sábado, 4 de abril de 2020

Ladrões de Bicicletas...

Antonio Ricci é um trabalhador da classe operária que se encontra há dois anos desempregado na Itália do pós-guerra. Roma segue arrasada. Existe uma vaga de emprego como colador de cartazes da prefeitura. Mas para a vaga é necessário que se possua uma bicicleta. No início ele pestaneja e diz ao empregador que não tem o meio de transporte. Mas ao se dar conta da situação muda o que acabou de dizer.
Ele tinha uma bicicleta que estava na casa de penhores. Aquele trabalho significa tudo para Antonio. É a salvação da sua família. Ele está obstinado e diz ao homem que não pode esperar tanto tempo novamente.
Ao encontrar com Maria, Antonio conta a ela sobre a situação em que se vê envolvido. Na manhã seguinte terá de apresentar-se no trabalho. A mulher toma uma decisão. Puxa os lençóis da cama e os outros que eles têm guardados e que nem foram usados. E diz a ele que irão trocá-los no penhor.
Conseguem recuperar a bicicleta no prego. A alegria do filho Bruno não é menor que a do casal. Ele é apenas uma criança e já tem o seu trabalho regular. Com todo o empenho o menino ajuda o pai a preparar e limpar a bicicleta para o dia seguinte.
Feliz da vida Antonio apresenta-se no emprego. Mas ao colar um cartaz do filme Gilda com Rita Rayworth, a bicicleta que estava encostada é roubada. Antonio corre atrás do homem, mas não consegue alcançá-lo em sua corrida.
A partir daí, Antonio e seu filho vão em busca da bicicleta, na Roma abatida após o conflito, parece ser impossível sobreviver para pessoas como as que pertencem à família Ricci.
Bruno trabalha como um adulto. Se movimenta como um homem, e as suas preocupações estão longe de ser enquadradas como infantis. Pode ser encarado como parte da infância de uma época distante. Mas também, como meninos e meninas da atualidade, que em algumas cidades do mundo ainda trabalham nas ruas. Aqui não existem os culpados, ricos ou poderosos. Apenas os pobres.
Além do empregador da prefeitura, o poder público é representado pela presença de policiais. Antonio diz a um deles, você não sabe o que essa bicicleta representa para mim. Ele é recebido na delegacia por um homem que fica furioso por alguém pedir que procurem uma bicicleta. Eles têm mais o que fazer. Percebemos o quanto é comum o roubo das bicicletas. Existem ruas com feiras onde os ladrões vendem as suas peças. Se a polícia for sair em busca de todas as bicicletas que foram roubadas fará apenas isto.
Antonio persegue um velho que conversou com o rapaz que roubou a sua bicicleta. Adentra uma igreja onde é servida sopa e onde cortam o cabelo e a barba das pessoas, mediante a participação na missa. Bruno briga com o pai pois deseja comer. Leva um tapa no rosto num momento de destempero. O homem a quem Antonio pede ajuda, e que parece exercer liderança na comunidade em que vive, é um simples trabalhador da recolha do lixo.
O tapa que Bruno levou será amenizado com um momento de extravagância. Eles irão comer pizza, e beber o vinho que o pai oferece ao garoto. Um menino que toca uma espécie de sanfona leva um chute de um colador de cartazes. Um homem expulsa Bruno bruscamente enquanto ele procura as peças da bicicleta. Um padre dá um cascudo em sua cabeça quando ele abre o pano do confessionário. Outro oferece coisas a Bruno e parece querer levar o garoto para uma cilada.
Antonio quase é linchado pela população da rua em que o ladrão de sua bicicleta mora. É cercado quando Bruno consegue chamar um agente. Finalmente Antonio consegue confrontá-lo com um policial que faz uma série de exigências para prender o infrator. Ele quer testemunhas. Antonio desiste. Não vai conseguir recuperar a sua bicicleta.
É domingo. Dia de futebol. Antonio vê uma multidão de bicicletas no centro da cidade. Ele pede a Bruno que volte para casa. Vai pestanejar durante muito tempo. Andando de um lado para o outro na frente do garoto que parece perceber as intenções do pai. O menino vai pegar o bonde sozinho. Não conseguiu chegar a tempo. O pai foi roubar uma bicicleta. Não consegue fugir. É perseguido pelo dono da bicicleta, e por uma multidão que grita em sua direção. Novamente é cercado e quase espancado. É acusado de roubo. A situação inverteu-se aqui. Agora é ele quem precisa roubar.
O menino vê a situação do pai. Entra em desespero. O homem tem a mesma atitude que Antonio teve anteriormente. Não vai denunciá-lo pelo furto. É um pobre diabo. Antonio ganha uma lição de moral. Que exemplo ele quer dar para o seu filho? De Sica mostra com este filme como a situação social e o desespero podem transformar uma pessoa. É um filme poético em sua crueza. Existe um ditado no Brasil que diz, a ocasião faz o ladrão. Neste caso a frase fala sobre a oportunidade do delito fácil, e sem punições. Aqui ela parece combinar com a necessidade instada pelo desespero.

Vô Tá On-Line!

De início foi assim começou com o bate papo
Um moleque me disse dá mulher igual mato
E disse que era a grande invenção do homem
Internet banda larga mais que telefone
Quando eu fui ver, estava viciado
O silêncio era quebrado, o barulho do teclado
Todo dia assim, o dia inteiro…
Levantava pra comer ou então ir ao banheiro
Até o próximo clique
Até o próximo time
Pega meu nick
Vô tá online
A extensão do meu corpo era um computador
Para teclar comigo só mesmo com provedor
O Sofrimento do meu pai foi ficando tamanho
Eu não comia, não tomava banho!
Irreconhecível, um ser virtual…
Minha mãe quando me viu desmaiou passando mal!
Só que o pior viria com o tempo
Com um famoso site de relacionamento
Até o próximo clique
Até o próximo time
Pega meu nick
Vô tá online
O meu pai foi para o quarto e quebrou o monitor
Eu sofri tanto perdi o meu grande amor
Tive que roubar para sustentar meu vício
Tive que sair de casa que momento difícil
Cinco da manhã na porta da lan-house
Com a mão tremendo para encontrar o mouse
Ia para outra quando aquela era fechada
Uma que ficasse aberta até de madrugada
Até o próximo clique
Até o próximo time
Pega meu nick
Vô tá online
Nicotina vicia mais que cocaína
E internet muito mais que nicotina
Eu que era ateu pedi a Cristo e a Buda
E frequentei grupo de autoajuda
Ninguém vai te dizer que internet vicia
Tá aí o meu testemunho
A vida que eu vivia
Ninguém vai te dizer que o excesso faz mal
Pois assim como a cerveja é uma paixão nacional!

sexta-feira, 3 de abril de 2020

A Monika de Bergman...

Monika é a puta. A Vagabunda… A piranha! A nora que nenhuma sogra deseja. A destruidora de lares. Desviadora de destinos e índoles. A vadia! Harry é à sua presa mais fácil. Monika é à adolescente eternamente entediada; que acende o cigarro logo que acorda, e que mastiga o chiclete enquanto a tia do noivo fala. É uma espécie de Madame Bovary em seu tédio profundo, e depressão. Ela tem um ataque dos nervos quando começa a chorar naquele barco. Monika quer mais. Monika sonha ser uma mocinha do cinema clássico americano, onde galã encantado sempre aparece. Mas, volta e meia tem de voltar para o muquifo onde dorme com à família; à sua triste realidade de menina pobre, completamente diferente daquela exposta na tela, no breu do cinema ao fundo onde acontecem os amassos. Mas ela é uma Lolita encapetada. Tem o diabo no corpo! Aquela vida é um tédio. O que mais Monika deseja além de Harry? O príncipe que abandona tudo para fugir com ela? O que mais se pode desejar além de uma amor e uma cabana? Nada. Ninguém sabe. Quando chega lá Monika já deseja outra coisa. Parece até essas adolescentes atuais que sonham o tempo todo com a festa, e quando chegam na festa enfurnam a cara no celular e só levantam o rosto para bocejar de vez em quando. O objectivo foi alcançado. Não há mais caminho a percorrer. É uma fome de tudo. Uma insatisfação infinita. A libido nunca é saciada. Os desejos são mórbidos. Quanto mais se deseja mais se vai desejar. Somos seres insatisfeitos por natureza. Harry aceita a vida. Ele gosta dela. Ela diz: saia! Ele sai. Do emprego. Da sua vida. De tudo. É o corno não conformado. Monika agora quer um casaco novo. Monika tardiamente descobriu que não tem nada. Monika diz que quer se divertir. Ela vai dar para Lelle novamente. Àquele vagabundo do bairro onde ela cresceu e por quem viverá apaixonada. Monika vai abandonar o bebê. Os bebês só são bonitos nos filmes. São fofinhos. Berrando de madrugada são insuportáveis. Harry está resignado. Vai cuidar da criança. Talvez entre para uma igreja e case com uma outra mulher menos esbelta que Monika. Talvez ela não se mantenha em forma com o passar do tempo. Talvez o seu corpo irresistível que levou Bergman à loucura naquela praia, ceda ao tempo. Um dia desses, talvez, Monika esteja sentada num bar, e seja aquela senhora gordinha ao canto. Longe dos seus dias de glória. Com a voz enrouquecida. O cigarro entre dedos. Vai lembrar de Harry, e mostrar fotos para alguém. E dizer, ele cuidou do meu filho, o pai do meu filho é bom! E Harry vai ter uma família feliz. Ou quem sabe não aconteça nada disso, e Monika vire uma carola com uma família feliz assim como à de Harry. Talvez seja Harry que comece a beber, enquanto a sua criança anda sozinha pelas ruas. Talvez ele morra de cirrose. Talvez o destino seja diferente de tudo isto. Pois assim como o cinema de Bergman... A vida um final sempre aberto!

Poeminha a Favor...

Ainda hoje, na Crimeia, alguém dormiu com o seu amor.
Ainda hoje, na Galileia, alguém acordou com estupor.
Ainda hoje, no Butão, alguém soube o que é felicidade.
Ainda hoje, no Japão, alguém gritou por liberdade.
Ainda hoje, em Amsterdã, alguém se disse feliz.
Ainda hoje, no Irã, alguém fez o que quis.
Pois existe um outro mundo,
Do lado de lá, outra cidade.
Nem sempre o que acontece no Brasil…
pode ser encarado, como verdade.
Pois mesmo longe, em Chernobyl,
existe outra realidade.

quinta-feira, 26 de março de 2020

A Síndrome de Aglomeração…

Alguns dos meus pacientes tiveram recaídas bruscas nesta época de confinamento. Como não conseguem ficar sozinhos e nem desenvolver atividades que necessitem de silêncio e solidão, esses pacientes sentem enorme dificuldade ao se verem confinados. Mesmo com as suas famílias. Aumentando assim os níveis de exposição as redes socias e à ansiedade. Levando alguns a cometer o ato intempestivo de ir para a rua, agravando o perigo de contágio e propagação do Coronavírus.

A Síndrome do Interior…

Alguns dos meus pacientes apresentaram sintomas da Síndrome do Interior. São pessoas que normalmente moram numa cidade do interior com ótima qualidade de vida, e que vivem sonhando com cidades grandes; poluídas, e barulhentas. Estas pessoas vivem a reclamar que a cidade não tem nada. Mas também não fazem nada para melhorar a cidade. E não conseguem perceber as coisas boas que lá existem. Estão sempre em busca de outra localidade, como se este lugar pudesse curar a sua enfermidade. Culpam o local de nascença ou de moradia por seu mal, que na verdade encontra-se em seu interior.

quarta-feira, 25 de março de 2020

O Pronunciamento do Presidente...

Medo. Medo da morte. Medo de que o meu pai morra. Pensamentos catastróficos. E que morram pessoas da minha família. Pessoas que eu conheço. Senti medo que o Brasil finde. Espalhe o vírus pelo mundo. Acabe a vida na terra. Senti raiva. Ódio. Nojo. Repulsa. Instinto assassino. Vontade de voar no pescoço dele... Esganá-lo! Ele roubou a minha pureza. A minha paz. Subestimou a minha inteligência. Deu vontade de voltar para as redes sociais e xingar. Eu só ia xingar. Chorei três ou quatro vezes. Perdi a concentração. Fiquei dentro de casa andando de um lado para o outro. Eu preciso meditar. Alcançar a iluminação. Ser um filósofo da moda. Respirar alguns segundos. Esquecer. Rezar. Ficar em paz. Estar acima de tudo isto. Ter pensamentos positivos. Vou pensar positivamente. Ser um ser iluminado. Pacífico. Evoluído. Um verdadeiro guru.