sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Menino Do Fundo Da Sala

O menino senta no fundo da sala. Ele sempre olha para fora e pensa na vida desperdiçada com matemáticas e mapas de lugares que não conhece. O menino adora os livros, e põe um deles por cima do caderno para fugir daquela escola. Mas ele continua lá. Mesmo quando o sol é bom. Mesmo quando faz o melhor sol que ele já viu. A professora um dia briga com um, e no outro dia briga com outro, mas ele continua lá. Ele não quer ter a vida que professora diz que é boa. Ele não quer ter a vida do seu pai. Ele não quer ter a vida que dizem que vai ter se não estudar. Ele ainda não sabe qual é a sua vida. Mas ele continua lá.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Mais Um Advogado Merda No Mercado!

Aí ele chegou com a cerveja. A gente embaixo da marquise. Tava um frio do cacete. Um frio que congela a armação dos óculos. Abriu a boca sai fumaça. O brilho dos faróis, dos olhos e da iluminação pública. Ele me disse: cara... Eu terminei a faculdade. Eu disse: Show! Ele tremeu e falou: num sei não. Eu devolvi a pelota. E agora? E ele: mais um advogado merda no mercado! Depois do silêncio voltamos a sentir aquele frio constrangedor.

sábado, 4 de junho de 2011

Ela Não Quer Mais Casar!

Ele me telefonou: já alugou o terno? Sim, então vem correndo pra cá! No caminho eu ia pensando o quanto era bacana que caras legais se dessem bem. O cara buscava a noiva todos os dias na faculdade. Ele saía de onde estivesse para fazer isso. Chapou com ela desde a época da escola. Ficou ligando de tempos em tempos: ainda tá namorando? Sim, então depois te ligo. Até que um dia ela disse “não”. Eles começaram a namorar e agora iam se casar. Eu ia ser o padrinho do casamento e provavelmente do futuro filho deles. Quando cheguei, ele me perguntou: seu terno é legal? Sim, meu terno é legal. E ele: que pena... Pois não vai ter casamento. Ela não quer mais casar! Ele estava tranqüilo. Sem essa de carpideira. Amor é coisa de viado. Homem trepa. Mas eu fiquei com uma vontade imensa de chorar. E só pensava que nunca ia ser padrinho de ninguém. Aquela porção de gente. Aquele dinheiro todo. Sei lá.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A Crase

Levei meu texto para esse escritor ler. Afundei naquele sofá que me deu uma sensação de desequilíbrio. Escritor novo é foda. Ainda mais com essas novas tecnologias. País que ninguém lê. Pirataria. Filmes 3d. Ele me olhou como se eu fosse um passa fome. Não que eu não seja, mas jogar assim na cara é foda, né? Depois mudou a posição das pernas, tirou os óculos e disse: você só fala do teu bairro. E eu: é... Eu só falo do meu bairro. E pensei que nunca viajei de avião e queria viajar de avião. E que não conheço ricos depressivos ou policiais em crise. Ele me disse: gostei do teu livro, você escreve bem. “Eu escrevo bem”, pensei. Mas tem que melhorar o português, o texto está cheio de erros, sobretudo a crase, falou num muxoxo. Ele estava preocupado com a crase.

sábado, 28 de maio de 2011

Canastra

Repartição pública. A loura chega. Cabelos curtos. Tatuagem nas costas. Cara de mulher fatal. Gostosinha. Ela dá um beijo no rosto daquele preto, magro e boa pinta com cara de falador. Eu penso. Canastra. Todo mundo percebe que a loura ignora os outros colegas de trabalho. Ponto. Outro dia. O preto grita meu nome. Eu levanto o dedo. Ele diz: chega mais! Eu sento em frente a ele que me diz: vocês adoram dar trabalho pra gente! Quando ele diz “vocês”, se refere a esse bando que sonha com o café que está na mesa da atendente. Entra uma menina em cena. Bonitinha. Nada demais. Cara de igreja. Se casar vai trepar uma vez por semana depois da novela. Estagiária. Ele diz: é ruim ficar em pé, né? E ela: é, é ruim. Na seqüência ele pergunta: o quê você vai aprontar fim de semana? Ela diz: nada, eu não tenho dinheiro, chego cansada... E ele diz: eu também não tenho dinheiro, não... Eu penso. Canastra.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Idade Avançada

Ela olhou para o moleque e não acreditou. Perguntou apenas: qual é a tua idade, moleque? Ele disse: quinze anos. E jogou os olhos para baixo que é como esses moleques sempre fazem. Ela disse: você sabia que eu tenho idade para ser a tua avó? E ele bufou como quem acha a pergunta desnecessária. E ela disse: por que você não procurou uma mulher mais nova? Silêncio. Mas ela falou: tudo bem, eu tô precisando de dinheiro mesmo! E ele ansiosamente perguntou: qual é a tua idade? E ela: eu tenho idade avançada!

terça-feira, 24 de maio de 2011

Respirando De Canudinho

Ela entrou no elevador. Ela não ia falar com ele. Não mais. Ele pensou que o ascensorista talvez estivesse pensando que eles não se conheciam, e em como a vida de ascensorista é chata. O dia todo: Sobe. Desce. Essa profissão devia ser banida por subestimar a inteligência do ser humano. Ela se comportou como mulher e aguentou bem a pressão fingindo não o conhecer. Ainda brincou com a bola como fazem os craques, se olhou no espelho e viu como estava o cabelo. Ele estava respirando por canudinho, e tinha vontade de bater, xingar, gritar, esganar a filha da puta. Quando o elevador chegou ao andar, ela saiu tranquilamente mexendo na bolsa. Ele foi para o corredor lateral e deu aquele respiro de alívio que quase derrubou o prédio.