quinta-feira, 18 de agosto de 2011
A Beleza Previsível De Cristina Kirchner
Ele sentou no bar e pediu um café. Depois tirou um cigarro e foi para a
porta do boteco. Começou a jogar fumaça na cara dos transeuntes. Eu tinha lido
todos aqueles livros e o que não me faltava era assunto. Queria falar da
importância daquilo tudo. Mas ele ouve essa falácia todo dia. Quando ela
chegou, ele disse: hum. E ela: bom dia... Ela era uma mulher no auge dos seus cinquenta anos, com uma beleza previsível e cara de âncora do jornal da noite.
Ele foi muito educado. Ela exibiu a mesma classe que tem Cristina kirchner. E num gesto de enfermaria segurou
o braço trêmulo do escritor. Eles pararam um táxi. O carro partiu. Eu olhei
para as nuvens de cafeína e nicotina que subiam. O preto no balcão olhando minha
cara perguntou: você sabe quem ele é? E respondi: eu sei quem ele é.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
João Banana
Naquela casa tudo é velho. O
ventilador com hélices de alumínio. O vídeo cassete. Os móveis. A tinta das
paredes. O fogão enorme. A geladeira. Inclusive o velho gorducho com bochechas
rosadas que ouve ópera numa vitrola e apoia os pés num banquinho. E todas as
histórias. Ele limpa a garganta e com a sua voz mais áspera diz:
Antigamente o sujeito entrava num lugar e pedia: me dá uma média com pão e manteiga. Hoje em dia não tem mais isso (o autor discorda). Antigamente o sujeito entrava numa mercearia, pegava um tomate e saia comendo. Hoje em dia não tem mais isso. Antigamente não existia droga. O único cara que fumava maconha aqui era um tal de João Banana. Foi o primeiro maconheiro que vi. Ele ficava dentro do bar, mas só fumava escondido. Hoje em dia está tudo mudado...
Quando disse isso o fiquei imaginado ainda de calças curtas, olhando esse tal de João Banana palitando os dentes todo de branco parado em frente ao bar, e pensando como ele ia esconder a erva do diabo. Como eles diziam. Antigamente.
Antigamente o sujeito entrava num lugar e pedia: me dá uma média com pão e manteiga. Hoje em dia não tem mais isso (o autor discorda). Antigamente o sujeito entrava numa mercearia, pegava um tomate e saia comendo. Hoje em dia não tem mais isso. Antigamente não existia droga. O único cara que fumava maconha aqui era um tal de João Banana. Foi o primeiro maconheiro que vi. Ele ficava dentro do bar, mas só fumava escondido. Hoje em dia está tudo mudado...
Quando disse isso o fiquei imaginado ainda de calças curtas, olhando esse tal de João Banana palitando os dentes todo de branco parado em frente ao bar, e pensando como ele ia esconder a erva do diabo. Como eles diziam. Antigamente.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Casal Excêntrico
Ele disse: vamos cair fora dessa escola. Ela disse: é mesmo,
esses professores não tem nada para nos dizer, talvez lá fora exista algo mais
interessante. Ele parou em frente a uma floricultura. O vendedor não viu nada
demais nos dois. Ele disse: hei cara, você pode me dar uma flor para a minha
gata? O vendedor da floricultura pensou que uma flor não faria falta. E que
eles eram um casal tão bonitinho... Pensou igual uma bicha afetada. Logo após
eles entraram numa livraria. Os seguranças da livraria que sempre perseguem os
negros como se nós negros só roubássemos livros; não deram a mínima para o
casal excêntrico de mãos dadas. Eles entraram. Foram as prateleiras. E nada de
interessante por lá, também. Apenas clássicos sem fôlego e empolados. Best Sellers.
E vencedores de prêmios sem importância. Queriam alguma coisa que os sacudisse. Mas isso está em falta. Quando os dois saíram da livraria, toda a cidade procurava por eles. Os seus rostos estavam nas tevês e
nos jornais. Pegos. Na manhã seguinte ele leu com dificuldade o jornal que
dizia: menino e menina de seis anos fogem de escola particular mais cara da
cidade.
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Bad Company
Ele tava no meio dos moleques. Todos eles à-toa e de cabeça
raspada. O pai disse: se continuar andando com essa gente. Esse menino vai dar pro
quê não presta. E não é que deu. Um tempo depois tava na boquinha da rua de
baixo. Era o único limpinho entre os sujinhos. Crackudos. O pai desesperado o
mandou para São Paulo morar com a mãe. Ele saia para trabalhar e voltava sempre
no mesmo horário. Mas tinha dinheiro demais para um assalariado. Um dia o padrasto
desconfiou dele e o seguiu. Ele quebrou para dentro de uma quebrada. Flagrante.
Contava um patacão de dinheiro em frente ao boteco. Então a mãe decidiu enviá-lo para morar com a irmã na Alemanha. Ele veio visitar a família um ano
depois. Todo mundo feliz. Almoço de domingo. Tudo bem. Quando foi embarcar a
polícia federal apareceu. Um quilo da pasta base de cocaína camuflada em fundos
falsos. O pai viu o rosto do filho no
Jornal Nacional e vaticinou: são as más companhias.
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Vinte Anos De Sua Vida
Ele está com diabetes. Sabe que vai morrer. Outro dia o surpreendi
comendo uma lata de marrom glacê. Eu disse a ele: você vai morrer! Tá pensando que não, mas vai morrer! Isso foi
quase uma ameaça. Ele não tá nem aí. Tá ficando cego. Caiu no meio da rua
recentemente. Eu o levo para apostar nos cavalos. Já bebeu. Já fumou. Já cheirou
e comeu tudo que queria. Inclusive mulheres, ele diz. Andou viajando em navios
da marinha mercante durante um tempo. E fala: a minha pica é internacional! No
que eu digo: agora que você tá ficando cego, todo mundo vai comer o teu rabo! Ele ri e me diz que só não consegue parar com o cigarro. Lamenta. Parei de cheirar, mas
não consigo parar de fumar. Ele me olha sério e fala: se piorar, eu meto uma
bala na minha fuça. Tem uma no ferro esperando por mim. Não vou dar trabalho
pra ninguém. Fui eu mesmo que criei isso, ele conclui. Eu penso que viveu tudo o
que podia em vinte anos de sua vida.
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Serendipitoso
Quando eu pergunto a ele: E aí, como tá? Ele diz: tudo bem como
sempre. O cara já foi preso, e quando conta sobre a cadeia é sempre de maneira
engraçada. Mesmo ao falar da surra que o apagou durante dias. Ele passou um
tempo na solitária onde deixava a comida azeda para os ratos, e comia o resto
para que não cismassem com a sua refeição ou com ele. Tem pouco mais de trinta anos. Nunca perguntei
por que foi preso. Provavelmente por tráfico.
Realmente não acredito que faria mal a alguém se não fosse para se
defender. Um dia me disse: eu não sei andar na cidade direito, sempre vivi
dentro de favela. Enrola mais um cigarro e fuma tranquilamente sentado num
caixote. Tem uma barraca de frutas na feira da favela, e talvez seja a pessoa
mais tranquila que conheço. Mora num quartinho minúsculo. Não tem os dentes da
frente. E diz: volta aí pra trocar
idéia. Não me impressiono com as suas histórias. E sim com o fato de se sentir seguro nesse mundo com quase nada.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Sexta-Feira Felpuda!
De cima da passarela eu vi o sol no final da tarde. Ele estava
deslumbrando. Lindo. As pessoas passavam por mim. O trem embaixo. O motoqueiro
passou e disse: Cai fora, cara! Tá atrapalhando o trânsito. Fui embora.
Não dava para ficar namorando o sol o tempo todo. Ninguém ia entender. E agora
de noite vi a lua. Linda. Fez de tudo para ficar visível. Enfurnou-se entre as
árvores. Cheia. Felpuda. Sexta-feira. Todo mundo vai sair. Ninguém que trabalha
na cidade vai voltar para casa. Eles vão para todos os lugares. O trânsito em
direção ao subúrbio vai ficar tranqüilo na Avenida Brasil. Todo mundo vai
beber. Fumar. Cheirar. E serão guimbas e mais guimbas de cigarros. Pontas de
baseados. Rapas de pó. Dores de cabeça. Ressaca. Camisinhas sujas. Vai ter um
mundo de camisinhas sujas em motéis. Muita camisinha. Imagina uma pilha de camisinha.
Ele está deitado enquanto ela toma banho. Veja a cena. Ele diz para si mesmo:
sou feliz. Quando toca o despertador. Eu desço da passarela.
Assinar:
Postagens (Atom)