Lúcia vai arrumar o inferno naquela casa. A descrição da menina de Nelson Rodrigues nesse livro é tão viva, que enquanto se lê é quase possível ouvi-la respirar, ou sentir a sua brancura lívida... Ele é um mestre dos personagens, através de pequenos gestos, diálogos e atitudes. Lúcia é um desses casos. Ela é uma heroína de Nelson. Assim como Silene, de Asfalto Selvagem, ou qualquer outra, talvez Glorinha, ela é mais uma de suas personagens cínicas, e vilãs sem igual da literatura, e ao mesmo tempo heroínas. Mais uma Bonitinha, mas Ordinária. Os personagens de Nelson são encurralados entre o lema do prazer arrebatador, e incontrolável, e a culpa incutida em seu íntimo, e o quê os outros vão dizer. O quê os vizinhos irão pensar. O Doutor Godofredo diz que Lúcia está grávida. Dona Ana vai ter de contar ao marido. Lúcia tem duas irmãs. Dora, e Isabel que tem maior participação no drama. Toda a família vai morar na Barra da Tijuca. É vontade da mãe que deseja cuidar das filhas. Então a casa acolhe as filhas com os genros, e essa caçula. Que é a obsessão do pai, que é Doutor coisíssima nenhuma. É apenas um título que imputou a si mesmo. Quando vem a notícia, a mulher quer saber, filho de quem? Todos querem saber, mas filho de quem? A menina não nega, Lúcia começa a fazer um jogo psicológico com todos, e a manipular a história do filho. O pai em sua fúria, odiosa, de quem detesta as outras filhas, e ama somente a essa como deixa bem claro, mostra toda a sua fraqueza no episodio. Culpa a mulher pela “desgraça” da filha, e consequentemente da família. Quando ele descarrega na esposa que seu amor por aquela filha, é de um longe um amor maior do que ele sente por ela, que ele diz sentir amor nenhum, e pelas outras filhas. Isabel, essa que aparece como esposa de três dos cunhados em situações diferentes, diz ter herdado uma úlcera por causa do pai. O pai em sua fúria acaba com a mulher, que Nelson diz ser pusilânime, com fraqueza de caráter, ou sem caráter, que nunca enfrentara o marido. A mulher dona Ana diz ao marido que Lúcia não é sua filha. Lembra-se daquela viagem a Curitiba. Lúcia veio depois de todo mundo. Era uma filha temporã. Ninguém acreditou quando Lúcia veio. Pois dona Ana já ia com idade avançada para engravidar. O homem insiste, diz que não tem ciúmes nem nada. Mas foi o Cláudio. Um amigo de Doutor Maciel já falecido. Um homem fraco, e com aspecto de doente. muitas vezes esse personagem do homem doente que ninguém dá nada por ele vai aparecer na obra de Nelson Rodrigues, vitima de um romantismo de uma mulher que sonha com um príncipe encantado, e que contrariando a todos, podendo escolher a quem quiser, algumas vezes opta pelo mais fragilizado, aquele que aparentemente não oferece perigo, e traz a tristeza no olhar, como se esse gesto elevasse a mulher, como se com aquele homem tudo fosse permitido, e com o canalha não. Lógico que na obra de Nelson existem muitas mulheres obcecadas por esse canalha. A história que se desenrola num ritmo alucinante e sem tempo para um suspiro. Leva a revelação de que o namorado de Lúcia, quem ela gosta? Como eles perguntam a ela o tempo inteiro você tem de gostar de alguém? Um filho não aparece assim, do nada. Eles nunca se referem ao ato, como se a simples menção fosse imoral. Mesmo que o escritor se sentisse pressionado, a escrever dessa forma por causa da moral vigente, a minha interpretação é que nesse caso, era isso mesmo que ele queria sublinhar, quem ela gosta, e não com quem ela “dormiu”, “deitou”, ou qualquer outro eufemismo. O namorado de Lúcia é o paralítico da casa ao lado. Nesse caso, ele é o inválido. Como dizem. Mas agora. Lúcia tem certeza de que o filho é dele. Mas ela não conta. O paralítico que odeia a todos e se odeia. Nonô. Diz a Lúcia que ela esteve com ele por pena. E ele insiste que todas as mulheres são iguais. Ele não aceita de forma alguma que a menina o tenha desejado. Ele tem dezenove. Ela tem catorze. Quando a mãe diz que ela é apenas uma criança. Uma das irmãs grita criança coisa nenhuma! Lúcia se fecha e aterroriza a todos com o seu cinismo. Menos o pai que insiste em sua defesa. Depois que a mulher diz ao pai que Lúcia não é sua filha. Tudo muda. É a mulher que lê seus pensamentos. E que o chama de monstro. Diz que sabe muito bem o que ele está tramando com aquela viagem para ficar sozinho com a filha. O argumento é que eles têm que tirar a filha dali. Para que não vire um escândalo e para que ninguém fique sabendo. A mulher percebe a manobra do marido, que agora não tem de encarar o incesto pela frente, assim como o ato de Lúcia mexe com a imaginação do pai, ele destroça com a dos genros, e com um deles em especial, Aparício, Marido de Isabel, a irmã da úlcera. Então se a menina fez isso, o quê mais ela poderia fazer, o velho como é tratado no diálogo dos genros que são excelentes, em seu cinismo, arma uma trama de que a velha está pirando, vendo se aproximar o dia da viagem Dona Ana tentar matar o marido. Que diz que a mulher está enlouquecendo, e faz de tudo para levá-la a um hospício, no quê a mulher jura ao marido que ele será morto pelo pai do filho de sua filha, o paralítico se derrama ao saber da gravidez, e de que a menina vai viajar, ela diz que tudo que fez foi por pena. Ela inventa uma mentira para o pai. Que a pressiona, com a praga de dona Ana na cabeça. Ela inventa uma história que na festa que aconteceu na casa de Nonô, num casamento, ela havia bebido e que não sabia quem fizera aquilo com ela. O pai que tanto insistira no nome do namorado, parece se resignar com aquela mentira. Que não dá a ele a obrigação de ter de saber quem é o pai, e que pode viver agora para cuidar da sua “filha” adorada. Que dona Ana diz, a única que não é a sua filha. Aparício, o genro, começa a pirar, se encontra com a garota. E sabendo da história toda que a esposa conta para ele dentro do quarto. Ele intercepta Lúcia que se despedira do vizinho na rua. Nonô. E diz a ela que ele é o pai da criança. e dizem sua loucura se declara apaixonado. Ela ameaça contar ao pai. Ele propõe a fuga. A menina parece gostar do assédio. Aquele era o genro que ela mais gostava. Aparício segue para cima do velho. E o ameaça. Ele confessa tudo. Diz que está apaixonado e enfrenta o velho. Ele diz, nós somos rivais! E dispara quatro tiros no velho. E diz. O que dona Ana não conseguiu fazer eu faço. Um amigo chamado Telêmaco tentou avisar a Aparício que o Doutor Godofredo estava louco. Aquela semana em que Lúcia fora se consultar com ele, o doutor havia dito que uma senhora de oitenta anos estava grávida, e uma menina de oito anos também. Era oito ou oitenta. O velho estava pirado. Aparício que gritava por Lúcia na cadeia. Ao saber da boca do outro que ela não era uma mulher feita. Como em muitos momentos os personagens se referem à Lúcia com a sua posição após o ato consumado. Em sua decepção de que ela não era apenas uma menina, Aparício mete uma bala na cabeça.