quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O Desenrolo!

Waldo está naquela rua dos fundos da favela. Impera um silêncio inimaginável para um domingo de manhã numa comunidade. A favela está deserta. Waldo fuma um cigarro desbragadamente encostado em seu carro sedã. Waguinho cruza o beco gingando. Waldo dá um pequeno sorriso quando o vê. Mas não se mexe. Waldo percebe que a expressão do outro é odienta. Waldo joga o cigarro no chão e o esmaga com o pé como fazem os atores de filmes americanos. Quando Waguinho se aproxima...

Waldo fala feito um egum mastigando as palavras e soltando perdigotos – você matou o moleque!

Waldo balança o dedo insistente na frente do outro.

Waldo - Foi você que matou o moleque! Foi você..

(É uma briga de galo. Waguinho enfia o nariz dentro do nariz de Waldo. Um pode sentir a respiração do outro).

Waguinho - Qualquer um que atravessar seu cuzão... nós “vai” largar o aço! Se tiver fardado... Se for “alemão”, nós “vai” largar o aço! (Waguinho agora é quem ganha à expressão de egum) não adianta “vim” com choradeira de que é pai de família não... vai levar bola!

Eles se encaram durante um tempo. Quando Waldo deixa o silêncio. E balançando a cabeça diz em tom ameno - medo?

Waguinho – não vivo no chiqueiro pra confiar em porco... Se você tentar alguma covardia comigo, Waldo, eu vou te rasgar de ponta a ponta... Cadê a porra do moleque, Waldo?
Silêncio.

Wagunho - A porra daquele PM lá falou pra mina que o moleque tá morto! O quê vocês fizeram com a porra do moleque, Waldo? A família tá me cobrando, eles querem enterrar o moleque pelo menos...

Waldo – que morto, é o caralho! É só pagar...

Waguinho – porra Waldo, eu não tenho esse dinheiro... Nós temos que dar dinheiro pra aquele “verme”, com essa porra de “invasão”, que viciado sobe aqui... favela pequena!

Waldo olha para Waguinho.

Waldo tira as duas pistolas da cintura. E coloca sobre o carro. Waguinho faz o mesmo com o fuzil.

Silêncio.

Waguinho acende um imenso baseado e sopra a fumaça na direção do valão.
Waldo puxa uma cápsula do bolso. E novamente como os personagens de filmes americanos bate o pó nas costas da mão e dá “um teco”.

Waldo – Maconha é droga de porco!

Waguinho – vamos negociar Waldo? Porra libera o moleque aí, caralho! Deixa o moleque curtir o dia dos pais em casa. os moleques não vão fechar comigo nessa parada, não... eles disseram que não vai ter porra de jogo nenhum se o moleque não passar o dia dos pais em casa. e que se o moleque tiver morrido, que não vai ter jogo... Waldo sou eu que mando nessa porra, eu tô sendo cobrado no meu “fundamento”, tá geral contra mim, porra! tá todo mundo esperando...

Waldo – Eu vou liberar esse lixo. (ele balança o dedo indicador como se fosse uma mania). eu vou liberar esse “viado” por causa da porra desse jogo! Mas vocês vão pagar essa porra em parcelas! Nem que demore dez anos... Vocês vão pagar essa porra!

Waguinho fica em silêncio.

O toque do telefone de Waldo é um pagode. Ele atende o homem em viva voz.

Homem – Waldo! Nós precisamos de uma posição, já acabou? tá um clima tenso aqui... viatura e o caralho! começou a porrada... Vai ser foda segurar esse povo!

Waldo – tá, tá, tá! Libera esse “viado”, e começa essa merda... Eles vão pagar!

Desliga.

Waldo – Primeira parcela amanhã.

Waguinho – A mina vai levar...

Waguinho pega o fuzil e dá as costas para Waldo. Logo se escuta a gritaria. Waldo entra no carro. Som de fogos vindo do campo. E de todo lugar. aos poucos o som da favela volta ao normal. Já se ouve gritos de crianças e aparelhos de som.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O Samba é Meu Dom de Wilson das Neves...

Velha Guarda do Império Serrano. eu estava trabalhando num teatro do centro da cidade. eles participariam de um show do Arlindo Cruz. acho que era isso. ou eu sonhei. eu estava naquela parte de cima do teatro. de repente eles se posicionaram e começaram a cantar essa música. na época eu ainda não havia escutado essa música. é do Wilson das Neves. de repente essa música mexeu comigo. “aquilo é verdadeiro, rapaz!” “Isso é poesia pura!” “coisa fina”. e o mais chato de tudo é que é de gente que toca muito, e vive o quê canta. de repente as lágrimas rolaram. graças a Deus poder jorrar essa felicidade por aí. toda vez. O Samba é Meu Dom... ele repete, ele sabe da sua responsabilidade, das nossas raízes. ele sabe que teve sorte. que estava no lugar certo na hora certa. como ele empunha a bandeira do samba. “aprendi cantar samba com quem dele fez profissão!” aqueles nomes que fazem parte dos pilares do samba. da espinha dorsal do samba. meu Deus: “quem é do samba meu nome não esquece mais não” “é no samba que eu quero morrer de baquetas na mão”. um dia desses eu vi o Wilson das Neves no aeroporto. ele estava de chapéu. não tive coragem de falar com ele, é claro. mas com certeza estava indo tocar samba...

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Amsterdã Blues - Arnon Grunberg.

eu gosto de um livro chamado Amsterdã Blues. eu esbarrei com ele a primeira vez numa bienal. mas não pude levá-lo. pois já havia estourado o dinheiro com biografias dos Beatles. é um livro de um holandês de cabelos desgrenhados na capa. dos livros “recentes” é um livro que eu gostaria de ter escrito, como dizem. era óbvio que eu fosse gostar desse livro. então quando esbarrei com ele a segunda vez em uma biblioteca eu o levei comigo. é um livro sobre o tédio. os grandes escritores tiram historias de qualquer coisa. e esse escritor tirou uma historia do tédio. não me lembro de detalhes do livro. mas como diz Leonardo da Vinci, todo nosso conhecimento vem do que sentimos. e eu sempre me lembro desse livro. eu me lembro que o personagem ficava num bar, e que ele empurrava a cadeira de rodas do pai doente. eu me lembro que os diálogos do pai dele com os outros personagens no bar eram incríveis. o personagem principal frequentava prostitutas diariamente. E com elas ele mantinha uma relação blasé. que é a mesma relação que o personagem mantém com todo o mundo. a prosa desse escritor é uma prosa de mestre, e falar aqui sobre o miolo da historia, isso que chamam de roteiro, para os grandes escritores é apenas um detalhe. então não se iluda com a aparência da sinopse. o livro é grandioso e de uma profundidade abissal. e o autor tem o controle da pena. eu não me lembro se é o seu livro de estreia. a tradução às vezes pode acabar com um livro. o livro não é econômico, ele não tem uma edição seca daquelas em que nenhuma palavra parece sobrar na frase. mas, apesar de suntuoso, ele não é pomposo. Leia tranquilamente.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Vômito!

eu acordei com dor de cabeça e supus que estava com vontade de vomitar. fui a cozinha beber água. e rapidamente algo veio lá do fundo com uma força enorme. como se fosse um daqueles “aliens” dos filmes que se instalam nos corpos das pessoas. ainda pus a minha mão a frente da boca para poder conter aquela enxurrada até que chegasse ao banheiro. não deu tempo. explodiu e caiu sobre a tampa da privada. “sujou o chão todo, melecou tudo, nossa!” e vinha com tanta força. “a fúria da natureza!” “a gente não é nada nessa vida, menina!” “é mesmo, é sim!” e vinha cada vez mais forte. todas aquelas porcarias voavam. lógico que eu já vomitei. mas nunca com tanta força. quando eu fazia longas viagens de ônibus sempre passava mal. mas eu enfiava o dedo na goela e vomitava. eu havia aprendido aquilo com os alcoólatras que vomitavam para depois beber mais. eu não me lembrava dessa sensação do  corpo tomando as rédeas da ação, e dizendo “quem manda aqui sou eu!” ele estava expulsando todas aquela mazelas, todas as porcarias que eu havia ingerido. “foi a cereja do bolo?” “foi à azeitona da empada?”. não importava. “contra a azia, má digestão, e irritação no estômago experimente...” e vinha com toda a força de novo. e de novo. eu tentava tomar banho. limpar as coisas. não conseguia. “a gente não é nada nessa vida, menina!” “é mesmo, é sim!”. a natureza é quem diz chega. ela que detecta o erro. se havia algum animal microscópico dentro do meu corpo querendo zoar, ela não achou graça na brincadeira. não havia filosofia naquela hora. na hora em que somos impotentes. não há problemas morais. pecados. culpa. dívida. no livro Uma Longa Queda, do inglês Nick Hornby, um homem fracassa ao tentar cometer o suicídio. e depois do episódio ele diz algo como, “naquele momento em que eu caía, eu vi que o único problema que eu tinha era a morte” depois a mão da minha esposa brilhou no escuro com o chá de orégano e o remédio. Eu vomitei o remédio. numa sessão menor, mas não menos extenuante. acordei com a ressaca da noite, o corpo dolorido, e a garganta doendo! e suponho que tenha sido um pão de forma dentro da validade.

domingo, 24 de julho de 2016

BRT e Frases.

enquanto você vai esmagado embaixo de um sovaco, e com um osso cutucando a sua espinha, ouvindo música, enviando mensagens, olhando a rede social, ouvindo a conversa do vizinho, você pode ler as frases nos muros e paredes. a caminho da Ilha antes de entrar no Fundão, havia uma frase escrita que achei enigmática “eu sou a noite!” já em Ramos, Olaria, li frases que apelam direto ao coração, “ame mais”, “não maltrate os animais!”, “Mais amor, por favor!” são frases que aparecem no trajeto do BRT em direção a Penha. “para alguns, conforto, para outros, BRT! eu já vi escrito em algum lugar da cidade: fuzilamento já! e fiquei me perguntando, mas fuzilar quem? eu ignoro as frases religiosas para não cair na obviedade. eu vi escrito algo como, “hoje é o dia da alegria”, é tanto dia, atualmente, pensei. No trem em direção a Central, na frente do quadro da janela, você vê uma porção de viciados em crack, e numa das paredes está escrito ao fundo “Brasil país da vergonha!”. em outros locais “UPP sem projeto social é maquiagem”, “educação é investimento...”, na Avenida Itararé, onde deveria existir um ponto de ônibus está escrito “no país das olímpiadas não tem ponto de ônibus.”. Em Piracicaba tem alguém que sempre escreve numa porção de lugares: vai de bici! é um incentivo ao uso da bicicleta. e vi outra frase interessante em Piracicaba, em frente ao campo do XV, e era mais ou menos assim: “vai querer uma casa com quintal, ou uma cidade com prédios de vinte andares? pense nisso!” ainda em Piracicaba na Avenida Armando Salles puseram o preço da passagem e uma mensagem para o prefeito, “ 3,60 complica, parça!” não me lembro onde em Piracicaba vi uma frase interessante. Simples, direta e profunda. “ao mundo o meu mais sincero foda-se!”

sábado, 23 de julho de 2016

O Homem que Curou a Doença Incuravél!

o homem gordo de barba tinha uma intimidade enorme com Deus. chegava a dar inveja. eu sentia vergonha dos meus pecados. de repente ele falava algumas palavras em outra língua. daqui a pouco começava a ditar palavras que eram repetidas como oração pela multidão de fiéis. “eu tenho AIDS.” ele puxou o fiel para perto de si. “você está curado!”. o homem fez sinal para a assistente. “fura o meu dedo!” ela furou o dedo do fiel. o homem misturou o seu sangue ao sangue do outro. “Se você tem AIDS eu tenho também! Vai embora, você está curado!”.  agora surgia na câmera um exame que atestava que ele estava curado. eu pensava que deveria falar sobre aquilo. dizer a todo o mundo que existia um homem no Brasil que podia fazer o cego enxergar, e a pessoa que não podia andar se levantar de uma cadeira de rodas. quando a enfermeira meteu o dedo na televisão. “hora de tomar o remedinho para dormir...” mas eu fui para a cama pensando que deveria divulgar aquele milagre.

sábado, 16 de julho de 2016

Um Jorge...

Tudo começou com um sorriso
E não foi por falta de aviso
Jorge foi se juntar a Isabela
Lembro quando ele dizia que era a garota mais bela...
Logo veio o primeiro beijo
E com ele o primeiro desejo.
E o fruto do desejo despertou a paixão
E Jorge agia como se não houvesse razão
Todo aquele amor que começou com uma loucura
“Com uma pitada de humor, e um pouco de aventura”.
E que parecia um enredo de um belo filme
Sem contar a cena de ciúme...
De Jorge que emoção avassaladora
E agora Isabela se negava à sedutora
Com o ciúme de Jorge veio o rompimento
E com o rompimento veio o sofrimento
E junto dele veio o cigarro e a bebida
E Jorge passou a ter um comportamento suicida
E tem um Jorge em cada esquina
Sofrendo sem adrenalina
Tem um Jorge que não sabe não
Que vem sofrendo em depressão
Tem um Jorge em cada rua
Tem um Jorge em cada lua
Tem um Jorge em cada criança
Então, Jorge, Levanta-te,
E Anda!