Índice
1.2
O Homem Visível 1923
1.3
Nós Estamos no Filme
1.4
Identificação
1.5
O Close-Up
2.0
A Face das Coisas
2.1
O Som é Indivisível
2.1
O Som no Espaço
2.3
A Vida Visual
2.4
Charme Lírico do Close-up
3.0
A Face do Homem
3.1 Uma Nova Dimensão
3.2
Melodia e Fisionomia
3.3
Solilóquio Silencioso
3.4
Subjetividade do Objeto
3.5
Algo Mais Sobre a Identificação
3.6 Mundos Antropomórfico
4.0
Conclusão
4.1
Referência
1.2
O Homem Visível 1923
Ismail
Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal,
1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.
Os
nossos ancestrais primitivos se comunicavam através dos gestos e das expressões
faciais. O ser humano era o que Béla Belázs classificou como Homem Visível, pois
suas emoções transbordavam visualmente. Ao seguir estes movimentos a língua
produziu os sons que levaram à fala. Béla Belázs acreditava que muito da
linguagem não-verbal foi perdida.
Outro
momento das comunicações humanas veio com o surgimento da imprensa. A palavra
passou a transportar à alma humana representada por conceitos. O espírito
visual foi trocado pelo espírito legível. Por isto os povos sem escrita
carregam uma biblioteca maior de expressão não-verbal. Enquanto o homem culto tem
empobrecida a sua comunicação facial.
Béla
Belázs afirmava que através do cinema o Homem Visível iria ressurgir. Embora
reconhecesse que nem todos os países tivessem condições de criar um mercado
cinematográfico. A linguagem do cinema tornou-se universal para ser entendida
por todos.
1.3
Nós Estamos no Filme
O
cinema aproximou o mundo subjetivo do artista ao interior do espectador. O
maior mérito da câmera não é mostrar ou desvendar um universo novo, e sim apresentar
de maneira diferente o que já conhecemos.
1.4
Identificação
Béla
Belázs afirma que no cinema somos os olhos da personagem e que nunca numa obra
de arte o público pôde participar tão ativamente, e se sentir dentro da ação ao
se identificar com uma protagonista. Devemos acrescentar que este é o mesmo
efeito que a literatura pode causar num leitor. O que não existe é uma
identificação que se manifeste visualmente como no cinema. Mas no campo
subjetivo é possível afirmar que nossa identificação com a personagem de um
romance pode ser tão intensa quanto com à de uma longa-metragem.
1.5
O Close-Up
O
close-up representa uma parte e não o todo. Não dá o panorama geral da
paisagem, e sim foca num detalhe. O close-up sublinha um indivíduo numa
multidão. Podemos dizer que o close-up com esta aproximação nos mostra à
emoção escondida. Ele é o responsável por àquela pequena expressão de medo e
ansiedade que se tornam visíveis.
2.0
A Face das Coisas
O
Que Une as Visões Parciais?
O
público tem de ser educado para pensar em como as partes de um filme se juntam
no tempo, pois elas não estão juntas no espaço. Belázs crê que um plano tem de
dar indicação de outro para que o nosso cérebro faça as conexões necessárias, e
que cheguemos a conclusões que montem o verdadeiro sentido que o diretor quer transmitir.
Um objeto pode dar indicação de continuidade dentro de uma ação. Ele cita à
música que nos põe dentro de uma boate, onde logo após aparece o close-up
de uma flor, mas quando abre o plano ela está em outro local onde será dada à
continuidade da ação. Esta afirmação de Belázs pode ser contestada tendo em
vista movimentos como o Surrealismo. Embora mesmo nestes movimentos
possamos perceber a existência da associação de ideias à qual Belázs se refere.
Vale ressaltar que ainda hoje parte do público tem de ser orientado para
assistir alguns filmes que irão depender de compreensões que carecem de
conhecimentos individuais.
2.1
O Som é Indivisível
O
som não pode se fragmentar no espaço como a imagem extraída da câmera. O som
aproximado ou distante sofre variação em sua intensidade. Dentro desta
observação, podemos pensar que Belázs não previu experimentações
cinematográficas que advieram da manipulação das novas tecnologias.
2.1
O Som no Espaço
O
cinema sonoro poderia ter educado os novos ouvidos, assim como o cinema mudo
deveria ter sensibilizado o nosso olhar. Com o cinema falado toda a
oportunidade foi perdida. A fala deixou os nossos sentidos acomodados.
2.2
A Face das Coisas
O
close-up no cinema mudo buscou o que era intrínseco a um objeto ou ser,
e nos conduziu a uma visão ampliada do tempo. Belá Belázs reforça à ideia de
que a câmera não trouxe nada novo, apenas afinou a nossa sensibilidade dando
maior destaque ao que deixávamos de perceber.
2.3
A Vida Visual
O
close-up nos fez ver uma parte desconhecida, que explica mais do que um
grupo de gestos. Belázs diz que os grandes filmes são feitos com bons close-ups.
Pois o close-up pode identificar.
De acordo com Belázs não entender o close-up será como ignorar os
instrumentos separados de uma sinfonia. É ser igual um ouvinte que capta a
melodia principal e não os instrumentos em separado. Através dessas partes
podemos ter uma compreensão melhor do todo.
2.4
Charme Lírico do Close-up
Os
close-ups são os dedos que se movem nervosamente sobre as pernas,
enquanto o rosto se mantém impassível amparado por um discurso coerente. O close-up
revela mais do que o simples detalhe
naturalista, ele é a escolha correta e infalível do bom operador de câmera no pleno
domínio de sua arte. Ele revela o lado obscuro dos objetos e tudo o que se
encontra nas sombras. O close-up irá conduzir a estória, pois ele é o leitmotiv
que serve de prenúncio para as mudanças drásticas que anunciam os
acontecimentos ou desvendam o que os olhos não alcançam quando estão
anestesiados por outros sentidos.
3.0
A Face do Homem
Belázs
cita Marx para dizer que toda arte é uma manifestação humana. Mesmo quando um close-up
mostra um objeto, ele evidencia o ser humano. Os objetos como nossas
criações são reflexos da personalidade humana. O close-up traduz nossa
alma. Ele é responsável por levar ao subjetivo.
3.1 Uma Nova Dimensão
O
close-up apresenta outra dimensão no espaço quando mostra uma expressão
facial e nuances de sentimentos que representam uma emoção não explícita. Se vê
apenas parte de um corpo, e ao invés de uma ação a subjetividade presente em um
pensamento que independe da concepção corporificada do mundo como conhecemos.
3.2
Melodia e Fisionomia
Assim
como a melodia, que para Henri Bergson; não existe sozinha no tempo e no
espaço, e sim em conjunto, pois a primeira nota só existe em junção com a
segunda, e assim sucessivamente. Quando a primeira nota é tocada evoca a última;
o que faz com que entendamos que uma não existe sem a outra, e que elas
representam a melodia. Assim como as várias expressões faciais que não existem
sozinhas, remetem a pensamentos, sentimentos e emoções que estão de acordo uns com
os outros. O cinema reitera a dimensão da fisionomia. Assim como a nota da
melodia de um instrumento faz parte da sinfonia. Uma expressão facial expressa
os sentimentos que compõem um indivíduo.
3.3 Solilóquio Silencioso
Béla
Belázs defende que no teatro não existe mais o solilóquio silencioso. E que é impossível
uma personagem se expressar sinceramente com as palavras. A única possibilidade
no cinema é o solilóquio silencioso. Representado num simples mover de músculos
da expressão facial que pode contrariar todo o discurso cínico que advém da
fala. Somente um close-up, pode pescar um ser solitário com sua solidão
extrema no meio da multidão. Mas se levarmos em conta, que personagens não são
como pessoas, que precisam dissimular suas emoções em determinadas situações por
causa de pressões sociais, nós poderemos criar uma opinião paralela ao que diz
Béla Belázs. Pois tanto escritores como roteiristas e dramaturgos podem nos
comunicar o que está no íntimo das personagens, e no caso da literatura isto
fica ainda mais evidente. Mesmo que o romance não seja narrado em primeira
pessoa; o narrador onipresente pode nos transmitir o que a personagem
verdadeiramente pensa.
3.4
Subjetividade do Objeto
Para
Béla Belázs cada ângulo é uma escolha que se refere a determinado aspecto e
sentimento do ser, objeto, ou fenómeno natural enquadrado. O enquadramento põe
o espectador dentro do olhar da personagem; ele é capaz não só de visualizar,
mas de sentir o mesmo que a protagonista que se encontra na ação.
3.5
Algo Mais Sobre a Identificação
Existe
a realidade do objeto e o que vê o espectador. As duas dependem de um ponto de
vista do operador de câmera. Ele enquadra de acordo com o seu interesse; se
deseja relacionar o personagem feliz ao objeto, irá trabalhar a luz e a
disposição do mesmo no espaço para que o espectador tenha esta sensação, se
caso contrário o intento é fazer com que alguém pareça raivoso, escolherá o
ângulo certo dentro do enquadramento com sombras, distorção e disposição no
espaço. É muito similar ao que acontece na escolha de fotografias que ilustram jornais
e revistas, e que o ângulo é escolhido dependendo do político ou personalidade
que se queira retratar; uma boca torta ou um dedo apontado para o ar podem dar
uma ideia que não condiga com a realidade. Mas sim àquela que servirá de pano
de fundo para estampar o tom que o veículo deseja. A composição da imagem é a
personalidade do diretor, e do operador de câmera, e são as suas marcas. E nos
dão o verdadeiro valor de sua arte.
3.6 Mundos Antropomórficos
Em
tudo que o ser humano pousa o olhar existe a lembrança de uma sensação. Seja
ela tranquilizadora, repulsiva ou mesmo indiferente. Em todas as artes se tenta
fazer esta assimilação e despertar o seu sentimento. Este é o objetivo de todo
artista. E a conclusão de Béla Belázs é que o cinema sendo a arte da imagem não
pode desperdiçar um milímetro dela, toda representação cinematográfica tem de
ser sentimento.
4.0
Conclusão
Vivemos
num tempo em que o cinema é sobretudo diálogo e os nossos sentidos são pouco
explorados. É como diz a máxima: “Olha, mas não vê, escuta, mas não ouve”. Nosso
repertório de expressões e capacidade de leitura das mesmas engessaram com o
tempo. Num contato mais aprofundado com a história do cinema é perceptível como
o mesmo tem perdido ao longo do tempo como arte da imagem. O cinema tornou-se
uma arte das palavras. A expressão dos sentimentos dentro das imagens
cinematográficas tem ficado em segundo plano. Não se pode generalizar, mas é um
fato. Os atores em cena estão sempre a nos guiar com as suas palavras. A imagem
passou a ilustrar a fala quando poderia ser o inverso. O texto analisado foi
escrito em 1923. Com o passar dos anos os estudos de psicologia e neurociência
vieram corroborar ainda mais com o que escreveu Beláz quase um século antes.
Béla Belázs nos alerta que cada vez mais somos amparados por discursos, e não
conseguimos perceber que muitas vezes eles não estão de acordo com gestos e
olhares. É crucial para um artista perceber que dentro do universo do cinema; a
fotografia é tão importante quanto o roteiro, os diálogos, e a expressão dos
atores. Porque não seguir os personagens e suas atitudes e interpretar o que
eles sentem e pretendem? E se nós fôssemos educados nesta arte? É sabido que os
psicopatas são incapazes de sentir empatia. Nós também seremos dentro de uma
sociedade que caminha para se tornar cada vez mais neurotizada e robotizada.
Belázs fala em educação dos sentidos. Vivemos no automático, como se diz, com
medo dos outros e incapazes de nos pôr em seu lugar. O problema sempre está lá
fora, nunca aqui dentro. A arte é apenas um reflexo da realidade, talvez por isto,
esta falta de expressão tenha se refletido no cinema. Se hoje o cinema voltasse
a ser mudo, quantas pessoas seriam capazes de seguir as suas estórias? Belázs
nos lembra que o cinema sonorizado também não explorou os nossos ouvidos de
todo. Feche os olhos e ouça quantos sons você não percebe à sua volta. Quantos
prédios localizados em ruas pelas quais você passa todos os dias e não os
percebe a não ser que alguém chame a atenção para eles. Podemos mesmo
tergiversar que se a sociedade receber educação sentir e interpretar o mundo,
talvez não fosse tão violenta e desigual. Quantas pessoas podem fazer uma
leitura de si mesmas através de um terapeuta? Quantas são as pessoas ao redor
do mundo que podem se orgulhar de parar em frente a um quadro e tentar entender
as intenções do artista? Não é uma questão de puritanismo, mas sim de escolhas.
Quando a maior parte do mundo acredita que uma batida frenética e colorida da
música pop é o ápice que um artista pode chegar, há cada vez menos o tempo para
a contemplação e exercício do cérebro. Quem perde com este espectador educado
para ser um robô; que assim como uma criança de poucos anos que só entende o
livro com figuras descritivas, não é o cinema, e sim, todos nós. Estudar Béla
Belázs é dar um salto qualitativo na expressão de suas próprias experiências. E
ampliar não só sua arte, mas também o seu entendimento e sua capacidade de
expressão diante de um mundo que se encontra anestesiado.
4.1
Referência
Ismail
Xavier (org.), Béla Belázs, A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Graal,
1983. Pp 75-99. Tradução de João Luiz Vieira.