segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Estou perto

Nós estamos fazendo de tudo para aparecer. Eu vou meter a minha cara ali no meio. Não funciona. Olho no telão e não sou focalizado pelas câmeras. No palco todo mundo empurra o outro. Os velhos, adolescentes e as crianças, também. Ninguém é bobo  Eu viro para o diretor do espetáculo e digo: "Eu prefiro trabalhar nos bastidores." É mentira. Mas, é uma maneira de garantir um lugar perto daquela coisa que eu gosto que é aparecer. É como ser juiz ou goleiro. Ou crítico de artes, editor, produtor, professor de artes. Somos todos artistas frustrados. Eu garanti o meu lugar. Ao menos estou perto.

Fazer e Esperar

Os sonhos de espuma de cevada e os sorrisos abertos e esmaecidos dos dentes amarelados se esvaíram qual fumaça de nicotina. Não sobrou nem o reflexo no espelho do hotel. Das gargalhadas não ficou o tom. Agora é hora do amarelo da cafeína e de contar as horas, e de fazer, e esperar, fazer, e esperar, o trem, o ônibus,  o chefe, a encomenda. Fazer e esperar

Nowdays

 A vida é viver, se divertir, e ser feliz,

dizem atualmente.

Mas talvez a vida seja:

estudar, trabalhar, e resolver problemas.

Senão fizer essas coisas você não come.

E senão comer,..

você não vive.

"Quanto a vida, hoje eu sei que ela não é nem boa nem ruim.” Henry Miller com mais de 80 anos.

domingo, 4 de dezembro de 2022

Uma garota chamada Pós-modernidade

Ela chegou com o seu telemóvel e sentou à janela. Sem ter o que dizer puxou assunto: "Você gosta de quê?", "Eu gosto de me divertir e ser feliz...", "Eu gosto de cozinhar..." ele completou. "Quando estou com fome eu peço uma pizza." Ela disse. Ele: "E o que você lê?", Ela: "Redes Sociais." Ele: "Gosta de música?" Ela:"Só os refrões das novas. As partes são chatas!". Ele: "Qual é o seu nome?" ele tentou a última vez. "Pos-modernidade." Ela respondeu. Ele desestiu, pois assim como o seu nome era estranho demais para aquela garota.

A crônica de domingo para Mario Vargas Llosa

Escrever hoje é como falar sozinho no passado. É coisa de doido. Pois são raros os que cultivam o bom hábito da leitura em meio a um mundo de estímulos visuais onde a diversão a imposição da felicidade veloz e explosiva. Gosto de escrever uma crônica aos domingos, pois isto lembra algumas famílias que reunidas aos domingos tomam o seu “breakfast” de pão com mortadela e café com leite antes da feira com pastel e caldo de cana, e o jornal ao lado na cadeira sempre à mão. Famílias de classe média ou classe média baixa. No jornal jogado estão as críticas das novelas, e os seus resumos. Do teatro, cinema, crônicas futebolísticas, políticas, quadrinhos e reportagens. Eu fazia sempre à ronda do Segundo Caderno. Ia na casa de quem assinava O Globo e perguntava: “Posso ficar com o segundo caderno de ontem?”, “Ah, sim. Eu ia deixar para forrar o lugar do cachorro, mas tem suficiente ali…” Mas eu ia escrever um crônica sobre literatura. Eu gostaria de indicar os livros de um escritor que amo e que acho incrível. Ele é um peruano. Ganhou um prêmio Nobel e tudo. Eu não quero saber sobre as suas opiniões políticas ou com quem ele é casado. Mas, os livros desse homem são de humanismo e sensibilidade. Em seus romances ele também denuncia os mandos e desmandos de regimes totalitários. Vou nomear alguns publicados em português. Livros magníficos: “A Guerra do Fim do Mundo.”, “Conversa na Catedral.”, “A Festa do Bode”, “Lituma nos Andes”, “Tempos Duros”, “O Paraíso em outra esquina”, “Batismo de Sangue”, “Travessuaras de uma menina má”, “O Sonho do Celta”, “A Casa Verde”, “O Elogio da Madrasta.” Só para citar alguns. Lembrei dele pois estou com um livro dele que vai na metade e se chama “A Sociedade do Espetáculo”. Um livro que analisa a sociedade em que vivemos. Bom domingo e boas leituras para todos.

sábado, 3 de dezembro de 2022

Assédio

Ela sonhava poder explodir a cabeça daqueles homens tarados. Filhos da puta do caralho que não podiam ver um rabo. Estourar o crânio de um deles com a sua 45 e ver os seus restos escorrendo e o sangue salpicando em seu rosto e nas paredes. Desde criança chamou sempre a atenção por suas nádegas duras e arredondadas, e o seu corpo forjado em simetria com um rosto magnético. E agora como policial não era diferente. Ouvia piadinhas dos colegas e dos bandidos das ruas. Logo que passava eles disfaraçavam para olhar a sua bunda. Negra, o seu ódio aumentava por ser olhada mais com desejo do que com temor. O pai sempre dizia: "Ah, minha pretinha linda..." 

Ele era um fracassado de 45 anos. Fazia parte do lixo branco. Desempregado não tinha gasolina para pôr o carro velho a andar. Professor que não havia aprendido a ganhar dinheiro. Só ensinava uma história de merda obsoleta que não dava futuro a ninguém. Quando decidiu topar o desafio de transportar um quilo de pasta base de cocaína. Antes disso havia tentado de tudo, Big-Brother, sorteios, loteria, jogo do bicho, raspadinhas, e nada. Completar seis anos desempregado com a idade que tinha nem fodendo. País de merda.

Ele suava no ponto de ônibus. A maconha deu uma bad e ao invés de viajar na vibe e acalmar ele ficou paranoico e não podia ouvir uma sirene que tomava susto. A policial no ponto de ônibus parecia olhar para ele. Será que ela sabia de algo? Só poderia ser paranoia sua. O ônibus não vinha, o tempo voava, e o suor havia começado a escorrer... Quando a princesa negra sacou da pistola e arremesou o seu tronco em direção ao carro pondo as algemas nele. O macho adulto branco pensou que era uma emboscada. Ela disse: "O senhor está preso por assédio." 

No trajeto à delegacia eles irão pedir a droga, isto foi o que ele pensou. Vão tentar me subornar. Mas, nada disso aconteceu. Ele teve de vender o carro. Dormiu na cadeia e saiu sob fiança. Não tocaram em sua mochila e ele conseguiu devolver a droga ao traficante. Aquela vida de esperto não era para ele. Nem a humilhação de eterno desempregado. Meteu uma bala na cabeça sem precisar da ajuda de ninguém.


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Dinamarca com sol

Eu fui buscar o meu tio no Humberto Delgado e a sua euforia petista acabou por me contagiar. Esqueci até que um dia desses eu xingava o Lula. Tio, e o Brasil? Que tal? Aquilo cresce a passos largos agora meu filho! Mas, então, ele ainda nem foi empossado? Isso aí… É só o começo! Imagina quando for… Bolsonaro fez tão mal… Eu podia ouvir a voz de Stefan Zweig a proclamar que o Brasil seria o país do futuro. Vamos pôr esses europeus no chinelo, o meu tio disse. Eu já comecei a imaginar as crianças trocando as armas por livros. E os adultos os carros por bicicletas. Ele me perguntou: “E você, quando volta?” Eu respondi a ele: “Logo assim que o Brasil virar uma Dinamarca com sol.”, “Então falta pouco.” Quase tive um colapso de ansiedade e euforia.