quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Vazef!

A repórter bonitinha que vive atrás de mim me liga. O famigerado Albatroz é um deslumbrado que adora aparecer. Falem mal, mas falem de mim. Enquanto ela fala comigo o inconveniente dono da loja de conveniências onde o Albatroz comia aparece na televisão. Se ele queria aparecer, ele conseguiu.
Eu queria poder ligar para ela e quem sabe convidá-la para jantar. A Cuíca está sorrindo no canto da sala. Ela diz, o Ovídio era o maior da cuíca, ele era um poeta como o seu antecessor… ele fazia a cuíca falar! Ouço o barulho dos helicópteros e tento me esconder. Os sons de suas hélices me incomodam. Vou até a janela e fecho as cortinas. Do outro lado a menina bonitinha não para de falar. Escuto uma estática e penso, será que o Japonês me grampeou? Ele não tinha sido preso?
O fato é que eu jamais escondi o Maurício Albatroz! Adoro esta frase, não sei porquê. Ela diz, então o Albatroz pulou o murou? Ele apareceu voando na casa do senhor? A Cuíca explode numa gargalhada. Eu quase tenho um acesso de riso. Tento não rir para conter o estrago. Mas, claro! Ele é um albatroz! A Cuíca diz e rola no canto da sala. Ela levanta as suas patinhas. Ela me persegue desde que eu visitei o México. Tampo o bocal do telefone.
Num grampo o Albatroz fala sobre o pessoal da cúpula. Que cúpula é esta? Uma família de insanos! Eu mastigo um comprimido. Na televisão ninguém sabe pronunciar o seu nome. Não é Vassef, é Vazef! A Cuíca diz, quem vazou foi o ministro que não sabia escrever! Ele não saberia escrever! E quem vaza a jato é o Sérgio Mouro. A Cuíca diz, eu sou argentina. Vazef me lembra o Aleph de Borges. Vendo que não entendi nada a Cuíca debocha, Maradona é melhor que Pelé, entendeu agora? O marsupial debochado me persegue aonde quer que eu vá. Meto a boca na bica e engulo mais dois comprimidos. Deve ser uma alucinação. Tem cuíca d`água no Brasil? Não.
O Albatroz bêbado com sua esposa e o dono da conveniência cantam Tonturas de Amor de Wagner num noticiário. A Cuíca comenta. Será que o ministro nazista que pôs a música do Wagner sabe que eles são diferentes? Não posso perder tempo com estas besteiras. Tenho de trabalhar. Desligo o telefone na cara da repórter bonitinha. Era para este Albatroz e sua mulher Fársia estarem em Rio das Perdas a esta hora comprando pizzas para o jantar. Ele foi para Bangu. A Cuíca grita, O Isaías do Borel vai tá lá! Você lembra daquele Garotinho? Ela me pergunta.
O William Donner está falando sobre mim no jornal. Ele fala sobre a minha ex-esposa. A Cuíca grita, será que ele não pensa nem por um segundo se a sua esposa é da família dele? Não. Eu respondo. O Doner dela é com um N só. O dele é com dois. A Cuíca não para de sorrir. Ela consegue ler os meus pensamentos. Estou preocupado com isto. Ex-esposa é para sempre! Diz a Cuíca. Esposa acaba. Ex-esposa, não. A sua está enrolada, mas a Ex do Soldado Expulso do Exército também. Capitão uma ova! Capitão lá para os biscates dele! Soldado Expulso! Expulso! Eu grito com o marsupial que dança comigo na sala.
A Cuíca sorriu quando a repórter loura veio em minha direção na farmácia… como eles tem repórteres bonitas neste canal! O fato é que jamais escondi Maurício Albatroz! Não existe isto! Ela também adora esta frase. Perguntei a ela no carro. Eu me saí bem? Ela sorri e diz que sim. Ela repete empunhando a pata como se fosse um dedo em riste. O fato é que jamais escondi Maurício Albatroz, este é o fato!
eu digo à Cuíca que nós sempre descobrimos uma traição. Ô raça ruim é advogado! Eu sou advogado, mas eu vou te contar hein? A polícia denunciou a minha empregada mandando o Albatroz se esconder de mim. Não conta nada para o Anjo Caído, ela disse. Eu me sinto um anjo de asas quebradas, mas este Albatroz vai ver como é viver numa gaiola! Abro a cortina devagar. O helicóptero está literalmente parado no ar em minha janela. Nem as hélices se movem. Tenho medo de que eles tenham vindo me buscar.
Outra advogada. Ela diz que eu nunca fui advogado da família. Mastigo outros comprimidos. Vamos passar um trote? Oi, tudo bem Karina Cuba? O meu nome não é assim! Quem é que tá falando? Aqui é o advogado do diabo! Ela xinga um palavrão e bate desliga. A Cuíca sorri. Você é tão da água quanto eu sou da verdade! Engulo comprimido. Você nunca ouviu uma cuíca falar? Ela me diz, vai, liga para ele! Esfrego as minhas mãos, eu vou ligar…
Alô, okay? Okay! A Cuíca pega o telefone da minha mão e pergunta. Sabe quem estava no sítio em Atibaia junto do Lula Molusco? Ele diz, não. O Albatroz! Ela cai na gargalhada. Eu pego o telefone e mudo a minha voz, cade o Léo Primo? O Carlinhos não sente saudades dele? Quem é que tá falando? Maconheiro comunista! Eu te dou um tiro nos cornos!
Vejo que os olhos da Cuíca d`água têm olheiras iguais às minhas. Ela diz, antes de cair no sono Anjo Caído… se o seu o codinome é Anjo Caído, e você é amigo do Maurício Albatroz, qual é o nome do filme? Eu não sei te responder. Ela sorri. Os Pássaros de Hitchcock! Ela caia na gargalhada. Eu caio no sono...

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Não é de Berlim...

Mercúrio cromo usado pra brincar de sangue

Vinho tinto escorre bang-bang

Faroeste espaguete à italiana

Brincou de casinha foi de cana

Pólvora que não é de espoleta

Lágrima clara pele preta

Vendeta, omertà, inocente gang

Comando Ilha Grande e falange

O inimigo morto não é "alemão"

É quem corria com você pelo quarteirão

 

Não é de Berlim, não é de Berlim

O boneco não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berli

A maquete não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

O muro não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

 

Brincava no pátio fugia da prisão

Exibe algema na programação

Quem pulava o muro fazia coisa feia

Dorme num canto numa cela cheia

Bala videogame e atiradeira

A consolação morte ou cadeia

Furor patriótico e armamentista

Mancha sangue capa de revista

O inimigo morto não é "alemão"

Quem corria com você pelo calçadão

 

Não é de Berlim, não é de Berlim

O boneco não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berli

A maquete não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

O brinquedo não é de Berlim

Não é de Berlim, não é de Berlim

sábado, 4 de julho de 2020

Eu Fui Atrás do Circo...

Federico Fellini em sua biografia, Eu, Fellini de Charlotte Chandler. Fala sobre um circo que passou por sua cidade, Rimini, e que fez com que ele sentisse vontade de acompanhar a trupe. O circo está presente em pelo menos dois de seus filmes La Strada (1954), e I Clowns (1970). Ingmar Bergman também mostraria o circo em Gyclarnas afton (1953). A obsessão com a vida mambembe também se apresenta na Caravana Rolidei da obra Bye-Bye Brasil (1980) de Cacá Diegues. Em que a personagem de Fábio Júnior quer sair para ver o mar, assim como o João de Santo Cristo da música Faroeste Cabloco (1987) da banda Legião Urbana, e os dois terminam em Brasília. A minha avó era trapezista de circo, quem sabe o sonho de ir atrás do espetáculo permaneça em minhas veias, veias essas que eu sigo como vias de uma estrada. Talvez por isso tenha abandonado a escola para seguir um grupo de teatro. E simplesmente andei em direção de casa por não gostar de um lugar onde trabalhava. Deixei pessoas, cidades, ideologias, segurança, e até mesmo o meu país, pura e simplesmente para seguir o circo da minha vida. Penso ser mais provável que este destino esteja de acordo com a frase da longa O Palhaço (2011) de Selton Mello. “Na vida a gente tem de fazer o que sabe fazer: o gato bebe leite, o rato come queijo… E eu sou palhaço.”

sexta-feira, 26 de junho de 2020

O Puto e a Rapariga da Bicha...

Um puto e uma rapariga estavam entediados atrás de uma bicha. Quando este brasileiro puxou assunto e contou ao português que um puto que ele conhecia tinha acabado de voltar para o Brasil com uma rapariga. O português segredou ao brasileiro que queria engatar e perguntou se ele tinha um durex. O brasileiro disse que ia buscar um Durex no carro. Ele deu a fita ao português e disse que achava difícil que ele conseguisse engatar com aquilo. O português ficou encucado. O brasileiro falou que estava de saco cheio de esperar. Engatou a marcha à ré, fez o jogo, e foi embora.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Eu Fiquei em Serra Pelada...

Sabe o que é um “blefado” aqui em Serra Pelada? É um tipo de garimpeiro que passa a vida toda sonhando “bamburrar”. Ou seja, tirar a sorte grande. Eu sou um deles. Todos os meus conhecidos foram embora. Eu fiquei neste barranquinho. Na esperança de que a pepita dos sonhos venha para as minhas mãos. Todos os meus eles arrumaram um emprego, foram estudar, mudaram de profissão e se casaram. Eu me mantive só. Não consigo me desvencilhar desta terra. O brilho do ouro é intenso demais para que eu me esqueça dele tão facilmente. Eu sou como aquele artista que vive à espera da música de sucesso, na espectativa que as pessoas se dêem conta do seu trabalho. Enquanto os anos foram passando ele envelheceu sem se dar conta. Igual um ex presidiário que passou tanto tempo preso que o mundo ao redor da cadeia se tornou irreconhecível e difícil de se adaptar. Ele passou tanto tempo ali que seria melhor que continuasse preso. Acho que cheguei a esse estágio. Eu sou assim, vivo com o sonho que aconteça comigo o que aconteceu com os meus “amigos” que estavam ao meu lado. Fiquei preso naquele dia em que um amigo conseguiu “bamburrar”, e que arrancou o tesouro da terra. Rememoro as oportunidades perdidas. E nos meus pensamentos a culpa é sempre minha, que estava no lugar certo com a cabeça errada. No tempo em que eu tenho estado aqui, e lá se vão vinte e oito anos… Fortunas garimpadas foram torradas, e novos garimpeiros nasceram, enriqueceram, fizeram fama, tiveram filhos, e morreram. Mas eu continuo aqui. Ecoa na minha cabeça a frase que diz, a esperança é a última que morre! É que o brilho do ouro ofusca os meus pensamentos. Imagina poder viver em liberdade, ser feliz, viver do que gosta! Ah…

terça-feira, 23 de junho de 2020

A Solidão dos Loucos do Largo da Carioca...

Está é a solidão laboral

É a solidão de não ter alguém

A quem mostrar o seu trabalho

A solidão de estar redundantemente,

Sozinho

Na solidão dos pleonasmos

Do chover no molhado

É a mesma solidão dos loucos do Largo da Carioca

Daqueles que gritam sobre o Apocalipse

Sem conseguir com isto chamar a atenção de ninguém

É a mesma solidão do artista,

Sozinho

A solidão de estar só

Produzindo igual mouro

Mas sem a capacidade de se comunicar

Mesmo com todos os meios de comunicação que existem,

Atualmente,

Nos jornais

Eles dizem

Mesmo assim,

Sozinho

É o mesmo que não falar a mesma língua

Escrever, escrever e escrever…

E não ser lido por ninguém

Nem a família aguenta mais tanta leitura

Ninguém tem tempo

Enquanto o artista acumula uma pilha de livros impublicáveis

Uma porção de palavras perdidas num dicionário

Palavras que ninguém procura

Para as quais ninguém atenta,

Sem nenhuma utilidade

O artista canta

E os vizinhos ouvem a contragosto

Um outro presta atenção

Para reclamar do artista rouco

De tanto gritar

No meio da multidão

Os filmes que faz

Apenas ele,

De vez em quando,

Sozinho

Assiste

E diz, é isto mesmo,

Ele repete para si mesmo,

É por aí…

Não tem mais coragem de importunar ninguém

Foram anos importunando as pessoas

Ele espera uma e-mail que nunca chega

Um telefonema que nunca toca

O artista levou o seu trabalho a sério demais

E foi ficando triste,

Ficando triste

Até que se isolou

Ficou cada vez mais isolado

E nem sabe o que as pessoas pensam de si

E como um velho elefante se retirou de cena

Mas continuou,

Trabalhando

Até morrer…

Eclesiastes Remix

O conhecimento é tudo,
conhecer é saber ouvir tudo,
com imparcialidade.
ler tudo.
A sabedoria protege como protege o dinheiro,
disse o Eclesiastes,
mas teriam dito Buda ou Sócrates.
O conhecimento pode custar um euro,
que é o preço de um livro velho,
num sebo,
em Lisboa.

https://www.youtube.com/watch?v=3tCFb1daPAc