Esses
dois sujeitos mal-ajambrados caminhavam numa rua do centro baforando os seus
mata-ratos importados do Paraguai, quando uma viatura apinhada de policias com
braços e armas de fora se aproximou. Uma voz gritou: “Polícia!” Nelson comentou
entredentes para Otto: “Como se a gente não soubesse.” O policial ao sair do
carro disse para os dois – Documentos! - Nelson se preparava para pegar a
carteira no bolso detrás da calça, quando ouviu a pilhéria do amigo – Só temos
instrumentos… – o policial se virou para os dois irritados.
–
O que foi que disse cidadão? – Eu disse que está aqui. Otto respondeu enquanto
o amigo suava frio. O homem perguntou: “Vindo de onde indo para onde?”,
“Atrasados para uma entrevista de emprego, doutor.”, “Tem certeza de que estão
procurando trabalho?” o policial franzia o cenho enquanto conferia os
documentos. De repente os outros policiais acenaram para que o colega se fosse.
Devia ter surgido alguma ocorrência. O soldado devolveu os documentos e disse:
“Se adiantem cidadãos!”
Os
dois chegaram ao rabo da fila que dava volta no quarteirão. Homens e mulheres
com expressões cansadas e olhares sonolentos. Nelson disse para o amigo: “Mas
Otto, como aquele policial pôde me chamar de cidadão se o meu auxílio é tão
pouco?”, “É mesmo, como é que pode?” o amigo respondeu enquanto mais gente
parava atrás deles. O senhor que vendia cafezinho cochilava com a TV ligada.
Uma mulher próxima abria a boca num bocejo.
Na
televisão um político dava entrevista num desses jornais que pegam o
trabalhador ao sair da cama. Ele dizia: “O homem da rua sabe do que eu estou
falando!” Nelson tentava acender a guimba quando disse – Otto, será que quando
fala sobre o “homem da rua” ele está se referindo à gente? - “Creio que sim,
Nelson. Creio que sim.”, “Otto, o que você prefere, ser um homem da rua, ou um
cidadão?” Otto como um personagem de novela coçou o queixo antes de responder:
“Nelson, com sinceridade. Eu acho que prefiro ser chamado de cidadão. É mais
moderno!”
As
vagas oferecidas não passavam de setenta, mas havia um mar de pessoas encostado
naquelas paredes. Foi quando apareceu um morador de rua. Ele carregava sua
sacola nas costas, e era uma espécie de “homem do saco” com o qual as mãos
atemorizavam as crianças antigamente. Usava barbas longas e estava todo sujo.
Parou à frente da fila na altura em que os dois amigos estavam e disse – Vocês
só querem trabalhar com a caneta… Na pedreira tem vaga! - parte dos
desempregados desabou numa gargalhada contagiante. Nelson comentou com o amigo
– Otto, olha como é o humor do povo brasileiro! Mesmo na desgraça ele faz
piada! Olha a veia cômica do brasileiro!”, Otto perguntou: “Mas então Nelson, o
que você prefere: homem da rua? Homem do povo? Ou Cidadão?” Nelson pensou um
pouco e respondeu - Eu fico com homem do povo. Sei lá, soa mais original!
Um
helicóptero de noticiário da manhã sobrevoava o lugar onde estavam como que
para fazer alguma matéria. Desceu de um carro o homem de óculos; celular numa
das mãos, e uma revista Piauí na outra. Ele se dirigiu a eles
- Os senhores podem me informar que fila é esta aqui? - Nelson mais escrachado
respondeu: “Só se o senhor emprestar a revista para passar o tempo!” O homem
entregou a publicação mensal sem pestanejar. “É uma fila de emprego para
faxineiros de uma cadeia de lojas.” O sujeito falou no aparelho espreitando a
aeronave: “É uma fila de emprego.” Eles ouviram a voz do outro lado – Os
populares disseram isso? - Sim! ele respondeu e partiu.
Agora
Nelson e Otto estavam vidrados na revista. “Então Otto, nós somos cidadãos,
homens da rua, homens do povo, ou populares?”, Otto respondeu: “Eu acho que nós
somos isso tudo, Nelson!” O amigo disse: “É por isso que te admiro, Otto! Você
representa a inteligência brasileira!”, “É, mas agora para que ela seja mantida
necessito de um café.” Nelson contou as moedas e viu que a quantia estava certa
para a passagem da volta. Então leu uma frase na revista, se virou para Otto e
disse: “Imagine-se num barco num rio com árvores de tangerina e céu de
goiabada!” Otto lendo a revista respondeu por sobre os seus ombros: “E bebendo
tubaína!”. Nelson ao perceber que o amigo descobrira o plágio disse: “Otto,
ainda serei um frasista como você!”. Nesse momento um funcionário da empresa
apareceu - “Vamos organizar a fila!”, “Amém!”, disse uma voz sufocada por uma
máscara.