a hora do beijo. Antônio Fagundes se aproxima da Ângela Vieira. é cena que Hollywood produz, duas, ou três vezes ao ano. vai rolar, o beijo. pronto. todo mundo levanta o celular, o computador, e seja o quê for em direção ao casal. você não vê mais nada. apenas as costas dos outros que não conseguem ver o planeta a olho nu. é assim na hora do batizado. é assim na hora do aniversário. é assim na hora da formatura. todo mundo está ocupado registrando o momento. num show que fui assistir tive a impressão de que todo mundo era jornalista, ou celebridade, porque parte do público estava filmando o show, e a outra parte tirando fotos e enviando para o ciberespaço. filmar e assistir é a mesma coisa? uma vez assisti ao vídeo de uma mulher se afogando, um cara ajudava com uma das mãos, e com a outra segurava a câmera. quanta briga e estupro podiam ser evitados se o cinegrafista amador esquecesse o YouTube. o gol do Fio Maravilha da música do Jorge Ben Jor, hoje, teria sido filmado, mas não, assistido.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
domingo, 25 de agosto de 2013
A Geração dos Polegares Tortos...
o neguinho tá sentado na calçada da esquina embaixo da marquise. ele cruza as pernas longas como se estivesse em casa. o sorriso congelado no rosto. o moleque branco de óculos escuros tecla com os polegares que parecem mais longos, e ágeis. ele faz parte da geração dos polegares tortos. alguém passa de bike e grita alguma coisa pro neguinho que responde: viado, tu tá me devendo. aquela aposta! pensa que esqueci... o neguinho balança o dedo de forma negativa. a bike desce a rua. quando chega esse cara. tem isqueiro? o neguinho tira o isqueiro do bolso, dá ao cara, e continua em silêncio. o isqueiro prateado faz uma enorme chama. o cara fuma. devolve o isqueiro. o neguinho tá sem camisa, de chinelos, de bermuda, e o sorriso congelado no rosto. o cara fuma. o cara fala. domingo é chato pra burro, aí! o moleque branco tecla e responde: nada pra fazer, aí. na net. no Face. mó, tédio. o cara fuma. o cara fala. que horas é o jogo, hein? o branco tecla e responde: sei de jogo não, aí! e agora passa a teclar com apenas um dos dedos. e diz sem deixar de olhar pro aparelho. vou sair. dá um tapa na mão do cara. e um tapa na mão do neguinho. tecla atravessando a rua. ele diz: tenho de ir almoçar com a minha avó. o neguinho diz: ah, moleque, vai comer a gororoba daquela velha?! o branco diz: padrão Fifa. o cara fuma. o cara fala. Almoço de domingo... o neguinho sorriso congelado.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Guia de Sobrevivência no Centro...
não tem nada. foi atrás de alguma coisa. 45 graus na Presidente Vargas pira o cabeção de qualquer um. pão com manteiga e café no estômago. tontura. luzinhas azuis, e vermelhas. envelope pardo debaixo do braço. longas caminhadas. intestinos relaxados. dor de barriga. MacDonald`s. você finge que está falando com alguém no celular que está a sua espera no segundo piso. tampa pro banheiro. o carinha de uniforme nem vai notar. o sanitário do CCBB tem cheiro de eucalipto. esquece restaurante, e bar. esses caras não tem coração. pastelaria de chinês, nem pensar. agora, e o cafezinho? cai pra um sindicato ou pra uma associação. ainda mais se for algo cultural, sempre rola um pessoal marxista, meio cristão, que fala de ditadura, usa barba, e é magoado com o PT. mas o melhor de tudo, socializa o café. pergunta sobre futebol, eles adoram falar sobre futebol para se sentir parte do proletariado. faz alguma pergunta imbecil sobre alguma coisa que não se resolve ali, e cai fora. o cafezinho do Ecad era o melhor que existia. não sei se ainda é assim. mas alguém sempre grita: o podrão no Carioca, dois real, tô partindo pra lá! e é aquela correria. um atropelando o outro. botando o pé na frente pro outro cair. todo mundo com medo que acabe o pão. é aí que você vê o caráter do brasileiro. filipeta de puta. telefone público com foto de travesti. profetas enlouquecidos. você pergunta o preço que lê na placa para ter certeza. confere de novamente se as moedas ainda estão no bolso. o vendedor esfrega o valor na sua cara, como quem diz, eu sei que você só tem duas moedas e mais o RioCard! a pergunta: linguiça, ou salsicha? ouriça os pombos com quem você vai travar uma batalha por causa das batatas-palha. caju, ou maracujá? caju que maracujá dá sono, você diz, mas é mentira, é porque o de caju é mais aguado. se conseguir vencer os pombos e ainda tiver tempo antes da entrevista, ou da reunião, eu te dou uma dica. põe o traseiro num banco do Campo de Santana, e conheça o tédio de verdade.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
O Poster!
o que está na janela fala: pô, que calor chato pra burro! dali se avista o cais. o cheiro da maresia podre empesteia os pensamentos. ela pinta as unhas em cima da cama. pôs um velho espelho quebrado próximo ao pé. a pintura da parede é verde. o esmalte é vermelho. ela diz: vai se fuder, maninho, calor do caralho! o outro que tá na rede enrolando tabaco numa Colomy, diz: pô, olha, seu mano, esse calor tá de fuder, mermo, ó! no radio alguma noticia. atrás da menina que pinta as unhas tem um poster do Luan Santana. numa noite em que o quê está na janela, que é marido da menina, chegou bêbado em casa, disse que ia tirar o poster do Luan Santana dali. foi uma confusão danada. dizem que até que uma pá de voou. ele disse: isso não canta, nada! isso, é um fresco! ela disse chorando, bêbada, você tem que me aceitar do jeito que eu sou! aos poucos a ressaca passou. os ânimos foram se aclimatando ao marasmo. e o poster ficou por ali. hoje não incomoda ninguém. ele fuma, bate a cinza do cigarro na janela, e fala: lá vem véio, ó! desce a rua na maior correria. pô, seu mano... quase que não te pego, ó! adianta um frila aí... o velho puxa um cigarro e dá a ele. depois o velho faz a mesma pergunta de sempre: e o nosso time? ele diz: eu acho que vai, ó, esse ano, num sei não, nós vamo arroxa eles aí, ó! então o velho desce a rua satisfeito.
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
O Sossega Leão é Proibido?
ele disse: mostrou na
televisão um cara zoando a Brasil, atrapalhando o trá-fe-go. eu disse: eu vi.
tinha que dar um sossega leão, nele... ele me olhou como se eu fosse contra os
direitos humanos, e essa treta toda. eu disse: sossega leão não é só porrada,
não. uma vez fiquei internado na enfermaria de um hospital público. e aí tinha
um velho que toda madrugada as 2 em ponto, ele começava a gritar que o filho
era isso e aquilo, aquela treta dos velhos. e ninguém conseguia dormir. mas
tinha uma enfermeira de cabelo vermelho, diziam as más línguas que ela cheirava
éter no banheiro para suportar o plantão. ele com sotaque carioca me pergunta
cantando... mentira? sério! quando era o plantão dela o velho começava. o que
é, que há?! o meu filho fazer um papelão desses... me deixar no meio dessa
porção de gente desclassificada! eu sou funcionário público, bacharel em
jornalismo, ele erguia o dedo, cuspindo e concursado! aí vinha a enfermeira.
ela sempre tava com uma coriza, e ficava mexendo no nariz o tempo todo. ela
dizia toda ouriçada, balançando os dedos, vou dar um sossega leão, nele! ela ia
lá dentro e voltava com o líquido que despejava naquela bombinha. o velho
dormia como se fosse uma donzela. ele me pergunta: mas o sossega leão é
proibido? eu digo: não sei. nós descemos do muro e vamos caminhando pela linha
do trem.
domingo, 18 de agosto de 2013
Tem Cura Para a Compulsão Sexual?
o chileno está no fundo do bar, ouvindo a maquininha de música que toca Raul Seixas pela centésima vez, ele comprou cem fichas. a mesma música, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás. este chileno veio paro o Rio junto de uns peregrinos que vieram atrás do Papa, e acabou ficando por aqui. hoje ele trabalha na pastelaria de um chinês, e aluga um barraco na favela do Mandela. estou num canto do boteco com o meu violão encostado, e vendo a cerveja esquentar a minha frente. o casal ao lado briga por causa de uma revista que está em cima da mesa, e que tem uma matéria sobre um ator que diz ter compulsão sexual. ela diz: não se tem cura para a compulsão sexual. depois balança a cabeça. eles não dormem já faz uns dois dias. a garrafa de Big-Apple jaz na mesa. o namorado sacode o crânio e dá um trago no cigarro como quem diz que não se conforma com a assertiva. a menina com o cabelo tingido de rosa parece inconformada como um torcedor de futebol ao ver a marcação de um pênalti contra o seu time. ela se vira para o rapaz do boteco que passa o pano em cima do balcão, e pergunta: tem cura para a compulsão sexual? ele diz: como é que eu vou saber? eu sou apenas um atendente de boteco! aos poucos o Raul Seixas morre ao fundo.
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Aí, Qual Foi Daquele Neguinho?!
se liga, aquele neguinho foi lá na reunião no morro lá, nós recebemo ele bem, certo. porque o amigo tinha dado o papo que o mano era maneiro. então nós recebemo ele bem, porque tu sabe que cum nós num tem esse bagulho de miséria, mesmo. que sempre vai ter um que vai salvar uma carne ou um baseado, que tu sabe que nós gosta de fuma nossa droga mermo, tá ligado? mas aquele mano levou o gringo, e o gringo ficou falando tudo enrolado, e nós num entendendo nada que o gringo tá falando, tá ligado? aí ele começou a falar do amigo. e disse que o amigo era muito fechado e que era isso e aquilo e que o amigo podia tá ganhando dinheiro com isso e com aquilo. mas que o amigo era devagar. aí nós se bolou com ele, e nós falamo, você num pode falar do amigo. porque se você tá aqui agora, desenrolando, trocando essa ideia com nós, é por que foi o amigo que abriu essa brecha pra você tá aqui. e nós já numa de partir pra cima dele, eu disse: o amigo é igual nós. a mesma merda. ele fica aí onde você tá sentado. foi esse papo que eu dei nele, e ainda disse pra ele se adiantar. porque se não a madeira ia cantar pra cima dele. interrompi a história, e disse: não. paz. por favor. ele perguntou: e, qual foi daquele neguinho?! eu disse: deixa ele pra lá. pus as mãos nos bolsos.
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