sábado, 25 de fevereiro de 2012

É um Mentiroso!

Não lembro exatamente quando ele começou mentir. Mas me lembro de ouvir alguém dizer: ta mentindo. No começo pensei que ele tivesse apenas contando uma vantagenzinha. Normal. Então de repente aquilo se tornou uma obsessão. E nessa altura do campeonato as pessoas se perguntavam: porque mente, tanto?! Os amigos ricos e imaginários se multiplicaram em suas estórias. E as beldades também. E se você dizia ter ido a algum lugar. Ele também tinha ido lá. Se você dizia ter feito algo. Ele também havia feito. E alguns diziam: é esquizofrênico! Mas o pai bufava: se fosse maluco não me pedia dinheiro! Até que veio o dia fatal. Ele tava falando com alguém muito importante no celular. Como sempre tava falando com alguém muito importante no celular. Eis que de repente o telefone toca. Toca em seu ouvido. E toda a plateia fica sem graça, por ele. E eu tive a certeza: é um mentiroso!

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Um ou Dois Contos

Eu tava na casa dele. E lá é tudo sujo, jogado e quebrado. Ele mora num buraco e trabalha varrendo aquelas ruas sujas. Do lado de fora existe um armamento pesado de guerra. Crianças, mulheres e homens que vivem no meio do lixo em função do deus crack. E meninas que se prostituem por um ou dois contos. Roubam qualquer coisa. Comem qualquer coisa. E sempre me lembram zumbis sem vontade própria. Quem me levou naquele lugar não interessa mais. E sim a propaganda que fez sobre aquele homem. O barraco parecia uma casa de ópio de tanta fumaça. Eu li parte do meu livro pro homem que ouviu com o olhar mais sereno que já vi. Nunca ouvi um silêncio tão respeitoso. E o riso no canto da boca e dos olhos era de quem tava gostando muito. Todo homem do pensamento é assim igual a você, ele disse. Não entendi a frase, mas senti que era algo maravilhoso vindo de quem vinha. E respondi: tem o lado bom de quase ninguém ter acesso ao que eu escrevo, ou ouvir as minhas músicas; que assim eu posso fazer aquilo que realmente gosto de fazer. Ele disse: é isso aí. Temos que fazer o que deve ser feito. E me olhou como se a gente não tivesse conversando em clichês. Logo assim que entrei naquele ambiente pensei que ele não devia ter nada a me dizer. E ele não me disse quase nada. Mas fiquei com a sensação de ter conhecido um homem sábio. E não entendi aquela serenidade no meio daquele inferno.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Quatro Cervejas Bem Geladas

Eu tava no fundão do ônibus. Vinha meio sonolento nesse calor dos diabos que ta fazendo no Rio. Quando olhei pro lado. Pra fora da janela. Vi aquilo que parecia parte do sonho que tava tendo. Era, ela, mesma. Sentada numa mesa as três da tarde do horário de verão. Nada de anormal. Desci do ônibus puto e corri em direção ao boteco que fica naquela praça perto do hospital. Eu perguntei a ela: que porra, é essa? Ela respondeu: cerveja. Ela tava sozinha. Eu tentei olhar em volta pra ver se existia alguma explicação praquilo. Olhei pro atendente que passou a toalhinha no rosto pra limpar o suor. Ele nem me deu bola. Eu disse a ela: garota, quatro garrafa, já?! E ela: quem é você pra falar? Ela se referia ao baseado encontrado no quarto da minha mina. Eu tava vindo do trabalho, cansado, sujo, suado. Ela tava de camisa da escola. Eu disse: e-a-porra-da-escola? E ela: eu matei aula. E completou: a tua mãe sabe. E grogue repetiu: quem é você pra falar? E passou o batom na boca. Essa situação era pra ser normal. Se ela não tivesse apenas catorze anos. Eu desisti e fui andando por aquela rua da academia.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Rei do Passinho

Um dia eu fui cantar e tinha um grupo de moleques se apresentando com a dança do passinho. No começo achei aquilo forçação de intelectuais da zona-sul querendo fazer média com o povo. A minha mina falou: nada de diferente, eles só misturam os estilos. Eu falei: verdade. Mas aí surgiu um moleque. Ele dançava, passava a mão na barriga, imitava uma bicha afetada, e sorria pra todo mundo. E todo mundo sorria pra ele. E eu e a minha mina aos poucos fomos quebrando a carapaça, e começamos a sorrir também. Ela disse: legal. Ele sorria pra todo lado, como se aquilo que tava fazendo, fosse à coisa mais maravilhosa do mundo. E era. E ele tava ali no lugar certo, e na hora milimetricamente exata. Era provavelmente um cara que dançava porque a coisa que ele mais gostava de fazer era dançar. E naquele dia deu uma inveja danada da alegria do moleque. Por ele ser realmente O Cara. E por todo mundo gostar realmente dele. E eu nem sabia que ele era tão conhecido assim. Outra vez fui cantar. Ele fechou o evento, mas não fiquei sabendo. Saí antes. Dias depois vi os jornais nas bancas e reconheci a foto do figura. Se você é jovem, negro, e pobre como eu, sabe muito bem que o Brasil é um país perigoso para se viver. Ainda mais pra gente. As estatísticas comprovam isso. Então ninguém mais se choca com esse tipo de coisa, como dizem. Até porque gente como ele, que ninguém conhece, é assassinada aos montes. Mas confesso que quando ouvi aquele funk no YouTube, no dia seguinte, dizendo: já bateu saudade, hein! Porra, maior saudade, maior saudade do Gambá... vi uma lágrima descer no reflexo da tela do computador. Mas isso não deve ter muita importância. Que nem nossas vidas.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Segundo Piso do Shopping

Ela olha do segundo piso do shopping. E sabe que o velho com tufos de cabelos nos ouvidos, terno preto, e carteira recheada está à sua espera. Ele e aquele rapaz andrógino que parece não querer estar ali. E que logo, logo, fará coisas às quais parece não querer fazer. Mas que sempre, faz. O carro é longo e preto. Ela lembra do noivo que está em casa, tão doce ao telefone, igual um personagem de uma comédia romântica. E pensa no casamento. Quando a amiga ameaça falar, ela diz: já tô indo.