Índice
3. Modernidade Cinematográfica
3.1 Renovação Geracional
3.2
Independência Industrial
3.3
O Filme Como Obra Aberta
3.4
Reivindicação do Diretor Como Autor
3.5
Ideologia e Moral
3.6
A Cooperação do Espectador
3.7
Novas Tecnologias
4.
As Temáticas dos Novos Filmes dos Anos Sessenta
4.1
Temática Pessoal Individual
4.2
A Infância
4.3
Mitologia Sobre a Juventude
4.4
Questionamento da Família
4.5
Instituições Educativas
4.6
Aprendizagem Sentimental e Sexual
4.7
Relações Entre Pares
4.8
O Filme Dentro do Filme
4.9
Considerações Finais
5.0
Bibliografia
3.
Modernidade Cinematográfica
3.1
Renovação Geracional
Usando
como base o capítulo 17, La Modernidad Cinematográfica Y Los Nuevos Cines,
da obra Historia Del Cine de José Carlos Sánches Noriega,
publicada pela Alianza Editorial, é possível perceber que o autor de À
Bout de Souflle, Jean-Luc Godard, pode ser enquadrado no que Noriega chama
de Renovação Geracional. Pois Godard, realizador pertencente a Nouvelle Vague
francesa, também não frequentou a escola de cinema.
“Nuevos cineastas se han forma viendo mucho cine en
las sesiones de las filmotecas y escribiendo críticas y ensayos.” (Noriega,
p.264). Segundo Jacques Mandelbaum: “… ele passa mais tempo
nos cineclubes e na Cinemateca Francesa, chumbando no exame de acesso da Escola
de Cinema, o IDHEC.” (Mandelbaum, 2018, p. 11).
Godard
escrevia para Cahiers du Cinéma, revista fundada por André Bazin, e que
possuía em seus quadros; Claude Chabrol, François Truffaut, e Jacques Rivette,
críticos que se tornariam fundadores da Nouvelle Vague. Da mesma forma
que os neo-realistas italianos romperam com o cinema fascista, os
membros da Nouvelle Vague iriam ao encontro de um novo cinema que
representasse suas ambições, e não aquele dos seus predecessores que imperava em
França. Ao contrário do Novo Cinema alemão; que lutaria por um cinema
que fosse uma alternativa ao cinema americano, Godard e os seus compatriotas,
buscavam em seu país, um cinema que fosse menos intelectual, e que não
recusasse os autores americanos. Humphrey Bogart é uma inspiração para à
personagem Michel de À Bout de Souflle, que repete o seu gesto de passar
os dedos nos lábios enquanto persegue Patricia, a menina americana. Assim como
o filme faz reverência ao cinema noir americano, reconhecido como estilo em
França primeiro.
3.1 Independência Industrial
“17
de Agosto de 1959 marca o primeiro dia de rodagem, que ficam concluídas a 19 de
Setembro, mas que envolveram apenas 20 dias úteis, o que revela o respeito
muito relativo do realizador pelo seu plano de trabalho. Um orçamento de um
terço do que era prática na altura, uma equipa reduzida…” (Jacques Mandelbaum,
p.17).
À
Bout de Souflle foi rodado da mesma forma que alguns clássicos do cinema
Neo-Realista. Assim como De Sica, em Ladri di Biciclette, ou Luchino
Visconti em seu La Terra Trema. Câmera na mão e equipe reduzida. “Uma
câmera na mão e uma ideia na cabeça…” viria a ser o lema do Cinema Novo
brasileiro. Em O Bandido da Luz Vermelha de Rogério Sganzerla, filme do
movimento sul-americano, fica evidente a influência de À Bout de Souflle.
“(..) Y de directores-productores que frecuentemente
financian sus películas con capitales familiares.” (Noriega,
p. 264).
Visconti
vendeu móveis de sua família para filmar La Terra Trema. O Novo
Cinema alemão viria a defender o associativismo e o financiamento
alternativo.
“Sin embargo, los nuevos cines, salvo excepciones, no
interesaron al público, y tuvieran malos resultados en la taquilla.” (Noriega,
p. 264).
Os
realizadores não tinham como distribuir os seus filmes e divulgar com a mesma
intensidade do cinema americano. Da mesma forma que o Neo-Realismo
italiano não teve um grande público, eles também sobreviviam dos cineclubes e
festivais de cinema. Como foi o caso de À Bout de Souflle, ganhador em
1960 do prêmio Jean-Vigo de Melhor Realizador do Festival Internacional do
Filme de Berlim.
3.2 O Filme Como Obra Aberta
“Por ello se rechaza el relato novelesco de argumento
muy trabado, con personajes definidos y una secuenciación rigurosamente causal;
por el contrario, el guión es un apunte abierto a la improvisación y al
hallazgo en el proceso de rodaje y de montaje. Hay una nueva aproximación a los
textos literarios que son adaptados de modo creativo, sin el academicismo que
imperaba en el cine comercial.” (Noriega, p. 265).
À
Bout de Souflle é baseado num argumento de François Truffaut, de onde o
seu realizador extraiu apenas o fio condutor da história. As filmagens foram
improvisadas com Godard dizendo as falas para os atores. A base do filme é o
improviso. Assim como fez Luchino Visconti em seu La Terra Trema, em que
escrevia os diálogos durante a rodagem, do filme inspirado no livro I Malavoglia, de Giovanni Verga, que
seria um documentário, e acabou por se tornar uma longa-metragem de ficção.
3.3 Reivindicação do Diretor Como Autor
“La Cámara como médio de expresión, la mirada a la
realidad propia del cinéfilo”, “… se oponen al modo de significación del cine
clásico – la transparencia narrativa y el montaje invisible.”, “… el salto de
eje e la ausencia de raccord.” (Noriega, p. 265)
Godard
é um cinéfilo que se fez autor. É possível ver a sua marca em À Bout de
Souflle, filme que ficou conhecido pelo uso que fez do jump cut, e por
sua ausência de raccord. É notória à assinatura do cineasta na montagem.
Mesmo nos diálogos do casal Michel e Patricia, existem perguntas que ficam sem
respostas, e frases que não são concluídas. No filme Câncer de Glauber
Rocha; do Cinema Novo brasileiro, o público percebe até mesmo um microfone.
3.4 Ideologia e Moral
“En los nuevos cines hay un rechazo del didactismo
ideológico propio del cine que expone metáforas políticas o plasma héroes
positivos; pero ello es compatible con el compromiso ideológico y el cine
mititante de signo anticapitalista y liberador-iszquierdista…” (Noriega,
p. 265).
Godard
utiliza um anti-herói de filme noir com o seu passado sombrio e sua femme
fatale. Como um boxeur de filme noir, Michel dá socos no ar, mas é apenas
marginal. Um ladrão contumaz que vive de roubos que pratica a todo o momento.
Está preocupado apenas com o presente. Patricia por sua vez sofre com os seus
dramas existenciais, fala sobre a morte e a velhice. Parece um personagem
existencialista de Camus ou Sartre que estavam em voga nos anos
sessenta. Assim como Maria Braun do alemão Fassbinder, estes personagens
pairam entre o certo e o errado de acordo com as suas necessidades. Estão
afundados num mundo cruel, e não por culpa própria. Eles reagem ao que à
sociedade lhes oferece. Godard está próximo dos neo-realistas que romperam com
a mitologia nacionalista e o heroísmo guerreiro. Da mesma forma que os
personagens de Rio 40 Graus de cinquenta e cinco, obra considerada precursora
do Cinema Novo brasileiro, e os marginalizados de Glauber Rocha de Deus
e o Diabo na Terra do Sol.
3.5 A Cooperação do Espectador
“… la construcción de un nuevo espectador, más
colaborador con el texto fílmico, ante el cual ha de reflexionar para hacer su
propria exégesis.” (Noriega, p265).
O
novo espectador do cinema é como o novo cineasta. Ele lê revistas
especializadas em cinema e frequenta cineclubes. Godard e Glauber Rocha
escrevem e pensam sobre cinema antes de produzirem suas obras de estreia. Este
novo público, pensa o cinema, e não se importa que ele siga outro caminho para
além daquele trilhado pelo cinema clássico. Os novos cinemas têm muitos finais
abertos, dos quais os seus espectadores podem chegar às próprias conclusões. Um
dos exemplos é Roma Città Aperta, de Roberto Rosselini. É um público aberto
a novas experiências estéticas, como aquelas que foram vistas na montagem de À
Bout de Souflle.
3.7 Novas Tecnologias
“Un factor importante en el surgimiento de los nuevos
cines es la evolución de la tecnología con las cámaras ligeras y la toma de
sonido direto.” (Noriega, p265).
Da
mesma forma que o Neo-Realismo italiano , a Nouvelle Vague
francesa beneficiou-se com as novas tecnologias do som direto e da câmera
portátil.
“Travelling
feito a partir de uma cadeira de rodas, a transformação de uma película
cinematográfica ultra-sensível, a câmara escondida num triciclo de um carteiro
e um excelente conhecimento do terreno.” Página 20. Jacques Maldebaum
Sobre À Bout de Souflle.
4.
As Temáticas dos Novos Filmes dos Anos Sessenta
A
partir de um enquadramento temático de José Enrique Monterde que
Noriega Cita, podemos mostrar À Bout de Souflle se relaciona com determinadas
temáticas.
4.1
Temática Pessoal Individual
“Protagonizados
frecuentemente por antihéroes y seres más o menos marginados en busca de su
identidade.” (Noriega p. 268)
Michel
é o anti-herói e Patricia busca por sua identidade. A sua indecisão é notória
em seu discurso existencial, ela contesta a si mesma: “ Não sei se sou triste
porque não sou livre. Ou se não sou livre porque sou triste.” Patricia não sabe
se gosta de Michel. Se quer ficar com ele. Ela não tem convicção sobre que rumo
dar a sua vida. Mesmo de entregar Michel para à polícia, ela parece se
arrepender.
4.2 A Infância
“Y en la que se encuentran claves de la identidad del
sujeito…” (Noriega, p.268)
Das
personagens de À Bout de Souflle vemos apenas Michel relembrar a
infância ao falar de um passeio com um avô, e do seu pai que seria
clarinetista. Diz isto quando Patricia põe um disco. Mas pelo tom de
mitificação com que ele fala do pai, não fica claro se é sério, ou se é apenas mais
uma troça sua. Michel ao passar por uma praça, diz num tom de saudade que é o
lugar onde nasceu, e que construíram prédios e estragaram tudo por ali.
4.3 Mitologia Sobre a Juventude
“La incorporación de la juventud a la vida social,
laboral y de consumo en marco del desarrolismo de los años sesenta…” (Noriega,
p.268)
Patricia
é um exemplo do ápice de uma cultura juvenil que teve o seu marco nos anos
sessenta. Sendo iniciada décadas antes. Ela tem vinte anos e mora sozinha em
outro país. E todo o seu estilo de vida corresponde ao de muitos adolescentes da
sua época, que adquiriram uma forma própria de viver através da cultura, da
moda, e de um estilo de vida identificado com sua geração.
4.4 Questionamento da Família
“En general hay una crítica al autoritarismo y a las
incomprensiones de la família que han llevado a diversos traumas.” Noriega,
p.268)
Nesta
temática À Bout de Souflle não se enquadra. Pois os personagens são
muito evasivos sobre o passado. O filme é um recorte de um momento de suas
vidas. Num muro está escrito: “Viver perigosamente até o fim.” É isto que
Michel faz quando recusa fugir. O único comentário concreto sobre o passado é quando
Patricia lê no jornal que ele era casado. Michel diz que abandonou a mulher
pois era louca. Não sabemos se ela é a mulher que aparece na primeira cena do
filme, que ajuda Michel a roubar um carro, e que pergunta se pode ir com ele. Michel
diz que não. Logo após matar o policial Michel vai ao apartamento de uma menina
a quem pede dinheiro. E ao contar uma história de que trabalhava em Roma nos
estúdios Cinécittà, ela pergunta se na verdade ele não era gigolô.
Quando Michel vai ao apartamento de Patricia, ele procura por dinheiro, e não
encontrando faz um comentário que mulheres novas nunca têm dinheiro. Quando uma
menina tenta vender a ele um exemplar da Cahiers du Cinéma, e pergunta
se Michel gosta da juventude, ele responde que não, que prefere as velhas. Não
podemos dizer categoricamente que estes fatos estejam relacionados, e que
Michel explorasse a esposa, e que esta era mais velha. Mas é uma possibilidade.
Esta mulher que não conhecemos é a única informação real da vida pregressa da
personagem.
4.5
Instituições Educativas
“Las
peliculas sobre colegios, internados os reformados que subrayan o
autoritarismo…” (Noriega, p.268)
Outra
temática que não é explorada em À Bout de Souflle, mas que está
fortemente presente no filme de François Truffaut, outro membro da Nouvelle
Vague, que escreveu o argumento de À Bout de Souflle, Les 400 Coups, onde
o personagem principal, Antoine Doinel se revolta contra uma dessas
instituições.
4.6 Aprendizagem Sentimental e Sexual
“En el desequilíbrio afectivo y en la iniciación sexual…”
(Noriega,
p.268)
Patricia
não sabe que caminho seguir tanto em sua vida sexual quanto afetiva. Ainda
sente muitas dúvidas. Mesmo em relação a Michel. Tem horas que diz querer ficar
com ele, depois se afasta. Quando eles conversam em seu quarto, ela diz querer viver
com ele como Romeu e Julieta. Da mesma forma que pergunta porque ele está atrás
dela, ou conta que saiu com o repórter. Ela vive a dualidade. Entrega Michel à
polícia, mas corre atrás dele como quem teme que aconteça algo ruim com o
parceiro.
4.7 Relações Entre Pares
“El adulterio y los tíos amorosos aparecen con un
tratamiento renovador, alejado de los postulados dramáticos del cine
clásico.” (Noriega,
P.268)
O casal de À Bout de Souflle representa
a libertação sexual ocorrida nos anos sessenta por parte da juventude. Patricia
vê o sexo de maneira prática, Michel também. Eles não escondem um do outro que
têm outros parceiros. Michel fala o tempo todo das suas preferências sobre
mulheres. Ele pergunta a ela sobre o jornalista, mas tudo sem alarde, sem
dramas ou cenas de ciúmes. O filme é um marco daquela geração por representar o
comportamento vigente e longe de julgamentos. Ela é livre e usa o seu corpo
como bem entende e não dá espaço para que Michel cobre isto dela, e ele também
não parece ter esta pretensão. Michel diz abertamente querer dormir com
Patricia, e em nenhum momento ela o recrimina por isto. Eles contam um para o
outro o número de parceiros sexuais que tiveram.
4.8 O Filme Dentro do Filme
“Reflexiones y la significación fílmicas y homenajes a
los géneros.” (Noriega,
p. 269)
À
Bout de Souflle exalta o estilo noir. Existe a obsessão da
personagem em ir para a Itália, que deu a Nouvelle Vague o Neorrealismo.
Uma inspiração com os seus cenários naturais, a sua câmera na mão, o filmar na
rua, a inclinação documental, e os seus atores naturais. Tudo isto está em
maior ou menor grau em À Bout de Souflle. A menina que Michel visita diz
que trabalhava num estúdio de cinema. Michel diz que trabalhou nos estúdios da Cinécittà
em Roma. Ele vê um cartaz do filme The Harder They Fall, um filme noir
com o seu ídolo Humphrey Bogart, e que fala sobre boxe. Michel
diz para Patricia que não é bonito, mas é um boxeur. E ainda é possível ver ao
fundo, numa das cenas, um letreiro que anuncia Hiroshima Mon Amour de
Alain Resnais.
4.9
Considerações Finais
O
autor José Enrique Monterde, citado por José Carlos Sánches Noriega, aborda
outras três temáticas que não serão exploradas no presente artigo, por
entendermos que não são questões presentes na obra À Bout de Souflle de
Jean-Luc Godard. São elas: Contexto Político, Revisão do Passado Histórico, e
Debate Ideológico.
5.0 Bibliografia
17. La Modernidad Cinematográfica Y Los Nuevos Cines, da
obra Historia Del Cine de José Carlos Sánches Noriega (263-269)
Cinema
Contemporâneo: Román Gubern, 1980. Salvat Editora do Brasil
Jacques
Mandelbaum Coleção Grandes Realizadores, Cahiers du Cinéma, Edição exclusiva
para o Jornal Público, 2018.
Luchino
Visconti: Alain Sanzio / Louis Thirard, 1988. Publicações Dom Quixote
Luchino Visconti:
Clareta Tonetti, 1983. Columbus Film