Na canção Gaudí da cantora de rap portuguesa
Capicua, é possível sentir o mal-estar na civilização do mundo pós-moderno e
líquido em que vivemos. Tudo se desfaz e desmorona. A solução está longe de ser
aquela apresentada pelo capitalismo e consumismo no qual vivemos e do qual não
conseguimos fugir. Estamos afundados numa bolha de marketing digital consumidos
por ela e por suas exigências de mercado.
Não há mais como ser original. Não adianta tentar
vender um novo estilo de vida. É o fim das esperanças e das ideologias. A protagonista
da letra se vê num emaranhado de relações que não escolheu; às quais vai sendo
levada e quando percebe é alcançada pelo tédio de toda a expectativa da era da
ansiedade. Ela correu atrás de tudo e de todos; das “curtidas” à projeção
pessoal e no final não alcançou à tão sonhada satisfação permanente.
As relações são superficiais. O mundo é superficial. As
fronteiras não são as mesmas de antigamente, como aquela que delimitava se nós
seríamos originais ou não. Tudo é vendido e comercializado. Tudo é moda e toda
moda é passageira. O seu tempo, o seu sono, e até a comida que você come
corresponde à sua persona criada ou inventada. Sobra um resquício de si. A
projeção distante do que poderia ter sido. Não há mais o que inventar.
As notícias são falsas porque o mundo é falso. E se
antes nos identificávamos com as nossas mentes e com os nossos pensamentos,
agora não passamos de joguetes de um espelho onde tentamos interpretar a nós
próprios. Sofremos da síndrome do impostor. Do pensamento acelerado. Isso nos
consome porque não há saída. Ou a pessoa se faz de tola e finge que ainda
existe rebeldia possível, ou ela aceita ser apenas um código de barras.
A ansiedade nos leva aos vícios e a ficar na cama
prostrados como ela diz. Alguns não conseguem se movimentar e simplesmente
travam. Pois cansaram de trocar as suas máscaras sociais. O ansioso faz tanto e
de um momento para o outro chega à exaustão e simplesmente não consegue se
mover. Acaba. Nessa hora é preciso morrer um pouco para não desfalecer
completamente. Até que surja o próximo guru ou remédio com o alívio.
Não convivemos com as nossas limitações. Não
conseguimos ser comuns. Nós, uns vendemos aos outros vidas especiais e tremendamente
sublimes, mas não há espaço para todo mundo. Nem todos andarão no tapete
vermelho da festa do Oscar. A maioria esmagadora terá de ficar de fora. Para
que os ricos, bonitos, e felizes possam acordar todos os dias e aproveitar,
pessoas comuns e feias tem de fazer o trabalho sujo de limpar as privadas.
E qual é a solução? O problema numa perspectiva
realista; importante frisar, não é pessimista, não há solução. Pois nunca
houve, a vida sempre foi assim, e continuará sendo durante toda a eternidade.
Porque nós temos uma ou duas coisas que podemos fazer debaixo do sol, sobre a
terra, o resto é correr atrás do vento como dizia o profeta. Ninguém vai sacar
da cartola uma solução mágica e resolver o problema de “ser humano”.
Nós somos limitados no âmago. Não adianta conquistar
Marte. Esta é a única constatação, nós não fazemos diferença alguma para a
natureza, e na hora que ela quiser nos chutar daqui ela nos chuta. E ninguém
vai nem notar a nossa falta. E os grandes homens do passado da humanidade?
Podem ter influenciado muito ou ainda influenciar, mas se nos pusermos num
ponto de vista materialista, hoje eles não passam de adubo.
Então fazer o quê? Desistir? Ir morar numa cabana?
Meter uma bala na cabeça? Não, nada disso vai resolver. Mas ter consciência de
que não é tanto nem tão pouco pode ajudar bastante. És um sortudo por respirar
e poder conhecer esta vida apesar dos pesares. Capicua foi certeira em sua
divagação. Pena que no meio do excesso de informação que circula no mundo, a
profundidade de sua poesia possa passar despercebida.
Talvez assim como a protagonista da música, a solução
seja ocupar a mente, ou fazer arte como ela propõe no refrão, para sublimar o seu
sofrimento ela vai juntar os seus caquinhos e fazer um Gaudí.