Sophie Miller é o tipo de menina que tem dois olhinhos pequeninos e brilhantes no fundo dos óculos. Ela ficou com este ar de inteligente depois que começou a usar óculos. Mas antes disso Sophie Miller já dizia, acho tão bonito quem usa óculos... Sophie Miller ficou com cara de boazinha mesmo contra a sua vontade. A sua voz é igual à voz dessa mulher que nos diz quando devemos acrescentar um novo número ao telefone discado. Sophie Miller parece uma apresentadora de telejornal que eu admiro... Se reparar nas olheiras de Sophie Miller, você irá pensar que ela é algum tipo que não dorme de madrugada. Outro dia perguntei a ela, Sophie, a que horas você dorme, normalmente? Depois das duas... Porquê? Eu disse Nada, não é por nada, não... É só por curiosidade, mesmo... Sophie Miller assiste a um daqueles programas que passam tarde da noite, e que sempre tem um cara metido a inteligente como entrevistador, e outro cara metido a inteligente sendo entrevistado. Sophie Miller é o tipo de menina que lê o livro da moda em pé no metrô. E que ouve músicas com fones de ouvido enormes. Ela conhece as dez mais tocadas da temporada. E música de um ano atrás, Sophie Miller considera velha. Sophie Miller masca chicletes. Fuma cigarros de sabor. Fala do seu cantor preferido com a desenvoltura de um crítico musical. E conhece de cor todas as suas letras. Sophie Miller é o tipo de menina que senta no chão do aeroporto. E que tem fotos das férias espalhadas por tudo quanto é canto da casa. Ela faz pose numa porção de cartões postais pelo mundo, e em fotos com as amigas dentro do banheiro da escola. Sophie faz uma pose de perfil expondo o lado direito do rosto, e dispara a foto com a mão direita estendida, e inclinada para baixo. No espelho vemos o reflexo de Sophie, e os de suas amigas. Sophie Miller usa aquele tênis que tem uma estrela, e que todos os seus amigos usam. Igual aquele casaco que tem o nome formado por três letras. Acho que eles combinam para não repetir as cores... Cada um tem a sua máquina para que se comuniquem em rede. Eles têm perfis em redes sociais, e os polegares tortos. A maioria dos meninos é viciada em jogos, futebol e pornografia. No almoço todos bebem esse líquido escuro que vicia, e comem hambúrguer naquele restaurante onde a foto do funcionário do mês, com o uniforme que incluí o boné, fica pendurada na parede. Mas um dia, quem sabe, Sophie Miller poderá fazer regimes estranhos na busca pelo corpo ideal. Talvez deixe de comer carne vermelha para só comer vegetais. E quem sabe ela passe a defender os animais. Ou as pessoas que moram nas ruas. Você pode ver Sophie Miller próxima a uma rua de shopping chique de qualquer lugar do planeta. Seja no hemisfério norte, ou no hemisfério sul. Usando um traje básico, de short, blusa branca, sandálias, óculos escuros, e chapéu contra o sol que ela segura para que não voe. Sophie viaja uma ou duas vezes por ano. Você pode até pensar em Sophie como uma menina comum, mas quando a gente era criança, perguntei a Kevin Thompson se ele sabia que um de nossos amigos se dizia apaixonado por Sophie, ele disse: Jacob Smith, não seja idiota! Quem não é apaixonado por Sophie Miller? Sophie e Kevin formam aquele tipo de casal que você não consegue imaginar separado, e não os imaginava junto.
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
Roberto Carlos na Vitrola...
a mãe de Samuel dizia a ele, Samuel, se o seu pai não voltar pra casa eu me mato! eu taco fogo na casa com você dentro! você vai ver, Samuel! você vai ver! eu mato a gente, Samuel... nós dois! Samuel era muito novinho. era criança, ainda. ele estava no início do antigo primário. Samuel olhava para a mãe, e imaginava a casa pegando fogo, crepitando, com eles dentro. Samuel se lembrava daquele filme em que a mãe do psicopata suava. Samuel não conseguia se lembrar se o psicopata morria queimado no final, ou se a sua mãe morria queimada, ou se a casa do psicopata terminava em chamas, pegando fogo. a mãe de Samuel em nada se parecia com a mãe do psicopata. em alguns momentos ela nem parecia irritada. acabava colocando Roberto Carlos na vitrola, e passando a cera vermelha no chão. a cera era de uma vermelhidão, tremenda. ela passava a cera no chão, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. enquanto Samuel jogava bola sozinho no quintal. ou com o primo que era mais ou menos da mesma idade que ele. quando a mãe de Samuel estava de bom humor, ela não falava nem da morte, e nem da piranha que o pai de Samuel havia arrumado. e aquelas manhãs de sábado de sol eram tranquilas. com Samuel jogando bola no quintal.
domingo, 2 de agosto de 2015
Sangue Bom!
tava jogando a pelada de segunda meia noite na praça. quando ainda tinha algum fôlego para correr. enquanto eu passava eles gritavam, tá na capa! físico de jogador de dominó! tá malhando? pele e osso. aí eu me lembrava daquela música em que o Cartola diz, e quando eu passo, a gurizada pasma, horrorizada, como quem vê um fantasma! e o esqueleto humano, assim vai, cambaleando, quase cai, não cai. eu falei pro moleque no meio da pelada. passa a bola, sangue bom! ele explodiu, caraca! sangue bom! da antiga aí, valeu! ele ficou deliciado em ouvir aquela gíria. talvez ela o remetesse a algum pai, ou a algum tio com quem tenha convivido quando era criança. ou trouxesse a ele lembranças da rua.
Bater Ponto...
todo dia naquele horário nós estávamos sentados naquele portão. então ele passava por nós, e dizia. eu vou bater o ponto. e se encaminhava até o orelhão da esquina. um dia eu disse, nossa, que legal... cool. você bate o ponto por telefone! o pai dele me olhou como se eu estivesse viajando. eu havia achado o máximo uma pessoa trabalhar em casa, e bater o ponto pelo orelhão. era algo que me remetia a grandes empresas de tecnologia. achei aquilo super evoluído. e moderníssimo para a visão mundo cão, que parte de nós brasileiros temos do trabalho. quando cheguei a casa comentei o acontecido com a minha esposa. e fiquei decepcionado ao descobrir que o rapaz não se referia ao trabalho. e sim, ao ato de telefonar para a mesma pessoa todos os dias, ritualisticamente, no mesmo horário. fiquei triste ao vê-lo dia seguinte de manhã cedo de uniforme do trabalho no ponto do ônibus.
sábado, 1 de agosto de 2015
A Crise!
ele não sabe responder ao filho porque existem tantas placas de aluga-se, e vendem-se penduradas por todo o bairro. já que quando eles foram procurar casa para alugar, a mãe havia dito que não havia casas para alugar naquele lugar. agora as placas se multiplicavam uma por cima das outras. então ele diz ao filho, é a crise. o filho pergunta, o quê é a crise, pai? ele corta. quando as coisas estão ruins. e o filho insiste, as coisas estão ruim pai. ele diz, sim, meu filho. as coisas estão ruins. mas elas irão melhorar. então o pai se afasta dizendo. vamos embora, meu filho, e o menino o segue... este outro homem estava assustado. não sabia o quê fazer. ele não era alguém que a cerveja conseguisse ludibriar. depois que passava a ressaca. ele sempre se lembrava dos filhos adolescentes. sendo educados ao léu. e ele estagnado naquele emprego. ele sabia que homens que tiveram tudo na vida acabavam espremidos em quartinhos. os seus medos eram muitos. quando olhava para a filha, ele temia que um dia aparecesse com outra criança nos braços. ele se preocupava ao ver que os seus seios começavam a brotar. e pensava. ou eu tenho dinheiro para dar de comer aos meus filhos. ou eu tenho tempo para educar meus filhos. era assim que ele pensava. imaginava quando o filho fumaria o primeiro baseado. e temia que experimentasse a cocaína. e crack que era o maior sofrimento que ele presenciava em sua vida. ou que assim como ele, que não admitia ser alcoólatra, o filho bebesse todos os dias. meninas também não estavam livres de nada. ele vivia num lugar onde era perigoso andar nas ruas. na escola em que seus filhos estudavam havia de tudo. agora havia de tudo em todo lugar. às vezes ele sonhava que seus filhos batessem com suas cabeças, e se convertessem a alguma religião. ou quem sabe se apaixonassem por alguma coisa que fosse além da violência, e da pornografia, assim como ele era viciado nessas coisas. ele estava espremido na cama igual a um feto. era apenas uma criança assustada, que se pudesse gritaria. mãe!
domingo, 26 de julho de 2015
Tim Maia, Fábio e Hyldon... Velho camarada!
um skatista desce a rampa. Fábio de branco caminhando canta a parte dele. lentamente. o letreiro anuncia Velho Camarada de Augusto César. Fábio dubla a parte com vozes femininas. faz aquela expressão de felicidade em tom agudo. uma porção de figurantes estão sentados ao fundo. Tim Maia canta a sua parte metido num blazer azul, enquanto dança fazendo pose. Hyldon está sentado no meio de umas minas que são o "must" da época. a cor dos olhos de Hyldon está singular. Hyldon veste calça branca e camisa praiana. todos estão tostados pelo sol. eu não acredito que esteja vendo isso! que ano era aquele, mesmo?
terça-feira, 24 de junho de 2014
Eu Vou Fazer 20 Anos...
eu vou fazer 20 anos. e como eu queria ter aprendido com quinze o que eu sei hoje. teria evitado todos excessos. todos estresses. toda ansiedade que vai corroendo por dentro, toda pressa de viver como se fosse morrer no dia seguinte. pois o mocinho sempre fica vivo no final da estória, e descobre que a princesa é uma boneca inflável, e o príncipe um sapo. quando você se torna uma careca equilibrada sobre uma barriga de cerveja, ou uma cabeleira sedosa sobre uma pança, você descobre que os filhos nascem. e que eles comem, comem e cagam. mas que o sorriso de um deles, vale mais que qualquer flerte. se eu pudesse voltar no tempo teria limpado os meus ouvidos, e prestado atenção quando me diziam, você vai se ferrar por isso! eu não quis acreditar, mas espera lá... eu era muito novo. pelo menos estou vivo. quantos da minha geração morreram assassinados. morreram de overdose. quantos estão jogados nas ruas, entregues à bebida, ou ao crack, ou derramados no pó. pelo menos estou vivo. tenho trabalho. tenho saúde. não me lincharam, e nem me estupraram neste país perigoso em que vivemos. não contraí nenhuma doença em noites sem preservativo. nunca tirei a vida de ninguém. e ninguém tirou a minha. ninguém me prejudicou. e não me matei como tantos fizeram, direta ou indiretamente. que ótimo poder respirar num dia nublado, ou ensolarado. com, ou sem dinheiro. sozinho, ou acompanhado. e que bom poder fazer vinte anos de carreira...
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