O menino passou todo ensino básico olhando para aquela menina. Que devia se chamar Maria Clara ou Clarice. Algum nome desses que os ricos põem em seus filhos. O menino devia se chamar Zé ou Beto, uma dessas corruptelas que os pobres ganham junto dos seus nomes. A menina era branca de feições finas e narizinho arrebitado. Mas não era metida. Ela exibia uma cabeleira vermelha encaracolada. O menino era preto da cor da borracha do meu tênis. Mas por essa época ele ainda não sabia nada sobre racismo. Então isso não era nada que impedisse uma aproximação. Ele pressentia ser diferente. Mas não pela cor. Talvez por ter ganhado uma bolsa para estudar, e a sua mãe ser uma das faxineiras da escola. Todos os dias ele voltava para casa sozinho. Enquanto a sua mãe ficava varrendo a escola, a mãe da menina ia buscá-la. Todos os dias. A menina tirava as melhores notas. O menino era um aluno medíocre. Estava sempre a espreita da menina pelos corredores. Ela sempre retribuía o olhar. Ele sentia isso como uma forma de caridade. Aquele olhar era complacente. De santa. Como quem diz. Eu sei que você olha pra mim. Em nenhum momento ela era indiferente aquele olhar, ou tentava evitá-lo. O menino passou todo o ensino básico assim. Na esperança de que um dia ela retribuísse aquele olhar com alguma palavra. Terminou a escola. Nunca mais eles se viram. Até que um dia. Num supermercado. Os dois já bem crescidinhos. Se esbarraram. A menina disse "oi" para o menino. E escandalosamente pronunciou seu nome. Foi só isso. Depois ela se afastou com o carrinho. Mas era como se tivesse selado o segredo dos dois. Ele ficou feliz. Mas também arrependido de não ter tentado nada na época. E agora prometia a si mesmo nunca mais deixar de tentar. Mas aí ele já era um homem. E essa promessa entrou na lista de promessas que um homem faz a si mesmo. E que nem sempre cumpre.
terça-feira, 17 de julho de 2012
domingo, 8 de julho de 2012
Estou Fora Para Ti!
Ela atendeu ao telefone e disse:
fala. Eu odeio quando ela faz isso, pois me dá a sensação de que está falando
com um cachorro. Eu disse: sou eu. Ela disse: eu sei, fala! A minha mãe gritou
da cozinha. Não demora no telefone que a conta vem alta! Eu tapei o bocal com
vergonha. Mas ela do outro lado continuou em silêncio. Eu disse: e aí quando
você volta pra casa? Ela me disse: quando acabar a feira, sabe aquele cara aquele prêmio no ano passado, aquele eu te falei, ele tava falando aqui hoje! Nossa, ele é legal, é sim, Como ele é legal! Eu
queria dizer a ela que o baile acabou porque prenderam o
frente. Não tive coragem. Logo veio a minha cabeça aquele escritor afetado de echarpe que ela admira. e me deu vontade de desligar. Eu
disse a ela: quando... Ela me cortou: está uma barulheira danada aqui, e o
Brian tá falando comigo... Ela disse: já vou, Brian! Esse deve ser um puta
intelectual, pensei. Um baita intelectual. Um puto desses que usa óculos, boina, e pronuncia as palavras corretamente. Ela disse: João, eu vou ter que
desligar. Eu sei que quando ela fala João, ao invés de falar “Jão”, é porque ela
quer esquecer daqui. Eu também, ás vezes eu quero. Eu disse: tudo bem. A minha mãe gritou:
já vai desligar, ou não? Interurbano, pô! Ela disse: eu vou estar fora para ti por
enquanto. Eu pensei "eu também". Estou fora para ti!
quarta-feira, 4 de julho de 2012
O Emissário do Capeta!
Ele tem seis, ou sete anos no máximo. É de uma família da classe média. Ou média baixa. Mas os pais dele pensam que são ricos. Eles moram num condomínio metido a besta que fica próximo a um bairro realmente chique. Mas não dentro dele como eles dão a entender. O pai é não sei o quê da Petrobrás. A sua mãe é uma espécie de mulher de jogador de futebol ou dançarina de funk, que usa aquele rádio horroroso em que todo mundo no supermercado ou no salão ouve a sua conversa bocejante. Em que ela diz o quanto gastou com o quê, ou chama as outras mulheres de traveca. E o moleque é o capeta. O cão. Mete a porrada em todas as crianças do condomínio. É o dono da bola. Ele apaga a velinha dos outros quando há festa de aniversário. Um dia desses ele estava conversando com um comparsa no corredor. Um cupincha. Um parceiro. Quando uma menina com o dobro de sua idade, que pelos dias de hoje, obviamente podia ser sua mãe, passou. E o mancomunado disse a ele: que gostosa! e ele, como se fosse um homem experiente. É isso que você chama de gostosa? Talvez por isso o seu apelido seja, O Emissário do Capeta.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Eu vou ser capa do New York Times de Amanhã
(Selecionei o trecho que
considero mais polêmico)
Você é um artista desconhecido em
seu país, como é ser estudado por um dos maiores antropólogos do mundo numa das
maiores universidades do mundo? Eu disse: não faz diferença. Você faz isso e
pronto. É o que tem que fazer. Eu sou um artista como outro qualquer. O
repórter me perguntou: e ser estudado em inglês, se você escreve... Eu disse: é
como ler Henry Miller sem saber inglês. Você olha aquelas palavras ali no papel,
e não entende nenhuma delas. Mas sabe que tem alguma coisa. A barreira da
língua não existe. Nem todo mundo que gosta dos Beatles sabe inglês. Mas saber
um pouco de inglês é bom, eu disse, e o repórter sorriu. Você defende a
legalização da Marijuana... Defendo porque eu vivo na América latina. E por que
lá morre muito mais gente do que aqui, por exemplo, por causa da bebida, do
cigarro, e da violência do tráfico de drogas. Se bem que lá agora o crack que está
fortíssimo. E o tráfico é uma empresa que não sabe lidar com produtos e
clientes. Seria melhor que fosse regulamentado para que existisse controle, e
fiscalização. O seu argumento é esse? Não é o meu argumento, a lei seca não acabou
com a bebida no seu país... É a mesma coisa. No outro dia o Presidente Obama
falou que era a favor do casamento gay, dias depois foi feita alguma coisa por
aqui, e acredito que isso tenha ajudado. Dependemos de vocês. E espero que
entendam isso, até porque as maiores vítimas somos nós, e não vocês.
Tomara que eles publiquem na
íntegra.
sexta-feira, 22 de junho de 2012
3 Dentes Arrancados e Cinco Costelas Quebradas
Ele era o único da turma que não fumava maconha. Todo mundo fumava. Menos ele. Ele não. Sempre que alguém saía em direção a rodinha dizia a ele: nem um tapinha, fulano? Ele respondia: não, e levantava a garrafinha de água em direção a pessoa. Por esse motivo ele nunca seria parado numa blitz e preso por tráfico de entorpecentes ou porte ilegal de armas. Pois era um cara do bem. Da paz. E também não seria preso e levado a delegacia por dirigir embriagado. Já que ele não bebia. Ele levou um susto ao ser parado numa curva por carro policial. Ele era o tipo de cara que quando cruza com polícia começa a gaguejar. E ao ser indagado para onde ia, ele disse o óbvio. Pra casa. Quando ele atendeu um desses rádios em viva voz. Era um de seus amigos. Marinho. Marinho disse: tô indo pra boca! E para explicar aos policiais que boca era uma amiga de boca grande? Só depois de 3 dentes arrancados e cinco costelas quebradas.
domingo, 17 de junho de 2012
Eu Atirei Num Homem Só Para Vê-lo Morrer
Ele está ali no chão estrebuchando e virando os seus olhinhos japoneses em minha direção. Eu queria sentir alguma coisa por ele. Pena, ou sei lá o quê. Mas por mais que eu tente não consigo. Ele fica me olhando sem acreditar. Daquele mesmo jeito que me olhou a primeira vez que foi se encontrar comigo naquele prostíbulo de quinta categoria. Ele sempre me olha como se o dinheiro não fosse importante. Da mesma maneira quando ele me olhou a primeira vez. Como se a coisa menos importante fosse o que eu ia carregar na bolsa no outro dia de manhã. As outras meninas ficavam impressionadas com esses idiotas como se eles passassem dos limites em sua burrice. Eu não. Sempre fui indiferente a eles. E a ele que está me olhando pensar isso. Não me importo com aquela menina com quem ele estava. Mas também não quero que ela fique com o meu dinheiro. Não sei o que eu posso fazer com esse corpo. Não quero ser descoberta porque se não vou ter que me comportar como se acreditasse que um puto que é viciado em puta não merece morrer.
sexta-feira, 15 de junho de 2012
É Melhor Ser Feio Do Que Ser Burro
No dia 12 de Junho, dia dos namorados, o rapaz pediu uma namorada a deus. Ele disse: deus me mande uma filha sua, que eu a farei feliz! No dia 13 de Junho, dia de Santo Antônio, o seu pedido foi atendido. Ele olhou para os céus e reparou que deus era um pouco de qualquer coisa, e que parecia não ter cor nem religião. No dia 14 de Junho, ele reclamou da namorada para deus. Mas senhor, essa mina é um bujão! E deus disse: quando você me pediu uma das minhas filhas, não especificou se queria uma modelo intelectual de Big-Brother. Ou uma pessoa normal dessas que se vê nas filas do supermercado. E quem é você que não sabe tocar duas notas, para dizer se o que eu criei é belo ou não? Você não me disse que a sua carência era sexual e não afetiva. Na hora ele se calou e agonizou com aquela injusta tarefa de contrariar a deus, e devolver a ele um pedido feito e atendido na hora. Então o rapaz decidiu que ficaria com a gordinha. Mocinha prendada que ia a uma igreja qualquer todo final de semana. Mas com o tempo não é que ele passou a gostar da gordinha cada vez mais. Pelo seu companheirismo, fidelidade e amor. Concluindo. Moral da história. Parábola filosófica. É Melhor ser feio do que ser burro.
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