terça-feira, 27 de abril de 2021

O Gaudí da Capicua

Na canção Gaudí da cantora de rap portuguesa Capicua, é possível sentir o mal-estar na civilização do mundo pós-moderno e líquido em que vivemos. Tudo se desfaz e desmorona. A solução está longe de ser aquela apresentada pelo capitalismo e consumismo no qual vivemos e do qual não conseguimos fugir. Estamos afundados numa bolha de marketing digital consumidos por ela e por suas exigências de mercado.

Não há mais como ser original. Não adianta tentar vender um novo estilo de vida. É o fim das esperanças e das ideologias. A protagonista da letra se vê num emaranhado de relações que não escolheu; às quais vai sendo levada e quando percebe é alcançada pelo tédio de toda a expectativa da era da ansiedade. Ela correu atrás de tudo e de todos; das “curtidas” à projeção pessoal e no final não alcançou à tão sonhada satisfação permanente.

As relações são superficiais. O mundo é superficial. As fronteiras não são as mesmas de antigamente, como aquela que delimitava se nós seríamos originais ou não. Tudo é vendido e comercializado. Tudo é moda e toda moda é passageira. O seu tempo, o seu sono, e até a comida que você come corresponde à sua persona criada ou inventada. Sobra um resquício de si. A projeção distante do que poderia ter sido. Não há mais o que inventar.

As notícias são falsas porque o mundo é falso. E se antes nos identificávamos com as nossas mentes e com os nossos pensamentos, agora não passamos de joguetes de um espelho onde tentamos interpretar a nós próprios. Sofremos da síndrome do impostor. Do pensamento acelerado. Isso nos consome porque não há saída. Ou a pessoa se faz de tola e finge que ainda existe rebeldia possível, ou ela aceita ser apenas um código de barras.

A ansiedade nos leva aos vícios e a ficar na cama prostrados como ela diz. Alguns não conseguem se movimentar e simplesmente travam. Pois cansaram de trocar as suas máscaras sociais. O ansioso faz tanto e de um momento para o outro chega à exaustão e simplesmente não consegue se mover. Acaba. Nessa hora é preciso morrer um pouco para não desfalecer completamente. Até que surja o próximo guru ou remédio com o alívio.

Não convivemos com as nossas limitações. Não conseguimos ser comuns. Nós, uns vendemos aos outros vidas especiais e tremendamente sublimes, mas não há espaço para todo mundo. Nem todos andarão no tapete vermelho da festa do Oscar. A maioria esmagadora terá de ficar de fora. Para que os ricos, bonitos, e felizes possam acordar todos os dias e aproveitar, pessoas comuns e feias tem de fazer o trabalho sujo de limpar as privadas.

E qual é a solução? O problema numa perspectiva realista; importante frisar, não é pessimista, não há solução. Pois nunca houve, a vida sempre foi assim, e continuará sendo durante toda a eternidade. Porque nós temos uma ou duas coisas que podemos fazer debaixo do sol, sobre a terra, o resto é correr atrás do vento como dizia o profeta. Ninguém vai sacar da cartola uma solução mágica e resolver o problema de “ser humano”.

Nós somos limitados no âmago. Não adianta conquistar Marte. Esta é a única constatação, nós não fazemos diferença alguma para a natureza, e na hora que ela quiser nos chutar daqui ela nos chuta. E ninguém vai nem notar a nossa falta. E os grandes homens do passado da humanidade? Podem ter influenciado muito ou ainda influenciar, mas se nos pusermos num ponto de vista materialista, hoje eles não passam de adubo.

Então fazer o quê? Desistir? Ir morar numa cabana? Meter uma bala na cabeça? Não, nada disso vai resolver. Mas ter consciência de que não é tanto nem tão pouco pode ajudar bastante. És um sortudo por respirar e poder conhecer esta vida apesar dos pesares. Capicua foi certeira em sua divagação. Pena que no meio do excesso de informação que circula no mundo, a profundidade de sua poesia possa passar despercebida.

Talvez assim como a protagonista da música, a solução seja ocupar a mente, ou fazer arte como ela propõe no refrão, para sublimar o seu sofrimento ela vai juntar os seus caquinhos e fazer um Gaudí.

Nenhum comentário:

Postar um comentário