No último ano ele
relutou mais. Ao mesmo tempo sabia que era o seu inconsciente tentando
dominá-lo. No dia do lançamento do livro estaria lá. O terceiro. O último da
série. Da trilogia. E o último capítulo dessa sua trilogia tresloucada. Era
vítima da mesma obsessão acometida por Beatriz a Dante Alighieri. Ouvia o seu
interior agitado. Embora pessoalmente fosse um tímido incapaz de pronunciar uma
palavra e temeroso até mesmo de abrir a boca. Clichês. Os conselhos suburbanos
vinham à tona. Casamento se acaba até na porta da igreja! Filho não segura
ninguém! Ele fez o mesmo trajeto sem olhar para o balcão. Pensou novamente que
ela podia ter morrido, faltado ou sido mandada embora. Mas não se entreteve com
esses pensamentos. Foi até a prateleira com uma nova determinação. Dessa vez, ruim
de tudo, estaria livre. No mais, não havia o que temer. O escritor havia dito
que esse era o último da série e ponto final. Ele olhou para o caixa. Ela havia
cortado e pintado o cabelo. Estava mais bonita e vestia uma jardineira. Ele
olhou para ela e o coração deu aquela porrada. Ela olhou para ele e ele sentiu
aquele mesmo olhar primário de admiração. O rosto dela se iluminou de maneira
que deixasse bem claro o prazer de ver aquela pessoa. Ele pagou. Ela disse: é o
último. Sabe aquela esperança ridícula a qual temos de nos agarrar às vezes,
então, ele se agarrou a ela. E a menina disse: espero que dessa vez você me
convide para tomar um café. Ele disse: sim, claro. Ela disse: chega aqui nesse
mesmo horário. É mais ou menos no fim do expediente. Ele disse: até amanhã,
então. Ela compreendendo a sua timidez respondeu: até amanhã. Ele
saiu veloz para que ela não gritasse o seu nome o chamando de volta. Essa noite
um rapaz naquela cidade não iria dormir de tão ansioso que estava.
sábado, 2 de fevereiro de 2013
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Os Pretos São Temidos No Brasil!
antigamente, antes de falar sobre racismo virar moda, eu vivia preocupado com isso, e via racista até embaixo da minha cama. depois o assunto ficou chato. mas eu continuei a ser preto, e discriminado. mas naquela época eu comecei a reparar que quando entrava no ônibus, sempre era a última opção de "companhia" para os outros passageiros. e passei a praticar esse exercício, para testar se as minhas desconfianças tinham algum fundamento. por esses dias eu andava de cabeça raspada, o que não ajudava muito. hoje ostento um novo black power, o que não ajuda em nada. e apesar de todo o clima de oba-oba olímpico, observei que os passageiros continuam tendo a mesma atitude, e que eu continuo como a última opção ao lado. um motivo aparente é a desconfiança que se tem do jovem homem preto. pois somos vistos, nós, jovens homens pretos, como os maiores agentes da violência. por outro lado, nós, jovens homens pretos, somos as maiores vítimas da violência. inclusive aquela que vem da força bruta do estado. não me importo que você seja azul, amarelo, ou vermelho. pois descobri que a gente é tudo a mesma merda. mas como diria um comediante dos bons, que não se vestia de preto, não me venha com churumelas!
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Reprises. Apenas Reprises...
jogadores de futebol entram em campo com faixas de apoio. uma comitiva governamental traz palavras de conforto. alguém diz num link ao vivo que o sangue dos nossos bancos são insuficientes. um repórter mostra como fulana de tal era uma menina feliz, alegre, tinha muitos amigos, cheia de planos, estava no melhor ano de sua vida, cursando a faculdade, seguindo os seus sonhos, ajudava a família, sonhava ter um filho, ia se casar, e por isso tudo não merecia morrer dessa forma. sobreviventes relatam o que aconteceu a entrevistadores matinais que se dividem entre eles, e uma nova receita de bolo. especialistas em segurança explicam o que deveria ter sido feito. um pastor dá a sua versão religiosa para o acontecido. os peritos esclarecem porque o acidente ocorreu. o governo decreta luto oficial. fotos e textos em todos os jornais e blogs. palavras de revolta e pêsames nas redes sociais. psicólogos novamente explicam como lidar com grandes traumas. vamos ficar desconfiados durante algum tempo. não querendo frequentar locais parecidos, com medo que aconteça novamente. os telefones da defesa civil não param mais de tocar. mas aos poucos retornaremos as nossas vidinhas. para que feridas abertas nas pessoas próximas possam arder sossegadas. e quando a gente já tiver esquecido o que aconteceu, as famílias irão entrar com uma ação conjunta na justiça. e daqui a um tempo, um representante deles vai ao noticiário falar sobre o descaso com o qual são tratados. e a escassez de informações. alguém vai declarar que só quer justiça, pois nada irá trazer os entes queridos de volta. muito pouco irá realmente mudar para que não aconteça novamente. uma ou outra lei de fachada a espera da poeira baixar. mas novamente a corrupção irá prevalecer. e os mesmos erros serão cometidos. os responsáveis soltos abraçados a seus familiares irão exibir seus sorrisos e dizer que a verdade prevaleceu. não vamos obter aprendizado nenhum com o que aconteceu, ao contrário do que desejam os motivadores profissionais. e quando acontecer de novo, vamos relembrar o fato. ou descobrir que acontece com a gente também. e que não existe fatalidade. e sim escolhas das quais todos somos culpados. e virá aquela frase clichê. eu já vi esse filme antes. mas a nossa vida em sociedade é tão clichê... não é?
sábado, 26 de janeiro de 2013
A Trilogia (Parte-Dois)
ele chegou no primeiro dia novamente. assim como assistiu ao filme na estreia. sentado na primeira fila. se o diretor estivesse lá, provavelmente estaria ao seu lado. caso os diretores não fiquem na última fila. ele passou um ano renovando aquela ansiedade. um ano pensando o que dizer, e nada. um ano para criar coragem. a cada dia pensava que a menina pudesse simplesmente morrer... o grande dia era a última das hipóteses, mas seu inconsciente tinha como a mais provável. ou seja, covardia iria prevalecer novamente. o quê ele diria, oi, vim aqui num dia do ano passado, lembra de mim? não, ela não lembra. não pode lembrar. já naquela época ela podia ter namorado, sabia? ou mesmo ser casada... quando entrou foi direto a prateleira. não quis olhar a caixa da livraria. pegou o livro com o mesmo orgulho. e pensou a mesma coisa de todos os dias. ficar um ano inteiro pensando numa mulher com quem não se teve um contato de mais de cinco minutos é loucura. é uma obsessão. eu sou doente. quando olhou pro caixa ela estava... lá... um pouco mais gordinha... grávida. uma aliança dourada enorme no dedo anelar. ele se odiou por aquilo. quando ela o viu, o rosto teve a mesma expressão de quando revemos alguém que gostamos depois de muito tempo. ela disse: eu me lembro de você, e aí, gostou do livro. e do filme? o que ele respondeu não importa. foi pra casa chorando.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
A Trilogia (Primeira-Parte)
o rapaz usa óculos de míope, previsivelmente. compro no primeiro dia, não deixo esquentar a prateleira! acompanhou a notícia na internet. espera que façam logo um filme. tímido, previsivelmente. ele sabe que para os outros é apenas um nerd que sofreu bullying. e que tem o perfil de um esquizofrênico. se é que esquizofrênico tem perfil. pode ser um psicopata desses que atiram em todo mundo. chega a se compadecer de alguns. motivos é que não faltam para fazer o mesmo. quem sabe seja um tipo suicida. remoeu a hipótese várias vezes. quando olha para os outros na rua, tem a impressão que dizem. esse aí mata alguém... ah, se mata! vai de encontro ao objeto de desejo, como se não tivesse sido informado da existência de outros livros. só consegue enxergar o tijolão de capa colorida. cheio de monstros dentro, magias, sábios compreensivos, e lugares fantásticos. uma boa fuga pra quem não consegue encarar a realidade. se encaminha cegamente pro caixa. quando vê a atendente atrás do balcão vem o pânico. o medo de ter esquecido o dinheiro. ou da menina rir da sua cara por causa do livro que comprou. ou simplesmente de não conseguir pronunciar uma palavra. ela levanta a cabeça. tem todo o perfil de quem não daria um bom dia a ele em outro lugar. alta. olhos claros. tatuagem no braço. postura imponente. ao ver o livro ela diz. que legal! já separei o meu! ele sente alívio. e medo por ter que falar. ga-gue-jan-do, é claro. diz forçosamente. deve ser bom... ela complementa. deve ser ótimo! agora na rua respira com dificuldade. tem que criar coragem para voltar a livraria amanhã. pensa no que ela pensa sobre ele. quer terminar o livro imediatamente. e desde já torce para que a segunda parte seja lançada. continua...
domingo, 20 de janeiro de 2013
A Pílula Do Dia Seguinte (Parte-Final)
o garoto entrou na farmácia atabalhoado, como diriam escritores antigos. dessa vez ele tava muito mais nervoso do que da outra. tinha medo da mãe, do pai, da mãe da menina, e sobretudo do possível filho, ou filha, que deixava todo o mundo mais perigoso. e que agora havia caído como uma bomba em cima dos dois. acabando de vez com todos os seus sonhos de viver intensamente a adolescência a que tinham direito , apenas algumas horas antes, beijando todo mundo e... seriam escorraçados de casa e teriam que trabalhar e abandonar aquelas tardes sem aula em que vagavam pelos shoppings. para o cara da farmácia era a hora da vingança. o moleque perguntou entredentes. tem a pílula do dia seguinte? ele respondeu. antes de pensar em pílula, procure as camisinhas, pra não acabar vindo aqui comprar fraldas. todos ouviram. dessa vez para a desgraça do garoto a farmácia estava cheia. o homem puxou a nota da mão do moleque e a jogou na registradora. o moleque corou. as pílulas foram colocadas em frente a ele. a garota bufou. as bochechas ficaram vermelhas. o moleque respirou aliviado. aquela era a vingança do homem da farmácia. a vingança contra si mesmo. por não ser mais um moleque. por ter uma filha adolescente grávida. e por nunca ter usado uma camisinha.
sábado, 19 de janeiro de 2013
A Pílula do Dia Seguinte - Parte 2
a noite foi maravilhosa como sempre acontece na maioria das primeiras vezes. ele achou que não havia se saído tão bem. e a performance dela também não ajudou muito. mas finalmente havia virado um homem. era isso que importava. e agora poderia falar de igual pra igual com os moleques dos prédios. ele gozou rápido por causa da ansiedade. e a menina não ia contar isso a ninguém. ele contou uma historinha pro seu melhor amigo, que tinha outro melhor amigo, que... e concluiu que iria viver o resto da vida com aquela menina. ela pensou que a mãe só falava merda. ele perguntou se ela havia gostado. ela disse. sim, claro. eu amei. mas no fundo sabia que pouco importava. pois era a sua primeira vez, e ela o amava. simples assim. igual na novela. ele chegou a conclusão de que não podia pegar doença de uma menina que há pouco era virgem. e pensou que seria azar demais se ela ficasse grávida. justamente dessa vez. da próxima vez eles usariam camisinha. foi o clima, o momento, sabe como é. mas ela quebrou o silêncio e disse: fudeu. ele disse: fudeu! continua...
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