Assis
Chateaubriand era um homem malvado. Depois de ler o livro pensei como alguém
tão ruim que mandou um dos seus jagunços capar um homem com um tiro pôde fazer
coisas tão boas? Assim como Getúlio Vargas seu amigo/inimigo, que segundo o
mesmo Fernando Morais no livro Olga, teve a coragem de enviar uma mulher
grávida para os nazistas a mandarem para a câmara de gás. Após isso, o pai de seu
filho, Luís Carlos Prestes, herói dos comunistas nacionais, subiu no mesmo
palanque ao lado de Getúlio Vargas. Tudo em nome da política!
Chatô
revolucionou os jornais no Brasil com os seus Diários Associados. Ainda
adolescente cutucou a maior sumidade nacional, o Águia de Haia, Rui Barbosa.
Quando foi da província paraibana para a antiga capital, o mundo teria sido
alertado pelo Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, ao vaticinar que todos deveriam
tomar cuidado com ele, pois aquele rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro só
estava interessado em poder. E não deu outra. Chatô se tornou o homem mais
poderoso do Brasil, a ponto de uma lei ser criada por Getúlio – a “Teresoca”
- para que ele pudesse tomar da sua antiga esposa, a filha que não estava registrada em seu nome; em represália por
ela o ter traído depois de praticamente ter sido abandonada por ele.
Chateaubriand
construiu o seu império atropelando os seus inimigos. Um desafeto poderia ir
parar na capa do seu jornal com algum crime inventado. O mesmo tratamento era
dado a um simples concorrente ou a alguém que simplesmente não anunciava os
seus produtos em nenhum de seus veículos, como era o caso de Francisco
Matarazzo um dos homens mais ricos do Brasil à época. E a quem Chatô não queria
pagar o valor cobrado do aluguel de um prédio onde funcionava o seu jornal, o
homem era achincalhado com mentiras diárias.
Mas
Assis também criou o MASP – Museu de Arte de São Paulo. Fundou o primeiro canal
de televisão, a extinta TV Tupi, e inúmeras estações de rádio, além da
antológica Revista Cruzeiro. Empregou e deu chance para que muita gente
boa renovasse as telecomunicações brasileiras. Pessoas às quais muitas vezes sem
pagar o preço devido. Entre os seus feitos está uma campanha para o
aprimoramento das escolas de aviação no Brasil. Embora tudo que fizesse fosse
polêmico e recheado de acusações de desvios de recursos. O homem até criou uma
campanha para beneficiar a infância.
Num
de seus caprichos Assis Chateaubriand quis ser diplomata. Conquistou a promessa
do estimado Juscelino Kubitscheck em campanha – com a ajuda de parte da reserva
moral do país: Tancredo Neves – em troca de apoio. E lá foi ele ser diplomata. Numa
carta da diplomacia inglesa, é dito que Chatô desejava conhecer a rainha depois
de uma tentativa frustrada em sua coroação. Tudo isso com um inglês deficiente.
Não há como não lembrar do filho de Bolsonaro.
Talvez por inveja Chatô tenha odiado tanto o
seu filho Gabriel, apesar de sua aparência física não deixar dúvidas, ele
dizia não ter uma gota de seu sangue. O filho era diplomata de carreira,
respeitado no “circuito”. Bastante doente e debilitado em uma cadeira de rodas,
o pai ainda o acusava de ser um meliante, segundo palavras do próprio
Chateaubriand, que no final de uma briga queria que Gabriel devolvesse um
quadro com o qual foi presenteado.
Certa
feita cismou que seria senador da república de estados onde mal punha os pés,
como em sua Paraíba, e no Maranhão. Depois de eleito nem sequer se dava ao
trabalho de ir até à terra daqueles que o elegeram.
Chatô,
mudava de opinião como quem muda de roupa, e agia de acordo com os seus interesses,
embora desse um tom ideológico às suas atitudes. Um dia ele pegava em armas
para lutar ao lado de Getúlio e no outro queria o derrubar. Um dia era a favor
da ditadura e no outro estava defendendo um antigo inimigo comunista russo por
causa da “diplomacia”. Para ele parecia servir a máxima, os inimigos de meus
inimigos são meus amigos. No fim da vida reatou com gente que dizia odiar. Muitas
delas foram prejudicadas por sua fúria.
Assis
Chateaubriand era um tarado que chamava divorciadas inimigas suas de devassas.
Ele catava mulheres simples na rua, em pontos de ônibus, e as dava carona em
seu carro de luxo. Mesmo que aparentemente não possuíssem nenhum atributo físico
especial. Em sua fase cadeirante, depois de duas tromboses, quando segundo os
médicos a ele só restava o sexo oral; mal conseguindo articular as palavras,
sabendo que um de seus jornalistas havia sido assassinado por um pedreiro
mineiro, de quem desencaminhara a filha de 15 anos. Com o homem preso e o empregado
morto, Chateaubriand fez com que buscassem essa menina na favela em que morava nas
Minas Gerais e a levassem num avião para a sua mansão em São Paulo, pois queria
saber o que ela fez sexualmente para encantar o seu jornalista. Mas ao se ver
decepcionado mandou a menina de volta para casa.
Impressiona
como Assis Chateaubriand conseguia transformar uma briga de família numa
crônica memorável. Embora fosse preconceituoso, as suas tiradas e frases de
efeito, os apelidos que punha em seus contemporâneos, seu jogo de palavras, eram
inteligentíssimos. Em campanha ele dava discursos ininteligíveis para algumas plateias
atônitas. Ia falar com homens simples do interior e começava a discorrer
sobre filosofia. Chatô em sua juventude aprendeu alemão; autodidata, ganhou uma
biblioteca inteira com livros na língua germânica.
Chatô,
O Rei do Brasil, lembra O Anjo Pornográfico de Ruy Castro sobre Nelson
Rodrigues, que inclusive escrevia em seus jornais. Existe semelhança nas acidezes
de ambos em seus textos. O leitor comum de jornal era um privilegiado. O homem
da rua que lia o jornal no trem a caminho do trabalho. Talvez por isso que no
tempo da escassa, mas boa educação pública brasileira, e dos grandes jornais
populares, era possível encontrar pessoas comuns com o pensamento articulado e a
caligrafia impecável.
Assis
Chateaubriand é um personagem de seu tempo. Não haveria lugar para o seu texto
no mundo de paranoia e censura moral que vivemos; mesmo no ocidente, e depois
do maio de 68. Além do mais ninguém tem tempo para ler. No planeta de aparelhos
eletrônicos e mensagens de palavras reduzidas. Assim como eu duvido que alguém
leia este texto até o final.
Referências:
Chatô:
o rei do Brasil, a vida de assis Chateaubriand / Fernando Morais. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
O
Anjo Pornográfico / Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Olga
/ Fernando Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.