiotas como se eles passassem dos limites em sua burrice. Eu não. Sempre fui indiferente a eles. E a ele que está me olhando pensar isso. Não me importo com aquela menina com quem ele estava. Mas também não quero que ela fique com o meu dinheiro. Não sei o que eu posso fazer com esse corpo. Não quero ser descoberta porque se não vou ter que me comportar como se acreditasse que um puto que é viciado em puta não merece morrer.