Existe quadro ao qual eu paro em frente no museu e fico
olhando o tempo todo para ele. Às vezes nem sei porque gosto do quadro, mas sei
que gosto muito de um quadro, quando sinto vontade de entrar nele… Foi essa
sensação que tive diante da fotografia da Sonata de Outono. A linda e talentosa
Ingrid Bergman e à implacável Liv Ullman com os seus olhos de feitiço. A
fotografia desta longa é tão impressionante quanto à de Persona, outro filme de
Bergman. Em Sonata de Outono a filha é conservadora. A liberdade está com a mãe
ousada. Uma artista que se dedica integralmente à sua arte e segue o seu
caminho. Não importa quais obstáculos ela tenha de ultrapassar ou a quem vá
magoar para fazer o que quer e executar a sua música. Charlotte é cruel ao
cobrar a filha Eva que toca na paróquia, para que toque corretamente. Enquanto
Eva olha para ela com um olhar entre admiração e medo. Mas o artista que
sacrifica tudo pela sua arte, é quem senão o próprio Bergman? Que se dizia
melhor como artista do que como homem. E dizia saber mais ou menos as idades
dos seus filhos. O psicólogo canadense Jordan Peterson diz que alguém para
chegar a excelência em seu trabalho, inevitavelmente irá negligenciar outros
aspectos de sua vida. Um workaholic que sofria de forte ansiedade. As pernas
tremiam segundo disse em uma entrevista. Quem sabe através da sua arte Bergman
quisesse fugir do passado sombrio ao lado do pai pastor rígido, religioso igual
Eva. E que se chamava Erik, o mesmo nome do filho morto do casal no filme. O
irmão de Bergman apareceu para dizer que na verdade era ele o abusado pelo pai.
O protegido seria Bergman. Na época o diretor proibiu à entrevista de vir a
público. Eva cuida da irmã incapaz que foi abandonada por Charlotte que traiu e
abandonou o marido. Viktor, marido de Eva, é o amigo companheiro que cuida da
esposa a quem dá um amor incondicional. Bergman foi casado com Liv Ullman,
Ingrid Bergman e Käbi Laretei, que é quem realmente toca o piano do filme. Eu
vi à foto de Bergman na capa do livro que Charlotte lê antes de dormir, e que
conta a filha ser um escritor ruim e apaixonado por ela, paixão que ela
rejeita. Fellini dizia que filmava os seus sonhos e a sua realidade à qual
fantasiava. John Lennon ao ser perguntado sobre a compra de uma casa luxuosa,
se aquilo não caía em contradição com a letra de Imagine, ele respondeu, Imagine
é só uma música. Talvez Sonata de Outono seja apenas um filme para Bergman.
Ingmar dizia que filmava a si próprio. Talvez Bergman esteja apenas jogando com
os significados. Mas, qual Bergman?
domingo, 19 de abril de 2020
Bonecas Infláveis...
Eu tenho roupa de marca que entra e saí de moda
Eu tenho carro do ano enquanto dura aquele ano
Eu conheço uma música que toca um instante
E tem um livro lá em casa que nunca saiu da estante
Tenho amigos virtuais
Produtos descartáveis
Amantes irreais
Bonecas infláveis
Tem gente que eu conheço que é uma voz no telefone
Eu só converso com o porteiro se for pelo interfone
Eu durmo de noite eu vivo de dia
Eu amo uma linda, uma linda mulher vazia
Tenho amigos virtuais
Produtos descartáveis
Amantes irreais
Bonecas infláveis
sábado, 18 de abril de 2020
Chuva Ácida...
Eu pensei que fosse ter uma noite plácida
Mas essa mulher é uma chuva ácida
Ela rasga tudo o que eu penso em escrever
O tipo de nuvem que não deixa o sol nascer
Eu queria levar uma vida prática
Mas essa mulher é uma chuva ácida
Que me mostrou o caminho da solidão
E o quanto faz falta uma cama e um colchão
E quando os teus pingos começam a cair
Eu pego o meu guarda chuva e me apronto para sair
Mas é justamente quando para de chover
Que o meu peito começa a doer
Eu pensei que fosse evitar as lágrimas
Mas essa mulher é uma chuva ácida
Do tipo que age com o tempo
E que é ajudada pela ação do vento
Eu pensei que fosse ver o mundo quente das máquinas
Mas essa mulher é uma chuva ácida
Que provoca toda sua erosão
E tem gotas que são como larvas de vulcão
E quando os seus pingos começam a cair
Eu pego meu guarda chuva e me apronto para sair
Mas é justamente quando para de chover
Que o meu peito começa a doer
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Não Me Diz Respeito...
O que a minha ex-namorada tem postado ao meu respeito
Eu sinto muito, mas não me diz respeito
O que o meu amigo do peito tem dito ao meu respeito
Eu sinto muito, mas não me diz respeito
O que o senhor prefeito, declarou ao meu respeito
Eu sinto muito, mas não me diz respeito.
O que aquele sujeito, escreveu ao meu respeito
Eu sinto muito, mas não me diz respeito
Mesmo que digam tudo,
Tudo o que for de direito
Eu sinto muito, mas não me diz respeito
E se falam mal de mim, e reclamam desse meu jeito
Eu sinto muito, mas não me diz respeito
Não me diz respeito,
Não me diz respeito,
É que simplesmente,
Não me diz respeito
quarta-feira, 15 de abril de 2020
A Fuga de Alcatraz!
Eu falo demais, penso demais, falo demais.
Às vezes falam tanto como palavras em jornais
Eu penso demais, falo demais, penso demais
Às vezes penso tanto que penso não ser capaz
Eu falo demais, penso demais, falo demais
Às vezes falo tanto mais do que dizem os anais
Eu falo demais, penso demais, falo demais
Que às vezes desejo que a minha língua,
Fuja da minha boca,
Como numa fuga de Alcatraz!
Às vezes falam tanto como palavras em jornais
Eu penso demais, falo demais, penso demais
Às vezes penso tanto que penso não ser capaz
Eu falo demais, penso demais, falo demais
Às vezes falo tanto mais do que dizem os anais
Eu falo demais, penso demais, falo demais
Que às vezes desejo que a minha língua,
Fuja da minha boca,
Como numa fuga de Alcatraz!
terça-feira, 14 de abril de 2020
Deus ex machina…
ele é a alvorada dos tempos
ele é o deus Saturno
ele é o sinal dos tempos
ele é o deus Netuno
ele é o Outono
ele é o Inverno
ele é o céu
ele é o inferno
ele é Marte
ele é a guerra
ele é a paz
ele é a terra
ele é o deus dos mares
o deus dos raios e dos trovões
ele é o deus dos céus
o deus dos homens e dos dragões
ele aponta os lados
as estrela e as constelações
ele é o rei dos altares
dos homens e dos leões...
ele é o deus Saturno
ele é o sinal dos tempos
ele é o deus Netuno
ele é o Outono
ele é o Inverno
ele é o céu
ele é o inferno
ele é Marte
ele é a guerra
ele é a paz
ele é a terra
ele é o deus dos mares
o deus dos raios e dos trovões
ele é o deus dos céus
o deus dos homens e dos dragões
ele aponta os lados
as estrela e as constelações
ele é o rei dos altares
dos homens e dos leões...
segunda-feira, 13 de abril de 2020
O Acossado de Jean-Luc Godard...
O Acossado é um sampler de rap. Um groove de funk. Uma frase de jazz que se repete. Assim como o gesto de Humphrey Bogart nos lábios de Jean Paul Belmondo; os cigarros que Michel fuma insistentemente acendendo uns nos outros ou as perguntas que Patricia faz sobre o significado das palavras em francês. O Acossado é um jump cut sem raccord. Nem mesmo os diálogos na boca dos personagens são finalizados. Eles pulam de um assunto para o outro. Algumas vezes nem concluem o que disseram. O Acossado é uma colagem. Ali é possível ver o Dziga Vertov. O cinema clássico americano. O cinema noir percebido primeiramente em França com o seu anti-herói de passado obscuro, e sua femme fatale. Embora Patricia se pareça mais com as adolescentes entediadas de Salinger. Tédio que aliás protagoniza ao dizer que não sabe se é triste por não ser livre ou se não é livre por ser triste. É o existencialismo da sua geração apoiada por Sartre e Camus. Com vinte anos divaga sobre morte e velhice. Com a sua morte precoce a atriz Jean Seberg parece ter cumprido o destino de Patricia. Dizem que perseguida pelo FBI assim como Michel perseguido pela polícia francesa. Morreu cedo e disse que não foi feliz no amor. Eles têm muito da geração perdida dos Fitzgerald`s. Dos Kerouac´s. Como Martin Scorsese disse: é beat demais! O Acossado é um clichê. Um pastiche. Não é um plágio. Cumpre o seu papel de reinventar a partir da tradição. Não é uma ruptura total. Godard exalta o passado ao criar o novo. Não teme o antigo. Michel é desengonçado. Um herói magrelo. Ele não é o galã que sonha ser. Tanto é que um de seus pares diz a ele que meia de seda não combina com casaco de tweed. Assim como Carmen Miranda, Godard não temeu voltar americanizado. Ele desconstruiu para reconstruir Hollywood. Caetano Veloso canta sobre a vontade “fela da puta” de Raul Seixas de ser americano. Michel vai realizar o seu sonho, se Patricia, a menina americana, ficar com ele. E se junto eles forem para a Itália. É lá que está a felicidade. A felicidade sempre está em outro lugar. Michel é a personificação universal do malandro; num momento representada pelo capoeira carioca do século dezenove, no outro pelo compositor de tango do Rio da Prata, e até por Barry Lyndon na literatura. Patricia é o retrato da geração que foi emancipada por um trabalho longo de outras gerações e que percebeu como é chato crescer, pois nem sempre sabemos o que fazer com a liberdade. Michel quer Patricia. Mas ele diz que ela é igual as outras. Passa a mão em sua bunda. Leva tapas. Quer dormir com ela. Pula de uma mulher para outra. Michel avalia as suecas, italianas e brasileiras. Levanta a saia de uma mulher na calçada porque Patricia chamou as francesas de putas por usarem saias curtas. E diz que as mulheres não gostam de quem gosta delas. O romancista Parvulesco diz que existem duas coisas vitais no mundo: “para os homens são as mulheres, e para elas, o dinheiro.” Patricia não tem certeza se quer ficar com Michel. Não dá garantia nenhuma. Quer algo como Romeu e Julieta, ela diz. Patricia é da geração que vai desembocar no maio de sessenta e oito. O Acossado é cheio de referências à cultura de massas. À cultura pop. Marcas de cigarros. De carros. Grifes. Cartazes de cinema. Letreiros eletrônicos. Músicas. Nomes. Pessoas famosas. Jornais. Pinturas. É um filme entulhado de referências comerciais. Assim como o Homem da Câmera de Filmar, O Acossado é o prenúncio dessa linguagem videoclipe popularizada anos depois na capa do Sgt Pepper`s e fincada de vez nos anos oitenta. É a explosão visual da sociedade de consumo. E sobrevive porque ao mesmo tempo é a negação de tudo isso. Os transeuntes observam as cenas a serem filmadas. Aparecem no filme como curiosos. Longe daquele um bilhão de figurantes de Hollywood. E distante do neorrealismo onde tudo era ensaiado com não-atores. Embora Godard filme em locais públicos, assim como os influentes neorrealistas ensinaram aos da Nouvelle Vague. A câmera na mão é um trabalho artesanal. Mesmo na cena em que Michel leva um tiro as pessoas andam como se nada estivesse acontecendo. É a representação da apatia. As dificuldades e os poucos recursos parecem ter ajudado Godard na representação do filme. Hoje ele é um oásis no meio de tanta informação perfeita, de tantas máquinas infalíveis, de tanta gente fazendo tanta coisa certinha, da fotografia no lugar certo, das cores berrantes e lindas que cansam os olhos e a própria beleza. O Acossado sobrevive. Pois através do simples foi capaz de representar o sublime. E de ser o três por quatro de uma geração que previu o futuro, mas que debochou dele, assim como fez piada com o passado.
Bibliografia
17. La Modernidad Cinematográfica Y Los Nuevos Cines, da obra Historia Del Cine
de José Carlos Sánches Noriega (263-269)
Jacques Mandelbaum Coleção Grandes Realizadores, Cahiers du Cinéma, Edição
exclusiva para o Jornal Público, 2018.
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