sábado, 28 de maio de 2011
Canastra
Repartição pública. A loura chega. Cabelos curtos. Tatuagem nas
costas. Cara de mulher fatal. Gostosinha. Ela dá um beijo no rosto daquele
preto, magro e boa pinta com cara de falador. Eu penso. Canastra. Todo mundo
percebe que a loura ignora os outros colegas de trabalho. Ponto. Outro dia. O
preto grita meu nome. Eu levanto o dedo. Ele diz: chega mais! Eu sento em
frente a ele que me diz: vocês adoram dar trabalho pra gente! Quando ele diz
“vocês”, se refere a esse bando que sonha com o café que está na mesa da
atendente. Entra uma menina em cena. Bonitinha. Nada demais. Cara de igreja. Se
casar vai trepar uma vez por semana depois da novela. Estagiária. Ele diz: é
ruim ficar em pé, né? E ela: é, é ruim. Na seqüência ele pergunta: o quê você
vai aprontar fim de semana? Ela diz: nada, eu não tenho dinheiro, chego
cansada... E ele diz: eu também não tenho dinheiro, não... Eu penso. Canastra.
quinta-feira, 26 de maio de 2011
Idade Avançada
Ela olhou para o moleque e não acreditou. Perguntou apenas: qual é
a tua idade, moleque? Ele disse: quinze anos. E jogou os olhos para baixo que é
como esses moleques sempre fazem. Ela disse: você sabia que eu tenho idade para
ser a tua avó? E ele bufou como quem acha a pergunta desnecessária. E ela
disse: por que você não procurou uma mulher mais nova? Silêncio. Mas ela falou:
tudo bem, eu tô precisando de dinheiro mesmo! E ele ansiosamente perguntou:
qual é a tua idade? E ela: eu tenho idade avançada!
terça-feira, 24 de maio de 2011
Respirando De Canudinho
Ela entrou no elevador. Ela não ia falar com ele. Não mais. Ele
pensou que o ascensorista talvez estivesse pensando que eles não se conheciam,
e em como a vida de ascensorista é chata. O dia todo: Sobe. Desce. Essa
profissão devia ser banida por subestimar a inteligência do ser humano. Ela se
comportou como mulher e aguentou bem a pressão fingindo não o conhecer. Ainda
brincou com a bola como fazem os craques, se olhou no espelho e viu como estava
o cabelo. Ele estava respirando por canudinho, e tinha vontade de bater,
xingar, gritar, esganar a filha da puta. Quando o elevador chegou ao andar, ela
saiu tranquilamente mexendo na bolsa. Ele foi para o corredor lateral e deu
aquele respiro de alívio que quase derrubou o prédio.
sábado, 21 de maio de 2011
Acabou a Televisão de Cachorro
O Moleque falou para a Menina: esses programas de tevê são legais.
A Menina disse: você gosta? O Moleque respondeu: gosto. E a Menina: mas do quê
que você gosta? E ele: das comidas que essa loura faz. E a Menina respondeu:
essa loura é legal, né? E ele: pode crê Loura maior legal aí, Loura legal de
monte! A tevê era dessas que ocupam uma parede inteira da sala e que deixam as
pessoas pequenas em sua frente. Quando surgiu um homem com cara de pai do fundo
da loja e meteu a mão no botão. O homem disse: acabou a televisão de cachorro,
circulando, circulando... O Moleque falou: vamos tentar arrumar algum dinheiro.
E a Menina: eu quero comer alguma coisa. Eles saíram aspirando a substância que
os levava para o mundo em 6d. E mesmo fazendo calor eles têm que carregar seus
cobertores.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
O Cara Magro de Cabeça Raspada
Eu tava com medo de ficar com eles na praça, aí o Cara Magro
disse: cara eu não tô fazendo nada de errado, se ligou? A gente não tá fazendo
nada de errado, a gente paga imposto, se ficar se escondendo é pior. Os outros
dois não deram a mínima para o quê ele disse e continuaram com aquele assunto
sem importância. Nós íamos andando em direção ao ponto de ônibus. Quando o
busão chegou, eu paguei a minha passagem e fui me sentar atrás. Mania. E o Cara
Magro de Cabeça Raspada falou: cara porque você tá indo para o fundo? Vocês
sempre vão para o fundo, vamos sentar aqui na frente, senta aqui na frente, tem
lugar aqui, isso me agride... Isso é agressivo, cara! Os outros dois olharam
para ele como se fosse maluco, mas sentaram e deram um gás no papo. Eu fiquei
sem graça e me sentei na frente. Os outros passageiros ficaram nos olhando sem
entender nada.
domingo, 15 de maio de 2011
O Dia do Livro
No dia seguinte ia rolar o dia do
livro e eu estava tão ansioso que não consegui dormir e saí catando livros pela
cidade. Sempre que está próximo ao dia do livro os sebos e as livrarias fazem
isso, aumentam o preço dos livros. A cidade fica intransitável. Todo mundo sai
às ruas para comprar livros. Isso gera engarrafamentos e quem tem carro não
encontra lugar para estacionar. Ninguém consegue andar nas calçadas. Os
bandidos começam a roubar nos pontos de ônibus e dentro deles também. A minha
tática era sair com um aspecto miserável e colocar tudo dentro de caixas velhas
de papelão e ficar parecendo um mendigo andarilho, um louco qualquer, que é o
quê eu realmente não sou. Passei o dia todo suando e dizendo: hei, me ajuda
aqui! No dia do livro as pessoas ficam mais felizes. Eu olho para os seus
semblantes e elas estão mais leves e é essa mesma leveza que elas têm nas filas
de cinema sábado à noite. As que freqüentam cinema é claro. Todo mundo prepara
a ceia durante horas e quando dá meia noite pipocam os fogos. Eu fui dormir
tarde, mas acordei cedo e sai. O dia amanheceu com sol, esse ano não choveu
como previsto. Um senhor que estava com a casa aberta me chamou. Fui logo
olhando os livros e vi um que procurava entre os outros na sala, e ansioso
disse: eu tenho esses aqui. Ele chamou a menina pretinha de coque na cabeça e
disse: aqui minha filha, aquela série que você gosta! Os olhos da menina
brilharam. E os meus também.
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Barrado na Academia Brasileira de Letras
Um
almofadinha desses que apresentam jornal na hora do almoço me disse que ia
rolar um debate sobre funk e hip-hop na ABL. Como eu estava indo para o centro
da cidade resolvi dar uma passada por lá. Chegando ao local nenhum conhecido, e
sim uma porção de crianças com camisas da maior ONG de hip-hop do Brasil. E
pretos seguranças de terno preto. Entrei ressabiado, pois tenho medo de locais
chiques. É uma coisa que nós pretos suburbanos latino-americanos temos, apesar
das campanhas pela auto-estima. Um DJ conhecido meu acenou para que eu chegasse
mais. E aquele papo de sempre: e aí como é que tá o rap? Legal tá indo bem.
Quando o chamaram para retomar o trabalho fiquei só e frustrado no meio
daquelas crianças. Resolvi que não ficaria por ali, pois não havia nem sinal de
que o debate fosse começar. Avistei uma porção de jovens brancos e legais
desses que lidam com a cultura e fui para o meio deles, pois estava realmente
constrangido de ser o único adulto próximo aquelas crianças. Quando o segurança
preto percebeu que eu estava perto da rapaziada sem crachá, ele veio até a mim
e me perguntou: você é da ONG? Eu disse: não. E ele: então o senhor não pode
ficar aqui. E eu disse a ele: então eu vou embora! Engraçado que eu fui barrado
na ABL não pelo meu péssimo português e sim pela cor do meu texto. Quem sabe se
eu usasse outra fonte...
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