sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Terra... (Pós-Apocalíptico)

De repente um estrondo muito forte. Alguma coisa preta bateu no carro. Jerry Lennox freou bruscamente cruzando a banheira na estrada. Só se ouve a música ao fundo. Juno Lee desliga o som. Fica em silêncio. Carrey Luna apura a audição. Dá para ver que ele movimenta as orelhas. Jerry Lennox sai do carro com a pistola em punho. Em posição de combate ele caminha em direção ao corpo estranho. É possível ouvir os seus passos. As suas botas batendo no chão. O grupo se entreolha. Ao se aproximar Jerry Lennox percebe que é o corpo de um urubu. Jerry Lennox levanta o urubu do chão. Ele cheira o animal, e fareja o ar... Jerry Lennox olha para Joshua Carter que freou a motocicleta depois do viaduto. Jerry Lennox olha para cima do viaduto de onde veio o ataque. Little Boniek faz um círculo no ar em cima dos garotos agachados. Um dos garotos, o que parece mais novo, olha para o céu... O que esta idiota pensa que está fazendo... Ele pensa sobre a pomba que vê no ar, voando alto. Joshua Carter dá a volta com a moto, e segue em direção ao retorno para subir o viaduto. Joshua Carter vê os dois garotos se movimentando. Ambos com barras de ferro nas mãos. Correndo em sua direção. O outro dá um berro, ah! Susan Boniek está na garupa da moto. Ela puxa a escopeta das costas como se fosse uma espada, e atira em direção aos garotos que correm desnorteados. Um dos tiros arranca o tampão da cabeça do garoto que vai para cima da moto cambaleando... Ele leva outro tiro de escopeta. Só que este no meio da barriga. Ele cambaleia até a mureta de proteção, e tomba do viaduto. O outro garoto parece não acreditar ao ver a mulher velha de cabelos prateados armada na garupa da moto. Ele olha para trás para dar uma última conferida na cena. Em desespero o garoto pula do viaduto, mas é interceptado no ar por um tiro de Jerry Lennox. O garoto dá um urro ao ser abatido. E cai em cima do outro garoto. Os dois formam uma imensa poça de sangue na estrada. Ao se aproximar dos mortos Jerry Lennox percebe que eles parecem irmãos gêmeos. Jerry Lennox e Joshua Carter arrastam os corpos dos garotos em direção ao carro. E quando eles abrem a mala do carro, o quê se vê são outros corpos esquartejados lá dentro. Igual à mala de um psicopata, pensa, Susan Boniek, Carrey Luna olha para ela... é como se perguntasse o quê... E as moscas zumbem em volta de sua cabeça. Carrey Luna tapa as narinas com os dois dedos da mão direita em forma de gancho e espanta as moscas com a mão esquerda. Jerry Lennox diz, divirta-se! Susan Boniek se aproxima novamente, e joga algo que parece sal em cima dos corpos. Carrey Luna fecha a mala do carro. Jerry Lennox olha para Little Boniek que sobrevoa as suas cabeças, e mostra o dedo indicador para a pomba branca. Little Boniek segue o seu caminho pelo ar. Surge à imagem de Henry Boniek em sua mente, dizendo, siga para o norte, sempre em direção ao norte. Sempre para o norte. Voltar não. Henry Boniek diz isso no alpendre de sua casa. A sua imagem é a de um homem negro, velho e magro, de cabelos grisalhos, camiseta florida, barba por fazer. Joshua Carter caminha em direção à moto. Susan Boniek segue atrás dele, Jerry Lennox, Juno Lee, e Carrey Luna seguem em direção ao carro. Little Boniek vai à frente. E o comboio segue o seu caminho na estrada...

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Seu Zé!

José girou o taco de sinuca. Deu um pinote. E saiu cambaleando. Ganhou a rua. E os homens correram atrás dele. Quando as pessoas se davam conta o vulto já havia passado. Ele era ligeiro. Arisco. Rápido. E dizia de si para si. É ruim me pegar, otário! Próximo às aglomerações José fazia cara de paisagem, diminuía o passo, sorrateiramente. Eu corro pra caramba! Para driblar os homens José quase derrubou uma doceira em seu caminho, e pôs no chão um caixote com laranjas. As laranjas rolaram na rua de paralelepípedos causando furdunço entre os passantes. O homem preto ao se aproximar do grupo perguntou, onde ele foi? Um velho apontou para a rua em frente. Ele foi por ali. José estava cansado. Entrava num beco. Entrava em outro. Ele cortava caminho. José era sagaz. Pensava rápido enquanto corria. Ele derrubara dois dos homens em frente ao bar. Com uma pernada só. José girou sobre o próprio pé. Enquanto a outra perna ganhava o ar, atingindo os homens que corriam em sua cola. Próximo a um grupo de lavadeiras que se encontrava na esquina com as suas trouxas de roupa na cabeça, e os seus filhos pendurados por um pano. José puxou as moedas que havia ganhado na sinuca. E arremessou para o alto. Causando tumulto entre as mulheres que buscavam as moedas, e atrapalhando os homens que vinham em seu encalço. Ele ganhara a rua do cortiço. Só havia o cortiço no final da rua. Quando chegou próximo ao cortiço, José viu Pai João sentado à calçada. Era um domingo de tarde bucólico. O velho estava sentado no caixote pitando o seu cachimbo. Pai João mastigava o fumo no canto da boca. José passou por ele em direção à entrada principal do cortiço. As crianças do cortiço ao verem José correndo começaram a fazer o rebuliço costumeiro. José começou a chutar a terra do chão para o alto, formando assim uma nuvem de poeira. No que recebeu a ajuda das crianças. Os adultos entravam nos barracos e batiam as portas. José entrou no barraco. Foi até o esconderijo da arma. José pulou, e conseguiu se pendurar no teto de telha frágil. Puxou o revólver. Pôs e começou a alisá-lo. Pensando em puxar o gatilho. Os homens chegaram. As crianças correram. Esconderam-se. Logo assim que os homens entraram no cortiço a rua ficou vazia. Pai João sumiu dali com o seu caixote. Enquanto os homens entravam no cortiço ouviam as portas batendo. Mesmo quem não havia saído ao perceber o burburinho puxava a porta. O homem preto e alto que era apelidado de Pezão. Disse: José... Ele disse bufando... Apoiando as mãos nos dois joelhos para tomar o ar. Ele havia jurado que ele fosse correr para a favela. Ali devia ser esconderijo de algum malandro. E soltando o nome do outro... Como se ele pudesse fazer eco. Ou reverberar até sumir como as reticências. José eu vou te pegar... No fundo ele pensava porra cheguei tão perto... José... Os dois homens brancos, e de bigode bufaram. Eles estavam de suspensórios, calças beges, e camisas brancas encardidas. O homem negro estava com uma calça preta, uma blusa azul, com botões pretos enormes. E usava barba. Era alto. Os outros dois eram baixos, e troncudos. Ele disse, e quando eu voltar aqui José, se eu não te pegar. Eu vou levar um desses canalhas em seu lugar, seja mulher, criança, velho, quem tiver no caminho! E te digo mais, não vai ser na navalha nem na capoeira, nós vamos te comer bala! Vai ser na pólvora! Eles olharam para todas as portas. O silêncio era estarrecedor. Como se não tivesse ninguém ali. Como se de repente as pessoas tivessem parado de respirar, e ficado estáticas. Era como se elas tivessem morrido. E nem o barulho de seus corpos batendo no chão fosse capaz de ouvir. Agora o ar de José ficara grave. Era como se ele não respirasse. Olhava os homens que estavam em sua direção. No meio do quintal do cortiço. José podia avistá-los, e ao fundo, um varal feito de bambu. Um lençol branco. E logo após o poço. José estava na direção dos homens, e pensava. “Daqui de onde eu estou eu acerto os três”. Ele olhava por aquele filete da fresta da porta. Encostava o ombro direito. E não estava atrás da porta. Mas sim do outro lado. E a sua mão esquerda ia ao revólver justamente na direção dos homens. Eles foram se arrastando para fora. E andando de costas. Como se fosse possível que alguém pudesse abocanhá-los. Ou armar alguma arapuca como aquela que eles haviam armado para José. Mas ninguém fez nada. A ordem era sempre nunca fazer nada. José sempre dizia aos seus. Aos moradores do cortiço. Da favela. Da Lapa. Quando eles estavam no meio do carteado, e por sobre as cartas, era possível ver seus olhos, e o seu cavanhaque. Tia Ciata dizia para que José não andasse de cavanhaque, pois quem andava de cavanhaque era o próprio! José gargalhava. Melhor não fazer nada... José dizia. O bom é não fazer nada. E aos moradores do Morro da Favela ele dizia o mesmo. E o mesmo para o pessoal do Estácio. O quê vem de nós é a educação... A paz. Falou. José mostrava as cartas encerrando a conversa. Ele dizia. Bati. Era a mesma coisa quando os dados batiam no chão. Bati. Com as bolinhas. Com o dominó. Com a dama. Com o gamão. Em qualquer tabuleiro. Além de tudo José tinha uma baita sorte no jogo. Fosse jogo do bicho no zoológico. Se vivesse futuramente o seria na maquinha. Bambu que era o negro mais revoltado de todos, sempre com o seu chapéu de palha, sua calça larga, e sua camisa aberta. É José, mas tem hora que dá vontade de esfolar um pilantra desses, Ó! José dizia, deixa... Eles querem nos colocar nos prejudicar. Não adianta entrar na provocação. Deixa esses otários pra lá! Joga... De repente José meteu a mão na blusa branca. E viu que estava manchado de sangue. O filho da puta havia acertado José de raspão. Ele enfiou o revólver dentro do saco de arroz. Foi ao barril igual de um armazém de secos e molhados. E pôs um pouco de pinga no copo italiano. E pingou na ferida. José se deitou na cama. As crianças começaram a sair aos poucos. Joãozinho foi até a entrada do cortiço, e meteu a cabeça do lado de fora. A rua estava vazia. Os homens já tinham ido. Joãozinho correu para avisar a José. Quando entrou no barraco José estava deitado na cama. Com a mão sobre o ferimento. Ele disse: João... Corre, vai chamar Maria! João saiu correndo. Aquela treta era por causa de mulher. Joãozinho pensava. A fraqueza de José era essa... Rabo de saia! Como ele mesmo diz. Chave de cadeia. Vendo o sangue no chão se misturar com a areia. O amigo Joanete, perguntou ao Joãozinho, José morreu? Não, José não morreu! E aquela gargalhada característica de José ecoou pelos céus da cidade. Aquela gargalhada. Que no começo. Quando as crianças ouviam tinham medo. José começava a sorrir aos poucos. E de repente o seu riso ia ficando maior, e maior, e maior. José parecia uma matraca. Era um riso cadenciado que cobria o espaço. Aquele riso que as pessoas gostavam de ouvir. Era um riso seguro. Uma risada deliciosa. Uma de alegria inspiradora. Ele mostrava os dentes. E daqui a pouco todo o cortiço estava sorrindo, mesmo os adultos, as lavadeiras, os estivadores, os mascates, todos sorriam, e eram contaminados por aquela gargalhada...

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

SNJ - Somos Nós A Justiça!

eu sei que o SNJ é um grupo famoso com um trabalho vasto. mas eu quero voltar no tempo. chega de saudade, nada! o quê é bom é para ser revivido. eu me lembro que esse CD Somos Nós rodava para lá e para cá na mão de todo mundo no meio dos young folks com quem eu andava. assim como o CD do Sabotage (que ainda rola direto nos carros) eu devo ter prendido o “meu” de alguém, que logo na sequência foi afanado. E todo mundo vinha com aquele papo de vamos fazer um rolo, eu te dou tal CD... mas quando viam que o dono do CD não aceitava ameaçavam ficar com o CD na marra. não sei se alguém conseguiu preservar o seu desde aquela época. ele era como um livro ensebado que roda na mão de todo mundo. colocar a mão num CD desses deve dar a mesma sensação do que segurar um joystick de sua adolescência para quem teve videogame. não vou usar aquele clichê dos críticos musicais de que o CD é atual. não é isso, cara! é que nada mudou. assim como o CD do Sabotage que roda direto nos carros. depois caí na real de que o quê tem de mudar é a situação, e não o que os rappers dizem. o rock se renova toda geração porque o mundo é careta. então todo mundo sabia cantar as músicas daquele disco. Viajando na Balada. Sem Essas Nunca Nessas que é um dos sons que eu mais gosto. Sem contar as levadas, a rima longa, que é ótima, uma das melhores que eu já ouvi... “na mídia só tem louco”... ainda hoje. aquele lance da televisão, eu ainda me sinto como se observasse os bobos da corte em frente a tevê quando eu ouço essas músicas. eles buscaram levadas próprias, mas não é só isso! todo o estilo. era a música para o meio da rua. para skatista, sei lá! mas as crianças gostavam, os velhinhos, como eles anunciavam. a Biografia Feminina. o nome de todas aquelas mulheres negras. Covards. No Mundo da Lua. Ato Fatal. raps em que eles falam contigo como se fossem vozes dentro da sua cabeça. é uma conversa ao pé do ouvido. o alerta sobre o perigo das ruas. a voz no meio de uma viagem errada, a sua cabeça está no mundo da lua! chamando a pessoa para a realidade. os ecos. tudo. e assim como Epitáfio dos Titãs ou Tente Outra Vez do Raul Seixas, o clássico Se Tu Lutas Tu Conquistas é pode inspirar em momentos de fraqueza. quando a Lapa do Rio agonizava, antes de se transformar ponto turístico por causa de um personagem de novela. eu estava num baile de rap quando vi dois ou três do SNJ. creio que a menina estava junto dos outros. eu disse a eles, vocês são um dos melhores grupos de rap de rua do Brasil! não sei o quê eu quero dizer como rap de rua. eu me lembro de um deles cutucar o outro, na humildade, para ouvir o quê eu dizia. na época eu os havia comparado com o RZO ou algo assim. a prova de que esse CD é atemporal é que quando eu era criança eu havia me esborrachado tentando voar igual ao Super-Homem. e não duvido nada que tenha muito garotinho por aí de nariz quebrado.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Wert!

amigos leitores... o meu livro “Wert!” está em promoção na loja da Amazon.com. Wert! é um livro que me trouxe certa paz. Dentro do que é possível para um escritor se dar por satisfeito. aqui estou eu tentando racionalizar o que é abstrato. Wert! é um livro curto. quase um suspense. preferiria classificá-lo como trailer psicológico. é um livro de coisas não ditas. de gestos e palavras que se perdem no ar. é um livro de impressões. onde em cada frase eu buscava não deixar uma gordurinha. também é um livro inspirado por literatura “noir”. a história se passa dentro de um apartamento. o personagem principal está narrando tudo em “tempo real”. Wert! é um dos meus pastiches de literatura americana. a vizinhança é pobre, suja, violenta, cheia de neuróticos de guerra e viciados. o apartamento funciona como um ponto de encontro de tudo que é tipo de maluco. existem mil movimentos que insinuam que ali funciona um “inferninho”, ou uma “boca”, ou quem sabe um local que abriga bandidos que tramam algumas ações. John o narrador fica o tempo todo fazendo roleta russa com um revólver enquanto tenta escrever um texto que o seu chefe que é apenas uma voz ao telefone pediu. talvez o chefe tenha pedido um balanço. ou um controle de todo o movimento. isso se torna impossível. John está ansioso com a “pedra” que carrega no bolso. ele quer se livrar da “pedra” mas não consegue e ao mesmo tempo não faz uso dela. essa é uma das dúvidas que irão pairar durante a todo o trajeto. os outros personagens aparecem e somem. você só pode julgá-los por suas expressões. pois eles não dizem tudo. John insinua um interesse por Joan. que não sabemos se é platônico ou se é algo que já chegou a se consumar de fato. Não sabemos o quê é realidade, o quê é alucinação o quê está no futuro ou no passado. é lógico que eu não leio os meus livros. uma que eu não quero me influenciar. outra que se eu fizer isso vou mexer em tudo. se eu entrasse numa biblioteca provavelmente traria Wert comigo. agradar a si mesmo é sempre mais difícil. um texto por menor que seja é um acúmulo de toda a vida. um dos motivos pelos quais escrevi esse livro foi que havia assistido na televisão um documentário sobre um pintor americano chamado Edward Hopper. nunca fui atrás de ver seus quadros pessoalmente ou pesquisar mais sobre sua vida. não precisa. a impressão de que os seus quadros me causaram é que falavam sobre o vácuo. sobre o tedio. sobre o vazio existencial. neles havia um movimento. mesmo que os personagens estivessem parados e estáticos dentro de um quarto. era o mesmo tedio que eu observava nos personagens faladores de outro americano, Salinger. Wert! foi a minha tentativa de escrever sobre frases e ações, que não se concluem...

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O Desenrolo!

Waldo está naquela rua dos fundos da favela. Impera um silêncio inimaginável para um domingo de manhã numa comunidade. A favela está deserta. Waldo fuma um cigarro desbragadamente encostado em seu carro sedã. Waguinho cruza o beco gingando. Waldo dá um pequeno sorriso quando o vê. Mas não se mexe. Waldo percebe que a expressão do outro é odienta. Waldo joga o cigarro no chão e o esmaga com o pé como fazem os atores de filmes americanos. Quando Waguinho se aproxima...

Waldo fala feito um egum mastigando as palavras e soltando perdigotos – você matou o moleque!

Waldo balança o dedo insistente na frente do outro.

Waldo - Foi você que matou o moleque! Foi você..

(É uma briga de galo. Waguinho enfia o nariz dentro do nariz de Waldo. Um pode sentir a respiração do outro).

Waguinho - Qualquer um que atravessar seu cuzão... nós “vai” largar o aço! Se tiver fardado... Se for “alemão”, nós “vai” largar o aço! (Waguinho agora é quem ganha à expressão de egum) não adianta “vim” com choradeira de que é pai de família não... vai levar bola!

Eles se encaram durante um tempo. Quando Waldo deixa o silêncio. E balançando a cabeça diz em tom ameno - medo?

Waguinho – não vivo no chiqueiro pra confiar em porco... Se você tentar alguma covardia comigo, Waldo, eu vou te rasgar de ponta a ponta... Cadê a porra do moleque, Waldo?
Silêncio.

Wagunho - A porra daquele PM lá falou pra mina que o moleque tá morto! O quê vocês fizeram com a porra do moleque, Waldo? A família tá me cobrando, eles querem enterrar o moleque pelo menos...

Waldo – que morto, é o caralho! É só pagar...

Waguinho – porra Waldo, eu não tenho esse dinheiro... Nós temos que dar dinheiro pra aquele “verme”, com essa porra de “invasão”, que viciado sobe aqui... favela pequena!

Waldo olha para Waguinho.

Waldo tira as duas pistolas da cintura. E coloca sobre o carro. Waguinho faz o mesmo com o fuzil.

Silêncio.

Waguinho acende um imenso baseado e sopra a fumaça na direção do valão.
Waldo puxa uma cápsula do bolso. E novamente como os personagens de filmes americanos bate o pó nas costas da mão e dá “um teco”.

Waldo – Maconha é droga de porco!

Waguinho – vamos negociar Waldo? Porra libera o moleque aí, caralho! Deixa o moleque curtir o dia dos pais em casa. os moleques não vão fechar comigo nessa parada, não... eles disseram que não vai ter porra de jogo nenhum se o moleque não passar o dia dos pais em casa. e que se o moleque tiver morrido, que não vai ter jogo... Waldo sou eu que mando nessa porra, eu tô sendo cobrado no meu “fundamento”, tá geral contra mim, porra! tá todo mundo esperando...

Waldo – Eu vou liberar esse lixo. (ele balança o dedo indicador como se fosse uma mania). eu vou liberar esse “viado” por causa da porra desse jogo! Mas vocês vão pagar essa porra em parcelas! Nem que demore dez anos... Vocês vão pagar essa porra!

Waguinho fica em silêncio.

O toque do telefone de Waldo é um pagode. Ele atende o homem em viva voz.

Homem – Waldo! Nós precisamos de uma posição, já acabou? tá um clima tenso aqui... viatura e o caralho! começou a porrada... Vai ser foda segurar esse povo!

Waldo – tá, tá, tá! Libera esse “viado”, e começa essa merda... Eles vão pagar!

Desliga.

Waldo – Primeira parcela amanhã.

Waguinho – A mina vai levar...

Waguinho pega o fuzil e dá as costas para Waldo. Logo se escuta a gritaria. Waldo entra no carro. Som de fogos vindo do campo. E de todo lugar. aos poucos o som da favela volta ao normal. Já se ouve gritos de crianças e aparelhos de som.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O Samba é Meu Dom de Wilson das Neves...

Velha Guarda do Império Serrano. eu estava trabalhando num teatro do centro da cidade. eles participariam de um show do Arlindo Cruz. acho que era isso. ou eu sonhei. eu estava naquela parte de cima do teatro. de repente eles se posicionaram e começaram a cantar essa música. na época eu ainda não havia escutado essa música. é do Wilson das Neves. de repente essa música mexeu comigo. “aquilo é verdadeiro, rapaz!” “Isso é poesia pura!” “coisa fina”. e o mais chato de tudo é que é de gente que toca muito, e vive o quê canta. de repente as lágrimas rolaram. graças a Deus poder jorrar essa felicidade por aí. toda vez. O Samba é Meu Dom... ele repete, ele sabe da sua responsabilidade, das nossas raízes. ele sabe que teve sorte. que estava no lugar certo na hora certa. como ele empunha a bandeira do samba. “aprendi cantar samba com quem dele fez profissão!” aqueles nomes que fazem parte dos pilares do samba. da espinha dorsal do samba. meu Deus: “quem é do samba meu nome não esquece mais não” “é no samba que eu quero morrer de baquetas na mão”. um dia desses eu vi o Wilson das Neves no aeroporto. ele estava de chapéu. não tive coragem de falar com ele, é claro. mas com certeza estava indo tocar samba...

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Amsterdã Blues - Arnon Grunberg.

eu gosto de um livro chamado Amsterdã Blues. eu esbarrei com ele a primeira vez numa bienal. mas não pude levá-lo. pois já havia estourado o dinheiro com biografias dos Beatles. é um livro de um holandês de cabelos desgrenhados na capa. dos livros “recentes” é um livro que eu gostaria de ter escrito, como dizem. era óbvio que eu fosse gostar desse livro. então quando esbarrei com ele a segunda vez em uma biblioteca eu o levei comigo. é um livro sobre o tédio. os grandes escritores tiram historias de qualquer coisa. e esse escritor tirou uma historia do tédio. não me lembro de detalhes do livro. mas como diz Leonardo da Vinci, todo nosso conhecimento vem do que sentimos. e eu sempre me lembro desse livro. eu me lembro que o personagem ficava num bar, e que ele empurrava a cadeira de rodas do pai doente. eu me lembro que os diálogos do pai dele com os outros personagens no bar eram incríveis. o personagem principal frequentava prostitutas diariamente. E com elas ele mantinha uma relação blasé. que é a mesma relação que o personagem mantém com todo o mundo. a prosa desse escritor é uma prosa de mestre, e falar aqui sobre o miolo da historia, isso que chamam de roteiro, para os grandes escritores é apenas um detalhe. então não se iluda com a aparência da sinopse. o livro é grandioso e de uma profundidade abissal. e o autor tem o controle da pena. eu não me lembro se é o seu livro de estreia. a tradução às vezes pode acabar com um livro. o livro não é econômico, ele não tem uma edição seca daquelas em que nenhuma palavra parece sobrar na frase. mas, apesar de suntuoso, ele não é pomposo. Leia tranquilamente.