quinta-feira, 14 de julho de 2011

Tática Covarde de Guerra

Faz calor. Estou no quarto. O chão é de ladrilho. Deito ali sem camisa. Não adianta. Acordo suado. Boto o ventilador em cima de mim. Ele ri e sopra um ventinho de vez em quando. Um calor dos infernos, eu digo. Não dá para ficar na sala perto da janela; pois é onde bate o sol. As moscas atacam. Moscas do inferno, eu digo. Nesses dias em que estamos lesados pela quentura, elas usam essa tática covarde de guerra. Não dá para ficar em lugar algum. O termômetro zomba da gente marcando quarenta e cinco graus. Ele sabe que a sensação de calor é bem maior que isso. O motorista passa a toalhinha na cara. O cara no elevador diz: tá abafado. A fumacinha sobe do asfalto da Avenida Presidente Vargas. Eu penso que deus deu uns moles. Podia organizar tudo. Chover toda segunda de madrugada para não atrapalhar ninguém. E sem essa de quentura. Fodam-se os eco-chatos e suas teorias. Agora eu só quero matar essa mosca desgraçada que não me deixa escrever.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Cena de Cinema

O menino leva a menina à esquina. Eles acabaram de comer um cachorro quente na praça. É sábado à noite. Os dois caminharam por ruas escuras até lá. Ele tentou beijá-la. Ela virou o rosto. Ela disse: você tá aonde? Ele respondeu: em casa. Ela disse: então vem pra cá. Ele se lembrou dela dizendo: eu te amo, porra! Mas agora ele ouviu: nós não podemos ficar juntos, pois somos muito malucos. Fazer o quê? Ele pensou que o melhor momento que tiveram foi aquele em que ela encostou a cabeça em seu ombro dentro do ônibus. Mas agora eles estão parados na esquina. Ela dá um beijo em seu rosto.  Ele retribui com uma cara de bunda. E já decidiu uma hora antes que nunca mais vai ligar para ela. Que olha para ele com aquela cara triste de quem sabe disso. Os dois se despedem. Futuramente ele vai passar do outro lado da rua e não vai falar com ela. Normal. Eu saio do cinema com os olhos destruídos e vermelhos. Vou ao banheiro lavar o rosto.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Terror Dos Intelectuais!

Ela subiu para o ônibus que eu estava.  Roendo unha. Saia rodada.  Faixa na cabeça. Cara de hippie arrependida. De quem voltou de Woodstock a pé. Eu pensei “ih... essa mina tá por fora do Brasil. Tá por fora. Nem sabe aí. Nem sabe.” O Velho ao meu lado falava sozinho. “eu parei de ir ao Maracanã quando o Zico parou. Num vô mais. Pra quê? só chutão! Só tem chutão pro alto hoje em dia!” Eu percebi que ela me olhava por cima do livro. E quando isso acontecia tinha que evitar o olhar. Só que meu interesse era maior. Ficamos naquele jogo uns vinte minutos. Ela olha. Eu desvio. Ela olha. Eu desvio. Até que vi o nome do livro. Harry Potter. Se não fosse o Harry, seria Crespúsculo, A Cabana ou um Código da Vinci ensebado. Esses são os hits dos ônibus. País que ninguém lê. Que leiam essa porcaria mesmo. Nada de clássico. Nada de Prêmio Jabuti. Feira de Paraty. Eu sou o terror dos intelectuais!

sábado, 2 de julho de 2011

Pagode Meloso

Ele arrumou a casa toda. Posicionou os cigarros que ela gosta estrategicamente. Preparou a comida e pôs o vinho na geladeira. Só lamentou não saber fazer todas aquelas coisas direito. A felicidade subiu da virilha quando ouviu a campainha. Na verdade era o telefone. A voz de taxi-girl do outro lado da linha disse: você me desculpa? Desculpo. Primeiro ele desejou ser uma mulher histérica para dar um chilique. Depois se sentiu uma mulher de malandro. Mas foi o pagode meloso do outro lado da rua que estragou o seu sábado.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Panaceia

O meu pai atravessou a rua. Eu fui atrás dele. Ele não disse nada. Não consegui dizer nada. Ficamos uns bons cinco minutos calados. Séculos. Ansiedade. Eu estava com um bolo confeitado cheio de glacê na garganta. E ia pensando “porque diabos o velho não fala comigo? Preciso que fale!” olhei para os seus olhos e estavam vermelhos. Mas consegui ver uma gotinha que venceu a batalha. Quando ele me disse: cacete... Não se têm muitos shows bons assim nessa porcaria de cidade! Eu disse: é... Esse cara é muito bom! Nunca me esqueci daquele show. Atravessamos a rua e pegamos um ônibus em direção ao subúrbio. As outras pessoas ficaram por ali.

sábado, 25 de junho de 2011

Eu Acho Que Ainda Não Tá Bom

Por uma questão de educação perguntei a esse meu amigo. Você leu o meu blog? Li. Eu sei que ele não gosta das coisas que escrevo. É o tipo que diz: antigamente era melhor. Depois de algum tempo você escreve porque não consegue parar de escrever e já não se importa mais com a opinião dos outros. Ele disse: eu não gosto daquele troço de erro de português e palavrão, parece que tá querendo chocar, porra! Um escritor me disse: você não vai ler o meu livro porque já me conhece. Conheci alguns artistas insuportáveis pessoalmente, e continuei lendo e ouvindo as suas obras. Até aonde o artista é aquilo que faz? Eu penso que o artista e a sua obra se confundem, mas não são iguais. Alguns clichês são sempre válidos. Fico assustado quando sou associado ao que escrevo. Não sou aquilo, mas também sou. Eu ouvi o último disco de fulano de tal que está quarenta anos na música. E posso garantir que com o tempo ele ficou melhor. Embora ainda falem que não superou o primeiro disco. E com um velho escritor acontece o mesmo. No Brasil se enterra a pessoa viva. Ou será que é só a nossa inveja da capacidade do outro. As pessoas próximas são as que menos se importam com o quê quer que eu faça. Não aprenderam a separar a arte do artista. Todo mundo quando conversa comigo se torna especialista em música e literatura. Interrompi meus pensamentos. Ele parou e disse: eu acho que ainda não tá bom. Eu disse: eu também.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Cama É Um Lugar Seguro

Você chega a casa. Não há ninguém. Fica de quatro e começa a andar na tua covardia. Do jeito que você consegue. Você engatinha como uma criança que precisa de colo. Não acende a luz, pois não há Luz. Segue no escuro tateando o quê sempre dá uma sensação de insegurança. Nessa casa não há dinheiro. Não há mulher. Não há trabalho. Só as paredes. Você acabou de descobrir que não se pode fazer apenas o que quer fazer e o quê gosta de fazer. O mundo não deixa. E você sente a dor de uma furadeira varar tua barriga. Quer chegar a cama. Só isso que sonha agora. Aquela água salgada descendo dos olhos não te deixa respirar direito. Você consegue alcançar a móvel e se enfurna debaixo do cobertor que te acolhe igual útero. Você treme e se esconde do mundo. A cama agora é um lugar seguro. E você vai ter que ter o dobro de coragem para sair dela amanhã de manhã.