ele disse: ele veio aqui.... tem que vê... humildão, ele... num foi, Charles? eu disse: foi... ele disse: ele é lá da Itália (e fez um gesto para longe). eu disse: é, ele é italiano. balançando as pernas. ele se mexeu, deu um tapa no braço do outro, e disse: ih, ele é maneirão! ele fala até nossa língua, ele! sentimos um vento frio. cruzei os braços. ele pôs a mão no rosto e disse: ele fala brasileiro. eu disse: é, ele fala brasileiro. depois fiquei pensando porque ele disse ele fala brasileiro. será porque ele é de algum grupo secreto ultranacionalista, ou porque ele segue a lógica do brasileiro fala brasileiro, português fala português, alemão fala alemão, e por aí vai. quando ele grita: evém o busão! nós, pulamos, dentro. a minha mãe diria: você entendeu o que eu falei, não entendeu? e logo após ela balançaria a cabeça.
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Ninguém Vê Nada, Todo Mundo Filma Tudo...
a hora do beijo. Antônio Fagundes se aproxima da Ângela Vieira. é cena que Hollywood produz, duas, ou três vezes ao ano. vai rolar, o beijo. pronto. todo mundo levanta o celular, o computador, e seja o quê for em direção ao casal. você não vê mais nada. apenas as costas dos outros que não conseguem ver o planeta a olho nu. é assim na hora do batizado. é assim na hora do aniversário. é assim na hora da formatura. todo mundo está ocupado registrando o momento. num show que fui assistir tive a impressão de que todo mundo era jornalista, ou celebridade, porque parte do público estava filmando o show, e a outra parte tirando fotos e enviando para o ciberespaço. filmar e assistir é a mesma coisa? uma vez assisti ao vídeo de uma mulher se afogando, um cara ajudava com uma das mãos, e com a outra segurava a câmera. quanta briga e estupro podiam ser evitados se o cinegrafista amador esquecesse o YouTube. o gol do Fio Maravilha da música do Jorge Ben Jor, hoje, teria sido filmado, mas não, assistido.
domingo, 25 de agosto de 2013
A Geração dos Polegares Tortos...
o neguinho tá sentado na calçada da esquina embaixo da marquise. ele cruza as pernas longas como se estivesse em casa. o sorriso congelado no rosto. o moleque branco de óculos escuros tecla com os polegares que parecem mais longos, e ágeis. ele faz parte da geração dos polegares tortos. alguém passa de bike e grita alguma coisa pro neguinho que responde: viado, tu tá me devendo. aquela aposta! pensa que esqueci... o neguinho balança o dedo de forma negativa. a bike desce a rua. quando chega esse cara. tem isqueiro? o neguinho tira o isqueiro do bolso, dá ao cara, e continua em silêncio. o isqueiro prateado faz uma enorme chama. o cara fuma. devolve o isqueiro. o neguinho tá sem camisa, de chinelos, de bermuda, e o sorriso congelado no rosto. o cara fuma. o cara fala. domingo é chato pra burro, aí! o moleque branco tecla e responde: nada pra fazer, aí. na net. no Face. mó, tédio. o cara fuma. o cara fala. que horas é o jogo, hein? o branco tecla e responde: sei de jogo não, aí! e agora passa a teclar com apenas um dos dedos. e diz sem deixar de olhar pro aparelho. vou sair. dá um tapa na mão do cara. e um tapa na mão do neguinho. tecla atravessando a rua. ele diz: tenho de ir almoçar com a minha avó. o neguinho diz: ah, moleque, vai comer a gororoba daquela velha?! o branco diz: padrão Fifa. o cara fuma. o cara fala. Almoço de domingo... o neguinho sorriso congelado.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Guia de Sobrevivência no Centro...
não tem nada. foi atrás de alguma coisa. 45 graus na Presidente Vargas pira o cabeção de qualquer um. pão com manteiga e café no estômago. tontura. luzinhas azuis, e vermelhas. envelope pardo debaixo do braço. longas caminhadas. intestinos relaxados. dor de barriga. MacDonald`s. você finge que está falando com alguém no celular que está a sua espera no segundo piso. tampa pro banheiro. o carinha de uniforme nem vai notar. o sanitário do CCBB tem cheiro de eucalipto. esquece restaurante, e bar. esses caras não tem coração. pastelaria de chinês, nem pensar. agora, e o cafezinho? cai pra um sindicato ou pra uma associação. ainda mais se for algo cultural, sempre rola um pessoal marxista, meio cristão, que fala de ditadura, usa barba, e é magoado com o PT. mas o melhor de tudo, socializa o café. pergunta sobre futebol, eles adoram falar sobre futebol para se sentir parte do proletariado. faz alguma pergunta imbecil sobre alguma coisa que não se resolve ali, e cai fora. o cafezinho do Ecad era o melhor que existia. não sei se ainda é assim. mas alguém sempre grita: o podrão no Carioca, dois real, tô partindo pra lá! e é aquela correria. um atropelando o outro. botando o pé na frente pro outro cair. todo mundo com medo que acabe o pão. é aí que você vê o caráter do brasileiro. filipeta de puta. telefone público com foto de travesti. profetas enlouquecidos. você pergunta o preço que lê na placa para ter certeza. confere de novamente se as moedas ainda estão no bolso. o vendedor esfrega o valor na sua cara, como quem diz, eu sei que você só tem duas moedas e mais o RioCard! a pergunta: linguiça, ou salsicha? ouriça os pombos com quem você vai travar uma batalha por causa das batatas-palha. caju, ou maracujá? caju que maracujá dá sono, você diz, mas é mentira, é porque o de caju é mais aguado. se conseguir vencer os pombos e ainda tiver tempo antes da entrevista, ou da reunião, eu te dou uma dica. põe o traseiro num banco do Campo de Santana, e conheça o tédio de verdade.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
O Poster!
o que está na janela fala: pô, que calor chato pra burro! dali se avista o cais. o cheiro da maresia podre empesteia os pensamentos. ela pinta as unhas em cima da cama. pôs um velho espelho quebrado próximo ao pé. a pintura da parede é verde. o esmalte é vermelho. ela diz: vai se fuder, maninho, calor do caralho! o outro que tá na rede enrolando tabaco numa Colomy, diz: pô, olha, seu mano, esse calor tá de fuder, mermo, ó! no radio alguma noticia. atrás da menina que pinta as unhas tem um poster do Luan Santana. numa noite em que o quê está na janela, que é marido da menina, chegou bêbado em casa, disse que ia tirar o poster do Luan Santana dali. foi uma confusão danada. dizem que até que uma pá de voou. ele disse: isso não canta, nada! isso, é um fresco! ela disse chorando, bêbada, você tem que me aceitar do jeito que eu sou! aos poucos a ressaca passou. os ânimos foram se aclimatando ao marasmo. e o poster ficou por ali. hoje não incomoda ninguém. ele fuma, bate a cinza do cigarro na janela, e fala: lá vem véio, ó! desce a rua na maior correria. pô, seu mano... quase que não te pego, ó! adianta um frila aí... o velho puxa um cigarro e dá a ele. depois o velho faz a mesma pergunta de sempre: e o nosso time? ele diz: eu acho que vai, ó, esse ano, num sei não, nós vamo arroxa eles aí, ó! então o velho desce a rua satisfeito.
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
O Sossega Leão é Proibido?
ele disse: mostrou na
televisão um cara zoando a Brasil, atrapalhando o trá-fe-go. eu disse: eu vi.
tinha que dar um sossega leão, nele... ele me olhou como se eu fosse contra os
direitos humanos, e essa treta toda. eu disse: sossega leão não é só porrada,
não. uma vez fiquei internado na enfermaria de um hospital público. e aí tinha
um velho que toda madrugada as 2 em ponto, ele começava a gritar que o filho
era isso e aquilo, aquela treta dos velhos. e ninguém conseguia dormir. mas
tinha uma enfermeira de cabelo vermelho, diziam as más línguas que ela cheirava
éter no banheiro para suportar o plantão. ele com sotaque carioca me pergunta
cantando... mentira? sério! quando era o plantão dela o velho começava. o que
é, que há?! o meu filho fazer um papelão desses... me deixar no meio dessa
porção de gente desclassificada! eu sou funcionário público, bacharel em
jornalismo, ele erguia o dedo, cuspindo e concursado! aí vinha a enfermeira.
ela sempre tava com uma coriza, e ficava mexendo no nariz o tempo todo. ela
dizia toda ouriçada, balançando os dedos, vou dar um sossega leão, nele! ela ia
lá dentro e voltava com o líquido que despejava naquela bombinha. o velho
dormia como se fosse uma donzela. ele me pergunta: mas o sossega leão é
proibido? eu digo: não sei. nós descemos do muro e vamos caminhando pela linha
do trem.
domingo, 18 de agosto de 2013
Tem Cura Para a Compulsão Sexual?
o chileno está no fundo do bar, ouvindo a maquininha de música que toca Raul Seixas pela centésima vez, ele comprou cem fichas. a mesma música, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás. este chileno veio paro o Rio junto de uns peregrinos que vieram atrás do Papa, e acabou ficando por aqui. hoje ele trabalha na pastelaria de um chinês, e aluga um barraco na favela do Mandela. estou num canto do boteco com o meu violão encostado, e vendo a cerveja esquentar a minha frente. o casal ao lado briga por causa de uma revista que está em cima da mesa, e que tem uma matéria sobre um ator que diz ter compulsão sexual. ela diz: não se tem cura para a compulsão sexual. depois balança a cabeça. eles não dormem já faz uns dois dias. a garrafa de Big-Apple jaz na mesa. o namorado sacode o crânio e dá um trago no cigarro como quem diz que não se conforma com a assertiva. a menina com o cabelo tingido de rosa parece inconformada como um torcedor de futebol ao ver a marcação de um pênalti contra o seu time. ela se vira para o rapaz do boteco que passa o pano em cima do balcão, e pergunta: tem cura para a compulsão sexual? ele diz: como é que eu vou saber? eu sou apenas um atendente de boteco! aos poucos o Raul Seixas morre ao fundo.
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