quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Dostoiévski Vs. Sidney Sheldon
Eu não tinha dinheiro para comprar livros. Nem passagem de ida e
volta para ir a uma biblioteca melhor. Então querendo ou não, aquele era o
acervo que eu tinha disponível. Ainda não tava metido a besta, e não conhecia
nenhum pseudo-intelectual para me dizer quais autores deveriam ser lidos. Então
eu podia ler Dostoiévski num dia e no outro Sidney Sheldon. E na minha cabeça
tudo era literatura e tudo era bom. Livro era livro. Hoje eu talvez não leia o Sheldon
pensando que ele é limitado. E não alimente uma nostalgia obsessiva em relação
a Dostoiévski, por exemplo. Mas tanto o Sheldon quanto o Dostoiévski cumpriram o seu propósito. E tenho certeza, de que o que me fez aceitar a
simplicidade e a subjetividade, deve ter sido começar a ler com o coração tão
limpinho. Sem preconceitos.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Homem Na Estrada
Brou tava com o irmão numa estrada de Brasília quando ouviu pela
primeira vez aquela música dos Racionais Mc`s, Homem Na Estrada. Ele perguntou
ao irmão que dirigia: De quem é essa música? E depois disso o irmão deu uma
fita cassete dos Racionais para o Brou que a levou pro Rio. Uma fita dessas que
esses otários de hoje em dia não sabem usar. A história é narrada por um preso
da época da chacina. Quando Brou chegou a Penha, escreveu toda a letra da
música com a ajuda do toca fitas. Ele levara quase dois dias para escrever
aquele número enorme de frases. Um amigo mais chegado pediu a letra: qual é Brou,
me empresta aí pra eu copiar? Brou emprestou e ele guardou no bolso. Quando Brou
foi cobrar a letra, o amigo chamou à mãe a janela e perguntou a ele olhando
para a senhora: Brou, aquilo não é uma letra de uma música? E Brou respondeu:
sim, por quê? E a mãe logo o cortou dizendo: vocês combinaram isso! Só depois
com a família reunida que a sobrinha cantou a música para a tia. Um homem na
estrada recomeça a sua vida... Mas aí era tarde. A mãe já havia chorado
pensando que o filho era bandido, e que recebia cartas da cadeia. Pois ela havia
encontrado uma delas quando foi lavar sua roupa.
domingo, 11 de dezembro de 2011
O Dia Em Que Samuel Nasceu
Samuel nasceu num sábado. E fazia um solzinho desses que teima aparecer. Ele pensa que
sábado é melhor que domingo. Pois no domingo a gente só pensa em acordar cedo
na segunda-feira. E teve bandinha de música e tudo. Um tio policial militar
trouxe a bandinha. Embora Samuel tenha medo de polícia, atualmente. Ele nasceu
naquele hospital que fica numa ladeira próxima a sua casa. Samuel não se lembra
da enfermeira. Nem do médico ou de como eles eram. E olha que o seu nome é uma
homenagem ao médico que o puxou cá pra fora. Mas sempre que sente cheiro de
éter e ele vê paredes brancas se lembra do hospital. E diz isso a mãe que
responde dizendo: é mesmo... você se lembra do dia em que nasceu? Nossa que
menino inteligente!
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Deus Tem Uma Conta No Bradesco
Eu tô travado ali. Olhando a tevê. Não tenho tevê a cabo. E nem
tenho gato. Então fico ali. Mas na verdade é só na hora em que eu tô comendo. Porque
não consigo assistir televisão. Ela me faz mal. Ainda mais naquela hora em que
você acorda com a cabeça fresquinha, e eles começam a informar quem morreu. Televisão
de manhã faz mal. Você tem um sono tranqüilo e acorda com toda a desgraça do
mundo caindo na tua cabeça. Não dá pra começar o dia assim. E se continuo
assistindo, daqui a pouco tô com medo de sair na rua. É uma péssima oração para
se começar o dia. Eles não dizem que alguém nasceu feliz da vida.
Ou que acontecem coisas legais também. E a exceção para eles é sempre a regra.
Mas bater na televisão é bater em cachorro morto. Eu não acho que seja o meio, e sim o que fizeram dele. Igual qualquer coisa na vida. Não tenho nada contra a
televisão. Apenas prefiro outras coisas. Se tiver algo que me agrade eu
assisto. Igual agora que não consigo me desvencilhar daquele cara. É um pastor.
Já tentei assistir outra coisa. Eu pulo os jornais. Num canal tá uma atriz falando
de sua vida, e num outro um cantor sertanejo falando de sua vida. E a vida
deles é muita chata. Agora o pastor me pede para depositar o dízimo, e mais dez por cento da oferta. Então calculo esse valor de
acordo com o salário mínimo, e chego à conclusão de que é muito. Assim como é muito para um livro, um show, ou uma peça de teatro. Aí ele começa a dizer que essa
conta é de Deus. Para a obra dele. E eu não consigo parar de rir pensando que
Deus tem uma conta no Bradesco.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Músicos e bebida: Mistura Explosiva!
O meu avô era um músico-bêbado. Eu sou um artista-vagabundo. Mas
fui intitulado assim contra a minha vontade. Não consegui ser um bêbado. Mas
quem sabe algum dia seja promovido. O meu avô era analfabeto. Eu sou
semi-analfabeto. O meu avô nunca foi à escola. Eu fui expulso de lá. Ele saia
para comprar pão e voltava três dias depois com uma rosa na boca. E a minha avó
dizia: eu vou te fazer engolir essa rosa! Eu não tenho coragem de desafiar minha
mulher desse jeito. Medo. O meu avô era autodidata. Eu sou também. Sem a mesma
eficiência, é claro. Ele ensinava todos os instrumentos para todo mundo. Aquele
ouvido do bruto era perfeito. Existe uma lenda de que ele lia partitura, e outra de que era amigo de Mário Reis e Francisco Alves. Não tenho como provar nada disso. Pois
a fonte é um filho mais velho e fã. Quando assisti o caminhar mareado de Jack
Sparrow, lembrei-me dele. No dia em que meu avô deu uma banana pra gente, eu me
sentei com a minha prima gorducha no meio-fio. E a melhor lembrança era aquela
em que nos levava para andar por aí. Ele tirava o chapéu para cumprimentar todo mundo. E
eu dizia: quando crescer, eu quero ser igual a esse velho! Que ironia, não?
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Corredor Polonês de Crente
De longe ouviu a gritaria. O senhor vai voltar. Acha aquilo
estranho, mas continua andando. Vê uma porção de homens de terno e senhoras de
vestidos longos. Caixinhas de som, e entrega de folhetinhos. Recebeu um da mão
de uma senhora com cara de ralei muito. Numa mesa um bandido estava sentado com
todo o produto. E o outro em pé ao lado dele. Não entendeu aquele corredor
polonês de crentes na rua da boca. Pó de cinco. Maconha de dois. Era o que o
vapor gritava. Da mesma maneira que eles gritam naquelas filmagens de câmera
escondida na tevê. E ele disse: maconha de dois. E aí foi jogar o folheto fora,
na lata de lixo próxima. O bandido com um boné de NY disse: não faça isso! Não
fez. De repente surge um moleque que fazia a contenção no beco e grita: pastor,
hoje eu não tô bem, me dá uma luz! O homem de terno põe a mão na cabeça do
rapaz. Ele pega a maconha e quando vai sair, o outro moleque diz: qual é? Não
pode sair agora não, é falta de respeito, ô! O cara fica por ali e pensa que vai
chegar atrasado ao trampo de segurança.
sábado, 26 de novembro de 2011
Plano de Saúde
Não tenho dinheiro. O meu trabalho é uma droga. Ninguém vai com a minha cara. O mundo é uma merda. Eu pensava todas essas coisas. Depressão. Não conseguia me concentrar na formiga subindo a parede. Dor no estômago. É a ansiedade quando sufoca. Então disse a mina: tô ansioso. E ela: vamos ao médico, essa merda mata! Entrei. Clínico geral. Branco. Cabelos grisalhos. Sessentão. Ele me pergunta: senhor, qual é a tua doença? E eu: ansiedade. Ele me olha irritado. Depois diz: tem que ir num psicólogo! Então respirou e refez a pergunta: senhor, o quê está sentindo? Ansiedade. E ele: tira a camisa e deita ali naquela cama. Eu deitei. O homem de branco colocou uns fios em mim. Ele olha um aparelho e conclui: tudo bem. Eu levantei. Ele anotou umas coisas e disse: faz esses exames aqui. Apertou a minha mão, e bom dia. Eu fiquei com cara de ponto de interrogação, esperando que o médico se desculpasse, ou que me pedisse para voltar. A minha ansiedade aumentou. A minha autoestima diminuiu. E acho que na volta para casa me senti pior.
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