sábado, 9 de fevereiro de 2013

O Garoto da Bicicleta...

ele pedala pela rua principal do centro da cidade. o centro da cidade todo é esta rua. é uma cidade pequena do interior. uma dessas cidades que crescem em volta de alguma fábrica. a única diferença é que onde ele vive tem cachoeira, e faz frio. pois fica no alto da serra. enquanto o Garoto da Bicicleta pedala passando o canivete nas portas das lojas que estão fechadas, pensa que se o Gordo estivesse por perto eles poderiam jogar videogame. ou quem sabe andar de moto com o Cérebro e o Cabeça. Mas não. foi todo mundo para o litoral atrás daquelas praias. e daquela balbúrdia. todos eles atrás dessa festa idiota. só ele não foi. e mesmo o Velho Comandante estava fora com os netos. o Garoto adorava parar na barbearia para ouvir aquelas histórias de marinha. ele deu meia volta com a bicicleta. parou na esquina, e imaginou que talvez deveria tentar ler um daqueles livros que a sua mãe mantinha na estante contra a vontade de seu pai. a mãe dizia: as palavras ficam! e o pai: são apenas um monte de palavras empoeiradas... quando foi visitar a avó na capital, ele entrou numa livraria enorme com a mãe, e chegou a conclusão de que existiam muitos escritores. e que se a mãe insistia tanto para que ele lesse, e se todos aqueles caras e aquelas mulheres também perdiam tanto tempo a escrever, devia ter alguma importância naqueles livros. ele ia deixar de preguiça. e iria tentar ler um livro pela primeira vez. pedalou de volte em direção de casa.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Ele Não Faz Festa...

o menino está sentado na cerca de madeira. ele tem uma bermuda que vai até um pouco abaixo do joelho, e sapatos antiquados. os cabelos desgrenhados e as sardas. ele se chama David ou Miguel. algum nome bíblico. embora a sua família não seja cristã, e o seu pai seja um sacerdote de uma seita, como dizem os crentes. o menino vê a procissão, o cortejo, a passeata, não sabe muito bem o que se aproxima. eles usam máscaras e fazem festa. ele está sentado na cerca que fica na estrada de terra do outro lado da beira do rio. o menino é da roça. roça, não. ele diz. não gosta que chame o lugar onde mora de roça. mas quando eu digo roça, não falo com preconceito. é apenas um jeito carinhoso de lembrar do cheiro de terra, de acordar com o galo, do bolo de milho e da comida no fogão de lenha, que tem um gosto especial. ele olha para a menina que está no entrudo. ela olha para ele. ele pensa que não sabe porque não participa dessa porcaria de festa. ele olha a menina que olha dentro dos seus olhos enquanto a mãe a empurra, e ele pensa que se fosse por ela, ele participaria dessa porcaria de festa. e deus não ia tá nem aí pra isso. ele tem mais o que fazer. mas quando tiver aula a menina vai ser uma das pessoas, que vai espalhar para as outras pessoas, que ele não participa da festa.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O Fim das Palavras...

eu vejo as palavras sumirem após a digitação. então viro para olhar o caminhão de lixo que faz barulho próximo à minha janela. depois que leio, lixo extraordinário, as palavras somem. de repente ao olhar o boné que descansa no braço do sofá, percebo que o nome impresso em sua aba desaparece. não é um bloqueio criativo. não é como sentir a angústia de viver num país onde se lê pouco. não é como estar cego, ou de mãos atadas. não é como escrever algo, e depois não gostar. e não é como não entender o que está sendo dito. não existem mais as palavras. acabou. as pessoas falam. você vê os seus lábios em movimentos, mas não ouve o que elas dizem. as palavras pulam como pipoca na sua frente, e desaparecem como bolha de sabão, e não importam mais os erros ou os clichês. é como se diminuíssem o volume suficientemente para não se ouvir mais nada do que o outro diz. é o fim das palavras. e isso é pior do que o medo do livro eletrônico. talvez a gente volte a tradição oral. antes se sabia onde armazenar conhecimento. mas, agora, com o fim das palavras...

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Trilogia... (Fim)

No último ano ele relutou mais. Ao mesmo tempo sabia que era o seu inconsciente tentando dominá-lo. No dia do lançamento do livro estaria lá. O terceiro. O último da série. Da trilogia. E o último capítulo dessa sua trilogia tresloucada. Era vítima da mesma obsessão acometida por Beatriz a Dante Alighieri. Ouvia o seu interior agitado. Embora pessoalmente fosse um tímido incapaz de pronunciar uma palavra e temeroso até mesmo de abrir a boca. Clichês. Os conselhos suburbanos vinham à tona. Casamento se acaba até na porta da igreja! Filho não segura ninguém! Ele fez o mesmo trajeto sem olhar para o balcão. Pensou novamente que ela podia ter morrido, faltado ou sido mandada embora. Mas não se entreteve com esses pensamentos. Foi até a prateleira com uma nova determinação. Dessa vez, ruim de tudo, estaria livre. No mais, não havia o que temer. O escritor havia dito que esse era o último da série e ponto final. Ele olhou para o caixa. Ela havia cortado e pintado o cabelo. Estava mais bonita e vestia uma jardineira. Ele olhou para ela e o coração deu aquela porrada. Ela olhou para ele e ele sentiu aquele mesmo olhar primário de admiração. O rosto dela se iluminou de maneira que deixasse bem claro o prazer de ver aquela pessoa. Ele pagou. Ela disse: é o último. Sabe aquela esperança ridícula a qual temos de nos agarrar às vezes, então, ele se agarrou a ela. E a menina disse: espero que dessa vez você me convide para tomar um café. Ele disse: sim, claro. Ela disse: chega aqui nesse mesmo horário. É mais ou menos no fim do expediente. Ele disse: até amanhã, então. Ela compreendendo a sua timidez respondeu: até amanhã. Ele saiu veloz para que ela não gritasse o seu nome o chamando de volta. Essa noite um rapaz naquela cidade não iria dormir de tão ansioso que estava.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Os Pretos São Temidos No Brasil!

antigamente, antes de falar sobre racismo virar moda, eu vivia preocupado com isso, e via racista até embaixo da minha cama. depois o assunto ficou chato. mas eu continuei a ser preto, e discriminado. mas naquela época eu comecei a reparar que quando entrava no ônibus, sempre era a última opção de "companhia" para os outros passageiros. e passei a praticar esse exercício, para testar se as minhas desconfianças tinham algum fundamento. por esses dias eu andava de cabeça raspada, o que não ajudava muito. hoje ostento um novo black power, o que não ajuda em nada. e apesar de todo o clima de oba-oba olímpico, observei que os passageiros continuam tendo a mesma atitude, e que eu continuo como a última opção ao lado. um motivo aparente é a desconfiança que se tem do jovem homem preto. pois somos vistos, nós, jovens homens pretos, como os maiores agentes da violência. por outro lado, nós, jovens homens pretos, somos as maiores vítimas da violência. inclusive aquela que vem da força bruta do estado. não me importo que você seja azul, amarelo, ou vermelho. pois descobri que a gente é tudo a mesma merda. mas como diria um comediante dos bons, que não se vestia de preto, não me venha com churumelas!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Reprises. Apenas Reprises...

jogadores de futebol entram em campo com faixas de apoio. uma comitiva governamental traz palavras de conforto. alguém diz num link ao vivo que o sangue dos nossos bancos são insuficientes. um repórter mostra como fulana de tal era uma menina feliz, alegre, tinha muitos amigos, cheia de planos, estava no melhor ano de sua vida, cursando a faculdade, seguindo os seus sonhos, ajudava a família, sonhava ter um filho, ia se casar, e por isso tudo não merecia morrer dessa forma. sobreviventes relatam o que aconteceu a entrevistadores matinais que se dividem entre eles, e uma nova receita de bolo. especialistas em segurança explicam o que deveria ter sido feito. um pastor dá a sua versão religiosa para o acontecido. os peritos esclarecem porque o acidente ocorreu. o governo decreta luto oficial. fotos e textos em todos os jornais e blogs. palavras de revolta e pêsames nas redes sociais. psicólogos novamente explicam como lidar com grandes traumas. vamos ficar desconfiados durante algum tempo. não querendo frequentar locais parecidos, com medo que aconteça novamente. os telefones da defesa civil não param mais de tocar. mas aos poucos retornaremos as nossas vidinhas. para que feridas abertas nas pessoas próximas possam arder sossegadas. e quando a gente já tiver esquecido o que aconteceu, as famílias irão entrar com uma ação conjunta na justiça. e daqui a um tempo, um representante deles vai ao noticiário falar sobre o descaso com o qual são tratados. e a escassez de informações. alguém vai declarar que só quer justiça, pois nada irá trazer os entes queridos de volta. muito pouco irá realmente mudar para que não aconteça novamente. uma ou outra lei de fachada a espera da poeira baixar. mas novamente a corrupção irá prevalecer. e os mesmos erros serão cometidos. os responsáveis soltos abraçados a seus familiares irão exibir seus sorrisos e dizer que a verdade prevaleceu. não vamos obter aprendizado nenhum com o que aconteceu, ao contrário do que desejam os motivadores profissionais. e quando acontecer de novo, vamos relembrar o fato. ou descobrir que acontece com a gente também. e que não existe fatalidade. e sim escolhas das quais todos somos culpados. e virá aquela frase clichê. eu já vi esse filme antes. mas a nossa vida em sociedade é tão clichê... não é?

sábado, 26 de janeiro de 2013

A Trilogia (Parte-Dois)

ele chegou no primeiro dia novamente. assim como assistiu ao filme na estreia. sentado na primeira fila. se o diretor estivesse lá, provavelmente estaria ao seu lado. caso os diretores não fiquem na última fila. ele passou um ano renovando aquela ansiedade. um ano pensando o que dizer, e nada. um ano para criar coragem. a cada dia pensava que a menina pudesse simplesmente morrer... o grande dia era a última das hipóteses, mas seu inconsciente tinha como a mais provável. ou seja, covardia iria prevalecer novamente. o quê ele diria, oi, vim aqui num dia do ano passado, lembra de mim? não, ela não lembra. não pode lembrar. já naquela época ela podia ter namorado, sabia? ou mesmo ser casada... quando entrou foi direto a prateleira. não quis olhar a caixa da livraria. pegou o livro com o mesmo orgulho. e pensou a mesma coisa de todos os dias. ficar um ano inteiro pensando numa mulher com quem não se teve um contato de mais de cinco minutos é loucura. é uma obsessão. eu sou doente. quando olhou pro caixa ela estava... lá... um pouco mais gordinha... grávida. uma aliança dourada enorme no  dedo anelar. ele se odiou por aquilo. quando ela o viu, o rosto teve a mesma expressão de quando revemos alguém que gostamos depois de muito tempo. ela disse: eu me lembro de você, e aí, gostou do livro. e do filme? o que ele respondeu não importa. foi pra casa chorando.