Bukowski entra no "chinês" para comprar uma lâmina nova. A equipe de alunos da ESTA o persegue com o equipamento em punho.
- Eh, pá, o que vocês estão a filmar?
A octagenária pergunta.
- Este senhor.
- E por que isto?
- Ele é escritor...
- Oh, pá, eu não sabia que este senhor é escritor. Eu o vejo todos os dias!
Bukowisk sorri. Um puto de óculos diz:
- Corta! Temos de trocar a bateria.
Ao ver as fotos da semana das crianças eu pensei sobre os amigos que eu conheço há décadas e cheguei à conclusão que a imagem mental que tenho deles está congelada no passado. Inclusive sinto dificuldade em reconhecer alguns que estou tempos sem encontrar quando me adicionam. Sempre que penso me vem o retrato de como eram na época. Não consigo identificar as pessoas como tendo a mesma idade que eu. Mesmo que sejam avôs e avós de barbas e cabelos brancos. Até na fala, quando converso com a minha esposa e cito alguém eu digo: "Aquele moleque..." ou "aquela menina.." E sempre me corrijo. Seria bom permanecer jovem para sempre como nas minhas fotografias internas? Ou como pergunta a música: "Forever Young... I want to be forever young... Do you really want to live forever? Forever young...?"
Encontrei Salinger no Continente:
- E a escrita?
- Eu tenho escrito nas paredes, guardanapos, cadernos, redes sociais... e pilhas de livros no computador.
- E o papel depois dos holofotes do prêmio?
- Eu vou conseguir novamente.
- Se for um escritor de verdade irá continuar a escrever mesmo que não consiga publicar.
Fomos interrompidos:
- Senhor... contribuinte na nota?
Eu saí da igreja católica com um amigo e nós fomos para a macumba porque ele me convenceu que lá era melhor. Aí ele concluiu que ser evangélico era o verdadeiro caminho da salvação. Eu decidi não seguir mais nada, ele ficou com raiva de mim, e a nossa amizade acabou. Eu tinha uma amiga e nós éramos do mesmo grupo anarquista. Ela me convenceu que a revolução seria feita pela esquerda, e eu entrei no PT com ela. Eu decidi largar o PT e ela foi ser bolsonarista. Perdi outra amizade. Se amanhã eles decidirem mudar novamente eu terei de ir atrás deles? Eu não... estou cansado. E além do mais eu descobri que não tenho certeza de nada.
Todo mundo teme o psicopata de filme americano. Mas e esse psicopata do dia a dia que nunca chegará às vias de fato? Esse que faz amizade rápido e está sempre disponível no início. Ele com a sua atitude muito educada, o seu sorriso no rosto e a sua exuberante felicidade, mas por baixo dos panos puxando o seu tapete. E quando você reclama ele diz: "Fulano é tão esquentado!" Ele é o par romântico por quem você se apaixonou e não percebeu que era bom demais para ser verdade. É o seu amigo de trabalho que se adiantou e te deixou no vácuo no meio da chuva. Ele pode ser alguém da sua família ou o sacerdote da sua religião. Normalmente eles se dão bem na vida, já que não perdem tempo com sentimentalismos, o que é sempre uma boa estratégia nesses casos de dinheiro. Quer aprender a identificá-lo? Leve mais tempo para conhecer as pessoas. Aceite que nada pode ser tão bom e que ninguém pode ser tão perfeito. Pois nós seres humanos somos falhos, a vida não é um conto de fadas, e temos de lidar com isso ao invés de nós almejarmos uma falsa perfeição que só irá nos prejudicar.
Encontrei um popular no Pingo-Doce:
- E aí... não posta mais minicontos?
- Nas redes apenas crônicas.
- Ih... a realidade é maçada, hein?
- Tem razão. Vou postar alguma coisa.
- Quando postar avisa. Pois esses algoritmos...
- OK. Pode deixar.
Ele foi para a seção dos vinhos e eu fui à procura do meu detergente.
A burrice é um problema de saúde pública mundial. A OMS precisa estar atenta a isso. Não confunda burrice com o analfabetismo que chega a ser poético quando um indivíduo nem sequer pensa na possibilidade de caminhar quilômetros no sol para ir bocejar numa escola e prefere arrancar o seu sustento da enxada. Existe analfabeto sábio por sua parcimônia para ouvir. Falo da burrice voluntária que se abateu sobre o mundo com o advento das novas tecnologias. Essa burrice que faz com que o sujeito não suporte a solidão de sentar a bunda sozinho e ler ou presenciar uma aula de cinquenta minutos sem ficar entediado. Ele vai ao YouTube assistir a um tutorial de cinco minutos sobre o assunto e saí de lá vomitando opiniões a torto e a direito com a certeza de ser um novo Sócrates. A burrice está relacionada à preguiça. Mas não àquela dos vagabundos que ocupavam as esquinas do passado, pois esta era muito mais lúdica e criativa. Os burros mais velhos num culto à burrice das novas gerações dizem: "É a geração deles... Eles são assim mesmo!" Enquanto isso ambos acreditam que são mais inteligentes que toda a história da humanidade, quando na verdade quem "sabe tudo" é o Google, e não eles.